Terça-feira, 19 de janeiro de 2016 - 19h18
Peça de porcelana encontrada pelo arquiteto: apenas uma entre outras relíquias destruídas pela irresponsabilidade do zelo com o patrimônio histórico /Fotos Maicon Pinto
LUIZ LEITE DE OLIVEIRA (*)
Por ocasião da construção das represas que originaram as hidrelétricas no alto rio Madeira, nesta primeira década do milênio, este arquiteto localizou uma relíquia no Complexo Madeira-Mamoré. Uma, entre tantas outras que ainda “se escondem” sob o sítio ferroviário destruído.
Trata-se de uma peça de porcelana que seria destruída por um trator a serviço da Prefeitura Municipal de Porto Velho em 2008. O assunto retornou ao YouTube neste início de 2016, por causa de buscas feitas por internautas. No vídeo, dou meu depoimento ao portal Rondônia ao Vivo, a respeito do assunto.
Sete anos atrás, em 5 de julho de 2008, transformaram o pátio ferroviário numa praça. Esse pátio convém repetir, estendia-se até a Candelária, no Km 2,5 do leito ferroviário, e dali, à cachoeira de Santo Antônio.
Com dinheiro público e o capital obtido por empreiteiras no BNDES, tornou-se perceptível no Rio Madeira uma trapaça pela qual substituíram pátio ferroviário por uma praça tão sofrida, sem cara de praça, um lugar que serve a espetáculos deprimentes, dos shows ao consumo de drogas.
O trem nunca mais andou sobre os trilhos, permaneceu apenas nos sonhos. O trabalho de reativação, datado de 1982, foi jogado às traças.
Sentenciaram à morte a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré. Não foi por falta de aviso que isso ocorreu. A Associação de Preservação do Patrimônio Histórico do Estado de Rondônia e Amigos da Madeira-Mamoré (Amma) denuncia a situação passo a passo, desde quando fomos expulsos do pátio ferroviário pelo Serviço de Patrimônio da União (SPU) pelo superintendente Antonio Roberto dos Santos Ferreira, quando exercíamos vigilância sobre mazelas e falcatruas.
Denunciamos essa expulsão à presidente Dilma Rousseff e, para nossa surpresa, o secretário de patrimônio da União, Guilherme Estrada Rodrigues vê [ofício nº 943/2016] apenas “supostos danos à Madeira-Mamoré”. A respeito da retirada da nossa guarita de vigilância do pátio ferroviário: “(...) É forçoso registrar, de início, que a utilização de qualquer bem público para fins privados deve padecer previamente de uma autorização do órgão legalmente responsável para administrá-lo, mirando evitar que pessoas físicas ou jurídicas privadas desfrutem para proveitos isolados de um patrimônio que, a rigor, pertence à coletividade”.
“Desfrutem”? “Proveitos isolados”? “Patrimônio da coletividade”? Jogado à própria sorte como esteve e ainda está?
Tão “bem” administrou até agora, que esse pátio virou praça e está entregue a interesses totalmente estranhos à sua preservação e reativação. Em Rondônia, o impossível é normal. E foi nesse ritmo que o SPU transferiu-o à Prefeitura Municipal, o que por decreto [em 10 de março de 1992] já estava transferido ao Governo do Estado. Flagrante inconstitucionalidade.
Avenida e fúria do Madeira
A reportagem [em vídeo no YouTube] do encontro da peça de porcelana pelo pesquisador Ricardo Peres revela a destruição do terreno que se destitui daquela morfologia em processo de desmonte. Adentraram com a Avenida Farquhar no pátio ferroviário.
Muitas relíquias do sítio arqueológico viraram pó, principalmente depois de 2014, após o represamento das águas do rio nas usinas de Santo Antônio e Jirau.
A correnteza do rio Madeira em fúria atingiu o desbarrancamento e submergiu a via permanente da ferrovia e fez também submersas parte da cidade de Porto Velho, no Bairro ribeirinho Triângulo, o Distrito de Mutum Paraná, parte de Guajará-Mirim, Vila Nova e a histórica Vila Murtinho.
A raríssima relíquia que mostramos no vídeo faz parte do design do final da revolução industrial (1903). Sabedora dos diversos desaparecimentos de peças [caneta, sino, trilhos, e até um vagão!] do patrimônio ferroviário, a Amma entregou-a para guarda e proteção da Polícia Federal. Contudo, o então superintendente do Iphan, Alberto Bertagna, notificou a Amma, como se a entidade tivesse se apropriado daquele bem.
Relíquia por relíquia, nunca é demais repetir também que o espaço ferroviário é uma gigantesca relíquia protegida pela Constituição Estadual de Rondônia (art. 264), pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e pela portaria 231 (1220-T-87, e 231/07). Disse protegida? Em tese. Gestores rasgam a lei.
O trator que fazia avançar a avenida rumo ao pátio ferroviário destruiria a peça de porcelana
Lamentavelmente, esse espaço passou a ser saqueado e destruído, e até recebeu nova denominação: revitalização da Madeira-Mamoré. Isso, para que ninguém percebesse a destruição do pátio ferroviário, ato resultante das travessuras imorais e jurídicas praticadas pelo então governador Ivo Cassol [Lei 1.776] e pelo então prefeito Roberto Sobrinho [aplicação da Portaria 156].
Por caminhos tortos, tal portaria assinada desavisadamente pelo então ministro do Planejamento Paulo Bernardo, criava uma inconstitucionalidade, porque o decreto de 10 de março de 1992 transferira os bens da EFMM ao Estado de Rondônia.
A partir desse momento, a Amma presenciou esse crime de lesa-pátria com o aval dos que eram agentes públicos (Iphan e SPU) e os consórcios construtores das represas.
Naquele momento tudo parecia permitido para que fossem construídos os “monstros elétricos”, sacramentando o plano do “lula-petismo”. Porque o governo e a maioria da classe política de Rondônia a ele se submeteram despudoradamente.
Naquele momento, o MPF orquestrava a “promoção de arquivamentos”, da qual não escaparam também as denúncias da Amma, todas engavetadas. Paralelamente, blindaram gestores públicos que facilitavam os crimes contra o meio ambiente.
PF cumpriu seu papel
Ficava claro que no Brasil montava-se um regime populista-autoritário. A partir de então, o Estado Brasileiro pareceu aparelhado da mesma forma como ocorrera na Bolívia, Venezuela, Argentina e Cuba, desviando-se para cá o pior do que se diz bolivariano, ou seja, um atraso deplorável para nossas conquistas democráticas.
A PF, instituição honrada, cumpria o seu papel, acatava e recebia nossas denuncias relativas ao meio ambiente agredido e à destruição da Madeira-Mamoré.
A PF enviou tudo à Justiça. Naquele momento, o MPF substituía o procurador federal, designando uma procuradora para a função. Esta promoveu o arquivamento das denúncias, em efeito cascata.
Começávamos assim a perder a batalha. Enquanto isso, o silencioso e talvez anestesiado povo de Rondônia parecia não perceber, não tomava partido. E a nós não pouparam: fomos acusados de ser “contra o progresso e o desenvolvimento”. Disseram que acusávamos e nos classificavam de “donos da Madeira Mamoré”.
De certo, a Amma perturbava a tal “geração de empregos” e o cantado movimentado “Usinas Já”. Senadores, deputados federais e estaduais, vereadores enxergavam em tudo uma maravilha, promiscuidade política.
Diante das “promoções de arquivamentos” pela procuradora e o silêncio como resposta, ou mesmo, omissão, a Amma constatou o que não queria ver: a impunidade dos agentes públicos; a corrupção da bandidagem política; e o demagógico disfarce movido pelo slogan “revitalização da EFMM”, o que ocorria a partir do plágio do projeto de Restauração e Elementos de Integração do Complexo Ferroviário da EFMM e Orla de Porto Velho, de minha autoria. Este sim, revitalização e reativação.
(*) O autor é arquiteto e urbanista, pensador sobre o patrimônio histórico da Amazônia, autor do Projeto de Restauração e Elementos de Integração do Complexo Ferroviário da Estrada de Ferro e ORLA, beira rio Madeira, é presidente da AMMA.Pesquisa de Montezuma Cruz- jornalista e pesquisador e Ricardo Peres – sociólogo e pesquisador
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