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Beijus coloridos (com açaí, maracujá, abacaxi, cebola)à venda no Mercado Público de Cruz das Almas, no Recôncavo baiano /M.CRUZ
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AMAZÔNIAS
JOSELITO MOTTA (*)
A história do Brasil é muito pródiga em registros sobre a importância da mandioca e tem como aliada o escritor e folclorista Luís da Câmara Cascudo, autor do livro A História da Alimentação do Brasil, que destinou um capítulo especial a essa cultura, denominado-a de Rainha do Brasil.
No livro, ele destaca o valor histórico, cultural, alimentar da mandioca. A obra de Cascudo totaliza 164 livros e o torna a maior expressão literária do Rio Grande do Norte e do País.
A versatilidade da mandioca permeia chefs de cozinha e culinaristas do porte de Iracema Sampaio, Nelson Conceição, Braulino Oliveira, Teresa Corção, Alex Atala, Dona Lucinha, Margarida Nogueira, Neide Rigo, Beth Beltrão, Claude Troisgros, Beto Pimentel, Paulo Martins, Rafael Sessenta, Tereza Paim, Ofir Oliveira, Faustino Paiva, Layr Marins entre outros.
O antropólogo alemão Hans Staden, que à época do descobrimento se incorporou em Lisboa à esquadra de Cabral, tem diversos registros de fatos que colocam a Raiz do Brasil como o fundamental —“o basalto, o recurso, a provisão”, como relata Cascudo.
Destacada no plano cultural, passa pelo crivo de Gabriel Soares de Souza, Manoel da Nóbrega, José de Anchieta, Jean de Lerry, Debret, Rugendas, Câmara Cascudo, Couto de Magalhães, Pinto de Aguiar, Milton de Albuquerque, Antônio José da Conceição, Patativa do Assaré e se traduz nas músicas de Luiz Gonzaga, Djavan, Juraildes Cruz, Xangai, Raimundo Sodré e expressões populares na voz de cantadores, repentistas e cordelistas.
Alguns historiadores apontam para o fato que, se o Brasil não tivesse mandioca o tempo de desbravamento do nosso território seria muito mais longo ou mesmo quase impossível; a farinha, principal derivado, dado a sua vida útil prolongada, foi logo incorporada à intendência de navegação como suprimento alimentar e atendia também outras expedições que aportavam no Brasil em direção às Américas.
Seguia também para a África para servir de alimento nos porões dos navios negreiros na viagem ao Brasil e também nos ciclos do pau-brasil, da cana-de-açúcar, do café etc.
Ao concentrarmos a atenção na riqueza de alternativas proporcionadas pela raiz não devemos desprezar o potencial alimentar proporcionado pela parte aérea da planta; enquanto a raiz é rica em carboidratos representados pelo amido, as ramas e folhas são fonte de proteínas, vitaminas e minerais com elevado teor de proteínas — 28 a 32% nas folhas — Fe, Ca, Vits B1, B2, B6, Vit C e principalmente vitamina A.
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Farinha de Cruzeiro do Sul, a melhor do Brasil, tem lugar cativo em loja do Aeroporto de Cruzeiro do Sul, no Acre /M.CRUZ |
Toda sua riqueza pode estar na mesa ao ser transformada em mais carne, leite e ovos como suprimento alimentar dos animais sob a forma de farinha das folhas, feno, raspa e silagem.
A versatilidade da mandioca se revela também por meio do seu amido diferenciado contido nas raízes com ampla aplicação na indústria de cosméticos, petrolífera, siderúrgica, papeleira, de cervejas, confeitaria, colas, tintas, embutidos de carne, sorvetes, balas, dentifrícios, panificação, especialmente na substituição do trigo importado, e, mais recentemente, na fabricação de embalagens biodegradáveis, ecologicamente corretas.
Uma política equivocada subsidiou o trigo por 20 anos, excluindo a mandioca. Em conseqüência, ampliou-se a dívida externa brasileira. Atualmente, o País consome cerca de 8,5 milhões de toneladas de farinha de trigo, cerca de 80% importada. Isso resulta um custo anual de US$ 1 bilhão.
Estudos feitos pela Embrapa indicam o uso da fécula da mandioca para substituir em até 20% o trigo importado na fabricação do pão francês, carro-chefe da panificação, em 30% para outros produtos e até 40% nas massas de pizza.
A aprovação do projeto de lei criando o Dia Nacional da Mandioca e a possível inclusão do Mandioquinha como candidato a símbolo da Copa de 2014 poderão mostrar ao País e ao mundo a verdadeira importância desta raiz. Eu acredito.
(*) O autor é pesquisador da Embrapa Mandioca e Fruticultura Tropical em Cruz das Almas, no Recôncavo Baiano.