Terça-feira, 28 de setembro de 2010 - 11h28
Diariamente, como a maioria das pessoas que gasta algumas horas no computador, costumo visitar meu correio eletrônico. Além da correspondência trivial de parentes e amigos, há com frequência mensagens que contêm frases ou textos, eventualmente atribuídos (frequentemente apenas atribuídos) a algum escritor famoso ou até anônimo. Normalmente essas mensagens vêm ilustradas com belas imagens, música erudita etc. e propõem sempre ensinamentos sobre a vida e sobre a conduta mais adequada em situações adversas. No mínimo, isto é algo positivo. Aliás, é impressionante como certas coisas provocam na gente, sobretudo nos que já estão avançados nos anos, lembranças remotas. Isto me leva a suspeitar de que em minha alma viveMatusalém.
Claro que a linguagem dessas mensagens é outra, a forma de comunicação é outra, os temas costumam ser os que inquietam o homem contemporâneo, o século é outro. Mesmo assim, por mais absurdo que alguém possa considerar, essa interessante pedagogia filosófica, guardadas evidentemente as devidas proporções, me reporta ao tempo das fábulas. Quem com mais de quarenta anos não leu as fábulas de La Fontaine e de Esopo? Quem com mais de quarenta não se lembra de A Raposa e as Uvas, A Lebre e a Tartaruga, A Cigarra e a Formiga, O Ratinho da Cidade e o Ratinho do Campo, O Homem, o menino e o burro entre tantas outras? Talvez eu esteja sendo otimista, vamos lá, quem com mais de cinquenta não se deliciou com as velhas fábulas na infância?
É provável que o elo que minha memória encontre entre as duas formas de comunicação seja o propósito do ensinamento. A diferença é que as fábulas trazem claramente no final uma lição moral, algo que, uma vez lido e relido na infância, fica plantado no mais profundo de nosso ser e que, volta e meia, em determinadas circunstâncias, nos ocorre ao longo da vida. Enfim, a fábula era valioso instrumento de reprodução de valores do qual se utilizavam os antigos para a formação moral das crianças de outrora. Mas isso é outra história. As mensagens que normalmente circulam em endereços de amigos pela internet, atualmente, costumam trazer um discurso de autoajuda e, normalmente, cumprem seu papel, pelo menos em parte. Quem não precisar de uma mãozinha de vez em quando, no sentido de uma injeção de ânimo, que atire a primeira pedra.
Há algum tempo recebi uma mensagem eletrônica que me levou à reflexão; a mensagem versava sobre a vida de um pássaro; um pássaro que morava há anos em uma velha árvore morta e apodrecida, cujo tronco, quase totalmente submerso no meio de um pântano poluído, supria-lhe as necessidades essenciais: pequenos vermes e insetos que sobreviviam do tronco serviam-lhe de alimento; gotinhas de chuva ou de orvalho aplacavam-lhe a sede. Ali dormia e ali acordava. Nunca voara, pois não sabia como usar as asas, aliás, mesmo que soubesse isto se tornaria difícil, pois vivia com as penas desalinhadas em decorrência da lama do pântano. Acostumara-se, portanto, àquela vida no meio da sujeira e do odor fétido que emanava do charco.
Eis que um dia, ao entardecer, uma tempestade terrível abateu-se sobre o local. Em toda sua vida o pássaro jamais presenciara uma tormenta de tal porte. Quando cessou a forte chuva, a pobre ave, ensopada, percebeu que o nível do charco subira, e o tronco apodrecido que lhe servira de morada por tanto tempo seria tragado em segundos pela lama fétida.
A morte era iminente, não havia como livrar-se dela, e o infeliz pássaro já podia sentir a viscosidade do lodo apodrecido e toda sua fetidez adentrando-lhe garganta abaixo.
Em meio à situação desesperadora, uma ideia chega-lhe à mente, rápida como um lampejo: precisava voar! Alçar vôo, afastar-se dali seria a única alternativa à morte, e o pássaro, evidentemente, desejava viver.
Foi então que, numa tentativa desesperada, equilibrando-se na ponta do tronco que submergia, chacoalhou o corpo encharcado, abriu as asas desengonçadas, batendo-as e impulsionando-as com o fio de vigor que ainda lhe restava, lançando-se, assim, em vôo cego sobre a negritude do pântano. No início, achou que não conseguiria, pois voava tão baixo e tão devagar que podia sentir a lama pútrida tocar-lhe as penas. Porém, lentamente, o vôo tornou-se mais alto e menos lento, afastando o pássaro para longe dali.
Claro que a história tem um final feliz: o pássaro descobre um bosque próximo, local onde a natureza é intocada e verdejante, e passa a viver os seus dias entre flores, frutos e muitos outros pássaros das mais variadas espécies. Moral da história: às vezes, situações terríveis acontecem para que sua vida seja transformada para melhor; você só precisa ter coragem para enfrentar o momento, voar sobre o pântano, este é o discurso contido na mensagem.
Cá com meus botões, penso que a sequência é o inverso: na infância e na juventude, somos o pássaro vivendo no bosque verdejante; quando nos chegam os cabelos brancos, nos damos conta de que o bosque era apenas um cenário, aliás um frágil cenário a encobrir o real, e o real é o pântano e sua lama pútrida. Passamos então a vida tentando permanecer no cenário de flores, borboletas, árvores e canto de passarinhos, mas a certeza da existência do pântano nos atormenta; cedo ou tarde, teremos que nos lançar em vôo cego e rasante sobre a lama humana. Detalhe importante: não temos asas.
Por isso prefiro as lições descomplicadas das fábulas, elas eternizam o bosque florido...
Fonte: Sandra Castiel
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