Quarta-feira, 19 de janeiro de 2011 - 15h03
Origem e idade dessa terra são estudadas há um século. Ela é mais uma riqueza, entre tantos tesouros arqueológicos encontrados no município de Rolim de Moura /FOTOS JOAQUIM CUNHA |
MONTEZUMA CRUZ
Amazônias
ROLIM DE MOURA, Zona da Mata de Rondônia – Meio século depois da chegada dos colonizadores e da invasão das terras indígenas, o homem começa a medir as extensões dos milenares sítios de terra preta com 80 centímetros de profundidade, nesta região a 402 quilômetros de Porto Velho.
Em geral, a terra preta arqueológica, (ou “de índio”), rica em fragmentos cerâmicos, guarda uma fertilidade capaz de levar estudiosos ao encontro de modos de vida ancestrais. Matéria de grande concentração de fósforo, cálcio e outros nutrientes encontrados, tanto em espinhas de peixe quanto em cascos de tartaruga e ossos de outros animais, ela é estudada há mais de um século.
Há 20 anos José Pereira da Silva e sua mulher Ivone adquiriram uma área de 43 alqueires, dos quais, dez com faixas de terra preta, onde plantaram milho, mandioca e feijão. Nunca precisaram colocar adubo para colher boas safras. Segundo eles, na vegetação de Cerrado no entorno dessa área a lavoura branca não prospera.
Ao mesmo tempo preocupa, porque a frenética ocupação da região, desde meados da década de 1970, põe em risco o patrimônio arqueológico. Da sua origem, há controvérsias entre pesquisadores.
Esse valioso recurso ainda exige estudos minuciosos, por isso nem foi ainda anunciado pelo governo, a exemplo do Pré-Sal e dos biocombustíveis de diversas fontes.
O professor José Rodolfo Granha (d) e sua equipe: um bom impulso às análises de um solo que pode ter uso agrícola |
“Nada temos contra o capitalismo, somente com sua forma descontrolada e inaceitável a qualquer país que queira enfrentar de forma racional o dilema da escassez de recursos básicos” – explica o professor de Engenharia Florestal e Agronomia da Unir, José Rodolfo Dantas de Oliveira Granha. Esses recursos são água, solo, energia, alimentos e biodiversidade.
A Zona da Mata é o “novo” nessa história. Até o momento os depósitos de terra preta escavados na região do Alto Madeira são datados de 4,5 mil anos, conforme o pesquisador Eurico Miller. Ele já encontrou muitos vestígios de lâminas de machado de pedra polida. Coincidentemente, os mesmos encontrados em Rolim de Moura e adjacências.
Há mais de 30 anos trabalhando na região, o gaúcho Miller lembra que a presença das lâminas é o indicador da derrubada da floresta e da abertura de clareiras. A associação dessas lâminas com a formação de terras pretas mostra o processo de sedentarização espalhada por diversas áreas amazônicas.
Consciência Inca
Os estudos de Miller se somam às ricas conclusões do pesquisador Luiz Joaquim Castelo Branco Carvalho, da Embrapa Biotecnologia. Ou seja, a bacia do Alto Madeira domesticou plantas economicamente importantes, entre as quais a pupunha e a mandioca. O DNA da planta-mãe da mandioca, por exemplo, indica idade acima de dez mil anos, explica Carvalho.
“Temos que evitar a destruição não só do futuro dessa imensurável riqueza, mas também o seu passado” – opina o farmacêutico, bioquímico e especialista em georreferenciamento Joaquim Cunha da Silva.
De tudo, uma hipótese cada vez provável: povos antigos, quem sabe, os próprios Incas, afugentados pelos espanhóis no Peru e na Bolívia (que se chamava Alto Peru) tinham consciência da alta fertilidade dos solos de terra preta, que também foram usados em construções.
Restos de cerâmica encontrados na área de terra preta leva estudiosos à ancestralidade Inca. São peças de museu. |
Dez anos para se formar um centímetro
Pesquisadores do Museu Paraense Emílio Goeldi estimam que um centímetro de terra preta leve pelo menos dez anos para se formar, entretanto, não existem pesquisas que comprovem as datas de sua formação.
Em Caxiuanã, apenas um sítio arqueológico foi datado, estimando-se que tenha de 300 a 700 anos de existência. Há dúvidas também a respeito da formação dessa terra. Até meados do século passado, alguns estudiosos entendiam que ela teria se originado de eventos geológicos, cinzas vulcânicas, decomposição de rochas vulcânicas ou a partir de sedimentos depositados nos fundos de lagos extintos.
Outros acreditam ser provavelmente oriunda da decomposição de animais e outros materiais orgânicos existentes na região há centenas de anos. Ao ser carbonizado, esse material teria se unido e formado sítios de elevados teores de nutrientes, protegendo o solo da lixiviação, tão comum na região amazônica.
A terra preta estudada fica na Estância Quatro Corações (Granja do Tenente), de propriedade de José Pereira da Silva, o Tenente, e de sua mulher, dona Ivone. Também é encontrada no Km 4,5, sentido norte, da Linha 196. Trabalham atualmente nos levantamentos iniciais desse solo:
■ Adilson Andrade, professor de Ciências na Escola Pró-Campo, em Rolim de Moura. |
“Ela não salva coisa alguma”, adverte pesquisador
ROLIM DE MOURA – O professor Granha não conclama ninguém a salvar a terra preta. Seu conceito surpreende: “Ela não salva coisa; quem salva é o “conjunto de fatores dos fatos ecológicos”. Fundamentado em conceitos de sobrevivência do cientista James Lovelock, pesquisador aposentado da Nasa (*), ele critica “inverdades” ditas para considerar uma baixa produção de alimentos nos trópicos.
“Quando se compara ao menos a região temperada do planeta (Europa, EEUU, China e outras regiões) não pode ser considerado o argumento hipócrita de que os solos aqui existentes seriam ruins ou péssimos”, alerta.
Segundo Granha, os solos da região nunca poderiam ser considerados parâmetros de envergadura para motivos de comparação em termos de mantenedores da produção vegetal: “Erradamente se considera que as culturas agronômicas empregadas para Amazônia e até para outras regiões tropicais sejam o padrão único e merecedor de nossa credibilidade aos meios de determinação dos meios de produção”.
“Sem desmerecer as culturas agrícolas na Amazônia, em sua vasta presença de origem européia, o melhor parâmetro ou o único para comparar a produtividade em nível geográfico, continental senão, seria a utilização das próprias culturas daqui, a fim de que não fiquemos em desvantagem ponderada, ou comparativa”.
O atual ambiente amazônico resulta da ação humana. Árvores frutiferas ocupavam as imediações das aldeias, em áreas abertas pelo fogo |
Tudo sob influência indígena
O atual ambiente amazônico resulta da ação humana. Árvores frutíferas ocupavam as imediações das aldeias, em áreas abertas pelo fogo. Para Granha, os constituintes da matéria orgânica, tanto em quantidade como em qualidade, irão variar de acordo com o processo sucessional ou de colonização de vários organismos, preferencialmente os menores, e os microrganismos do solo responsáveis pela transformação–construção e deterioração da matéria.
Esse fenômeno ocorre com os indígenas, acumuladores de detritos considerados saudáveis ao desenvolvimento de espécies em sua maioria arbóreas-frutíferas. “São materiais nutricionais básicos assimilados pelas frutíferas, especialmente as palmeiras, que tornavam a voltar ao solo num ciclo intermitente saudado pelos fatores climáticos propícios explicados pela famosa lei de Van’t Hoff, estudada nas aulas do 2º grau e provavelmente esquecida por nós, assinala.
Wenceslau Teixeira, especialista em manejo do solo no Museu Goeldi, em Belém (PA), afirma ainda não existir estudo definido que determine a origem da terra preta, mas também concorda que sua existência decorre da participação direta das populações indígenas amazônicas.
(*) Nasa é a sigla em inglês de National Aeronautics and Space Administration (Administração Nacional do Espaço e da Aeronáutica), dos Estados Unidos.
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