Sexta-feira, 21 de janeiro de 2011 - 07h21
José Rodolfo Granha (e) conversa com Joaquim Cunha: estudos mostrarão potencialidades do solo especial encontrado em Rolim de Moura /AMAZÔNIAS |
MONTEZUMA CRUZ
Amazônias
ROLIM DE MOURA, Zona da Mata de Rondônia – Com a fita métrica pendurada no pescoço, facas e enxadas nas mãos, o doutor em Engenharia Florestal e Agronomia José Rodolfo Dantas Granha, concluiu neste início de ano o trabalho de uma equipe interessada na topografia e nas características biológicas da terra preta arqueológica (ou “de índio”) da Zona da Mata rondoniense.
Ao levar a Universidade Federal de Rondônia (UNIR) para o interior de Rolim de Moura, o engenheiro delineou um escopo de pesquisas básicas que mostrarão o aproveitamento desse tipo de solo como recurso agrícola.
Após essa incursão na área rural do município, Granha sugere agendas diferenciadas, mas combinadas “que direcionem a pontos comuns nas produções-mestre e na busca de excelência para o estudo emergencial do solo em Rondônia”. Entusiasta ele é, mas não deixa de ser crítico: “A consolidação de planos governamentais – o PAC (*), por exemplo – teve a política na frente da ciência, e tem que ser a rota inversa”.
Propostas integradas
Segundo o pesquisador, agendas diferenciadas pressupõem que sejam “independentes e dependentes entre si em suas devidas considerações e desconsiderações”. Nesse aspecto, a Unir, demais universidades públicas e centros de pesquisa deveriam expor propostas integradas num plano de ação englobando empreitadas de natureza técnica, expedições e projetos científicos em acordo com as diretrizes do desenvolvimento sustentável, paralelamente às diretrizes de um potencial zoneamento econômico e ecológico.
Outro entusiasta dessa proposta, o farmacêutico e especialista em georreferenciamento Joaquim Cunha da Silva, antecipa a reivindicação de Rolim de Moura, compartilhada pelo prefeito Sebastião Dias Ferraz, Tião Serraia (PMDB) e por seu secretário de Agricultura, Osni Ortiz: “Unir, Iphan, Ibama, Embrapa e o Serviço Geológico Brasileiro podem nos dar esse merecido presente”.
Silva lembra que essas instituições têm pela frente um desafio semelhante ao de outras regiões mundiais nas quais os estudos arqueológicos foram reconhecidos como essenciais para o conhecimento do tamanho da população que ocupou a região antes da chegada dos colonizadores portugueses e espanhóis, no século 16. Denomina-se a isso paleodemografia.
Árvores crescem viçosas nas áreas com ocorrências de terra preta; as águas do riacho também refletem essa riqueza /FOTOS JOAQUIM CUNHA |
Simples folhas, cipós e sementes formaram um solo rico
A terra preta teria origem antrópica, resultante de antigos assentamentos indígenas. Nessa hipótese crê o farmacêutico, cujo levantamento de geoglifos e oficinas líticas já georreferenciados no Google Earth resultaram no registro de um sítio arqueológico no Cartório de Rolim de Moura, com o aval da Justiça e do Ministério Público em Ji-Paraná.
Silva parece não duvidar que a passagem do ser humano por essas áreas era o próprio cotidiano dos povos pré-históricos da Amazônia. Tanto é que convidou o professor Granha e este aceitou percorrer as “pirâmides” com escadinhas de pedra situadas entre Alta Floresta do Oeste e o distrito de Izidrolândia.
Estudioso das situações semelhantes ocorridas ao longo do Rio Tapajós ao redor do ano 1000 (**), Silva guarda um documento do Museu Paraense Emílio Goeldi, segundo o qual a matéria orgânica formadora da terra preta arqueológica é composta principalmente por folhas que serviam para a cobertura de casas, além de sementes, cipós e restos de animais (ossos, carapaças, conchas, fezes, urina etc.).
A autora desse estudo é a geoarqueóloga Dirse Kern, que investiga desde 1986. Segundo ela, a matéria orgânica foi depositada no solo de forma não intencional, mas como prática cultural do povo que habitou determinada área e colocava material orgânico em locais específicos.
“A alta fertilidade desses solos se deve ao acúmulo de material orgânico depositado na aldeia indígena na pré-história”, escreve Kern. “Esse material era de certa forma selecionado, proveniente tanto de fontes orgânicas de origem vegetal como animal, e a quantidade dependia do tempo de ocupação da aldeia e do número de indivíduos”, explica.
Resultado de “composto orgânico”, o solo fértil forma microecossistemas próprios, que se auto-sustentam e não conseguem se decompor, por isso não exaurem facilmente |
“Composto orgânico”
Daí, o resultado desse “composto orgânico” são solos férteis que apresentam matéria orgânica estável, formando microecossistemas próprios, que se auto-sustentam e não conseguem se decompor, por isso, não exaurem facilmente.
Outra pesquisadora da terra preta no Museu Goeldi, a pedóloga (estudiosa de solos) Maria de Lourdes Ruivo, também doutora em solos, diz que a terra preta fica em sua grande maioria nas partes elevadas, o que poderia facilitar a transformação da matéria orgânica em nutrientes minerais que são incorporados ao solo.
“Possui altos teores de substâncias húmicas, responsáveis pela nutrição e agregação dos solos, o que explicaria, em parte, a fertilidade. Alguns microorganismos podem sintetizá-las de forma diferente dos demais solos adjacentes” ela afirma.
Ruivo recomenda o estudo de todos os tipos de vida que fazem parte do solo e ainda a fauna que habita o sítio e o entorno dessas áreas e que, de alguma forma, possam ter contribuído para a formação dos solos.
(*) PAC é o Projeto de Aceleração do Crescimento, do Governo Federal.
(**) Nessa época, no mesmo local em que hoje está Santarém (PA) talvez tenha existido outra cidade, parcialmente destruída pelo próprio crescimento de sua equivalente moderna. Nesse aspecto, Santarém seria a cidade mais antiga do Brasil e a única cujas origens remontam a nossa história pré-colonial.
Terra preta teria origem antrópica, resultante de antigos assentamentos indígenas; estudos são feitos no Amazonas, Pará, e agora em Rondônia |
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