Quinta-feira, 27 de janeiro de 2011 - 06h08
Na ponta da esperança, o desprezo a esses homens que simplesmente insistem em não morrer e por causa desta teimosia levam pequenos tiros de misericórdia /BR.OOCITIES |
IRLAN ROGÉRIO ERASMO DA SILVA (*)
Na extensa procissão de humilhações vivida pelos soldados da borracha na Amazônia, o recente “não” do governo brasileiro ao Projeto de Lei Complementar n. 173/10 é um tapa nas suas faces enrugadas. A Presidente Dilma Rousseff negou aos octogenários um mísero 13º salário que se sancionado já nasceria provecto, considerada a expectativa média de vida dos sobreviventes, que é no máximo de dez anos.
Vetado sob a justificativa de que não existe fonte de custeio e porque o benefício contrariaria a Constituição Federal e a Lei de Responsabilidade Fiscal, coroou-se com desprezo a esperança destes homens, que simplesmente insistem em não morrer e talvez por causa desta teimosia o governo deste País considere necessário dar-lhes pequenos tiros de misericórdia.
A Presidente vetou um benefício que é menos que um prurido insignificante no orçamento federal. Insignificância vergonhosa, mas que em vez de envergonhar os beneficiários, envergonha a imprópria justificativa da Presidente. Aliás, a insignificância orçamentária sempre foi o ponto chave a permitir a aprovação do projeto.
Impacto insignificante
Em maio de 2010, o então Presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer (PMDB/SP) animou de certeza os anseios dos soldados da borracha quando recebeu parlamentares da Amazônia e os representantes do sindicato numa reunião oficial e afirmou que acreditava na aprovação do projeto exatamente porque considerava bem insignificante seu impacto no orçamento.
Advogado Irlan da Silva (d), defensor da causa dos soldados da borracha em Rondônia e em Brasília /MONTEZUMA CRUZ |
Claramente, todos aqueles que estavam naquela reunião defendendo os interesses dos ex-seringueiros, vimos a possibilidade de abrir o empedernido cofre da União com a nossa insignificância frente aos outros interesses que disputam o orçamento federal. E assim nasceu nossa esperança de aprovação junto com a certeza da nossa irrelevância.
“Não é ninguém, é o padeiro”
O desfecho foi esta paulada. Mas reforça-me a convicção de que a estratégia da insignificância é a única que nos resta. Se a Presidente conhecesse a crônica “O Padeiro” do escritor Rubem Braga talvez nos compreendesse. Com sua extrema humanidade o Rubem Braga deixou pulsando na literatura brasileira o paradoxo do indivíduo que é ao mesmo tempo tão essencial quanto insignificante.
O saudoso cronista, que se estivesse vivo teria completado 98 anos de idade no dia 12 de janeiro deste ano (data da divulgação do veto da Presidente), graduou sua consciência literária dando lustro a coisinhas sem significância, como atesta sua luminosa crônica-lição: “E enquanto tomo café vou me lembrando de um homem modesto que conheci antigamente. Quando vinha deixar o pão à porta do apartamento ele apertava a campainha, mas, para não incomodar os moradores, avisava gritando: – Não é ninguém, é o padeiro! Interroguei-o uma vez: como tivera a idéia de gritar aquilo? ”Então você não é ninguém? ”Ele abriu um sorriso largo. Explicou que aprendera aquilo de ouvido.
Sobrevivência no leito do desprezo
Muitas vezes lhe acontecera bater a campainha de uma casa e ser atendido por uma empregada ou outra pessoa qualquer, e ouvir uma voz que vinha lá de dentro perguntando quem era; e ouvir a pessoa que o atendera dizer para dentro: “não é ninguém, não senhora, é o padeiro”. Assim ficara sabendo que não era ninguém...Ele me contou isso sem mágoa nenhuma, e se despediu ainda sorrindo”
O “seringueiro” chamado de soldado da borracha é a síntese desse paradoxo. Tal qual o padeiro do Rubem Braga convive, por décadas, sem mágoa nenhuma, com a mesma certeza de que é tão essencial para o Brasil quanto insignificante.
Descobriu que sua vida é um sobejo inesperado diante de tudo que lhe foi oferecido pelo Brasil para que morresse e insistiu em sobreviver ainda que no leito do desprezo. E agora achou que podia passar pela Presidente com a mesma habilidade do padeiro do Rubem Braga: “Não é ninguém, não senhora, é o seringueiro!”
Não deu certo, mas fica mais uma vez o reconhecimento à grandeza do seringueiro soldado da borracha, registrado que está neste jovem coração como um tesouro, o mesmo que o cronista extraiu do seu padeiro: “...dentro do meu coração eu recebi a lição de humildade daquele homem entre todos útil e entre todos alegre; “não é ninguém, é o padeiro! E assobiava pelas escadas”. E o reconhecimento ainda é o que de mais precioso dispomos para nos salvamos da ignorância.
Viva os soldados da borracha! Viva “O Padeiro” do Rubem Braga!
(*) IRLAN ROGÉRIO ERASMO DA SILVA: É advogado do Sindicato dos Soldados da Borracha de Rondônia, neto de um seringueiro.
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