Sábado, 26 de abril de 2014 - 00h01
Por William Haverly Martins
Sempre fui fascinado pelas águas, talvez por ter nascido no sertão da Bahia, onde a escassez das chuvas comanda a vida no anfiteatro nordestino, impulsionando a trajetória de muitos políticos que fazem da indústria da seca, cabedal de votos. O DNOCS (Departamento Nacional de Obras contra a Seca) que fora criado para acabar com a seca no Nordeste e evitar a emigração, cavando poços profundos, na maioria das vezes, perfurava apenas as fazendas dos coronéis, deputados, senadores e outros oportunistas da mesma espécie. Hoje se fala muito da Transposição do Rio São Francisco, já se vão quase oito anos e as obras continuam sangrando os cofres públicos, sem um mínimo de resultado prático, enquanto isto, as raposas políticas do Nordeste perduram na folha de pagamento das empreiteiras.
Ainda adolescente, fui estudar na capital e me lembro de como a visão do mar me extasiava, era como se eu fizesse parte daquele mundão de água, centelha evolutiva da vida: os olhos sentiam o azul do infinito, cobrando do vento o arrepio dos pelos do corpo; os ouvidos saboreavam o som das ondas, quebrando na praia; o banquete dos sentidos demorava horas, a gente nem se dava conta do tempo, ainda que apenas sentado desconfortavelmente numa ponta de pedra, de uma elevação de uma praia qualquer.
O destino, tão questionado pela elite cultural, mas aceito pela massa, como verdade verdadeira, talvez seja, dos questionamentos humanos, o que mais entusiasma os literatos, na contextura de uma história. De fato, acho que foi o destino que me trouxe a Porto Velho e, em aqui chegando, corri para os barrancos do Madeira, como que abraçando aquela fartura que outrora, pela falta, maltratara minha visão: nada mais triste do que assistir o caminhar de famílias retirantes, sem destino, como o espectro de um pesadelo – os que nunca viram podem encontrar nas páginas de O Quinze, Seara Vermelha, ou de Vidas Secas, um pouco do sentimento que queimou minhas retinas, interferindo no córtex cerebral da lembrança. É importante a leitura destes relatos literários baseados na verossimilhança, mas nada, nada mesmo, se compara o “ao vivo”, era como uma marcha de zumbis, enchendo meus olhos de lágrimas secas.
Pois bem, quando aqui cheguei, ouvi os arautos da história regional, propagando, aos quatro cantos da cidade, a epopeia da construção da EFMM, muitos historiadores a chamam de mãe de Porto Velho. Durante a comemoração do centenário de inauguração da ferrovia, chegou-se a se cogitar, merecidamente, é bom que se diga, em transformar o que restou da EFMM em Patrimônio da Humanidade.
Mas, todavia, entretanto, pouco, muito pouco, quase nada ouvi a respeito do nosso majestoso Madeirão, ao longo desses 40 anos, em que fiz de suas margens imponentes, meu local preferido de meditação, contemplação e lazer, a não ser quando ele esbravejava, se multiplicava e esparramava suas águas sobre o dito progresso, respondendo aos insultos, aos maus tratos da humanidade e à falta de cuidado com o meio ambiente. Recentemente ouvi reclamações pelos efeitos destruidores dos banzeiros artificiais, criados pelas comportas da usina hidrelétrica de Santo Antonio...
Todo bom estudante conhece a famosa frase de Heródoto, “o pai da História”: O Egito é uma dádiva do Nilo. O segundo maior rio do mundo em extensão, teve papel preponderante na formação cultural e histórica daquele povo, com respingos na evolução das civilizações oriental e ocidental. Seria redundante dizer que sem ele não haveria vida no deserto. Acho que poderíamos usar a paródia, para massagear a reflexão do povo desta cidade: Porto Velho é uma dádiva do Madeira!
O mais importante Patrimônio Histórico Natural de Rondônia precisa do reconhecimento e da valorização das nossas autoridades, dos nossos historiadores e dos nossos professores como um todo. Sem o Rio Madeira, sequer haveria EFMM. Antes da ferrovia, da rodovia, das aeronaves, era ele que transportava o povo e o progresso, cumprindo o seu papel integrador. Ainda hoje muita gente se desloca em seu dorso para inúmeras cidades da Região Norte, com a opção de se estender ao resto do mundo: a bacia Amazônica possui cerca de 30 mil km de rios navegáveis. Se falarmos apenas do transporte de mercadorias, poderemos enunciar que em termos de custo e de capacidade de carga, o transporte hidroviário é cerca de oito vezes mais barato que o rodoviário e três vezes menor que o ferroviário.
O Rio Madeira tem história, é uma referência cultural na formação da nossa sociedade, faz parte da biografia de muitas pessoas, na composição de memórias e perspectivas do presente e do futuro, e é matéria essencial na tessitura da nossa identidade. Que tal sairmos um pouco desse engessamento da história dita oficial, onde só se enxergam a EFMM, a Comissão Rondon e a BR 364, e contarmos um pouco, nas nossas escolas, a história oral dos nossos ribeirinhos inter-relacionada com os mitos, os segredos e as águas da bacia do nosso Madeirão?
Que tal despertarmos nos nossos estudantes a poética das águas e da floresta, na interação com a vida humana, saindo dessa globalização maluca e dessa ditadura solitária do eletrônico, enveredando pelo mundo dos sonhos viáveis, ou mesmo inalcançáveis, onde o efeito do belo na imaginação oxidaria os dedos da digitação de celulares e espicharia o olhar para a estética do outro, num verdadeiro êxtase de alteridade???
Detalhes biográficos: baiano de nascimento, mas rondoniense de paixão, cursou Direito na UFBA e licenciou-se em Letras pela UNIR, é professor, escritor e presidente da ACLER – Academia de Letras de Rondônia, onde ocupa a cadeira 31.
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