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RONDON: ALÉM DA LINHA TELEGRÁFICA - LÍNGUA DO MARIANO


RONDON: ALÉM DA LINHA TELEGRÁFICA - LÍNGUA DO MARIANO  - Gente de Opinião
EMANUEL PONTES PINTO


SEMINÁRIO REALIZADO PELA ACADEMIA DE LETRAS de RONDÔNIA E  DEPARTAMENTO  DE  HISTÓRIA  DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA, PARA homenagear a memória do MARECHAL  CÂNDIDO MARIANO DA SILVA RONDON, no transcurso dos 145  ANOS  DE  seu NASCIMENTO

PORTO VELHO –RONDÕNIA

04 DE MAIO DE 2010

 
 

PRANTO GERAL DOS ÍNDIOS

                                                                                                         

 Eras dos nossos voltando à origem      
    
e trazias na mão o fio que fala       
                 
e o foste estendendo               
                                 

até o maior segreda da mata

 
 

A piranha a cobra

a queixada a maleita

não te travavam o passo                                       

militar e suave

 

Carlos Drummond de Andrade

 
 

*****

   

“Que  nossos  valores  espirituais, nossas

matas e águas sejam considerados como necessário para nossa vida. Nossa vida é nossa terra”.

                                                                                    

                                                                     Dra. Joênia de Carvalho

                                                 India Wapichana - Roraima

 

 

******

 

 

INTRODUÇÃO

Há 25 anos durante o Ciclo de Palestras realizadas nesta cidade para comemorar o transcurso dos 120 anos de nascimento de Cândido Mariano da Silva Rondon, fui um dos conferencistas indicados pelos organizadores do evento para falar sobre as suas realizações nesta terra que orgulhosamente ostenta o seu nome.

Cursava a terceira série do curso de História, na nossa UNIR, e nutria grande admiração pelos méritos desse soldado, geógrafo,  indígenista, apóstolo da paz e, reconhecidamente, o maior explorador de regiões tropicais do seu tempo.

Neste quarto de século, fisicamente ausente deste terrão, mas com minhas lembranças permanentemente voltadas para ele, aqui me encontro a convite da Academia de Letras do Estado de Rondônia, para, mais uma vez, dissertar  sobre os feitos extraordinários desse nosso patrício de origem indígena - pois seus bisavós maternos pertenciam ao grupo étnico Bororo e Terena e sua bisavo paterna era Guaná -, nascido em 1865, no sertão de Mimoso, município de Santo Antônio de Leverger, em Mato Grosso.

Ao resolver seguir a carreira militar, Rondon, com 16 anos de idade, ao terminar com distinção o curso da Escola Normal no Liceu Cuiabano, assentou praça como voluntário no 3º Regimento de Artilharia a Cavalo de Cuiabá. Dois anos depois conseguiu ingressar na Escola Militar da Praia Vermelha, no Rio de Janeiro, onde, influenciado por seus superiores, participou dos movimentos abolicionista e republicano, tornando-se, também,  adepto do positivismo.  

Forjou, ali, o seu caráter e os atributos para tornar-se um militar carismático, disciplinad o, decidido, perseverante, ousado, justiceiro, enérgico, humilde, fiel aos princípios positivistas que o fizeram planear o seu próprio credo:

 
 

Eu Creio:

Que o homem e o mundo são governados por leis naturais.

Que a Ciência integrou o homem ao Universo, alargando a unidade constituída pela mulher, criando, assim, modesta e sublime: simpatia para com todos os seres de quem, como povorello, se sente irmão.

Que a Ciência, estabelecendo a inateidade (sentimento nato) do amor, como a do egoísmo, deu ao homem a posse de si mesmo. E os meios de se transformar e de se aperfeiçoar.

Que a Ciência, a Arte e a Indústria hão de transformar a Terra em Paraíso, para todos os homens, sem distinção de raças, crenças, nações, banido os espectros da guerra, da miséria, da moléstia

Que ao lado das forças egoístas – a serem reduzidas a meios de conservar o indíviduo e a espécie - - existem no coração do homem: tesouros de amor que a vida em sociedade sublimará cada vez mais. Nas leis da Sociologia, fundada por Augusto Comte, e por que a missão dos intelectuais é, sobretudo, o preparo das massas humanas desfavorecidas, para que se elevem, para que se possam incorporar à Sociedade.

Que, sendo incompatíveis às vezes os interesses da Ordem com os do Progresso, cumpre tudo ser resolvido à luz do Amor.

Que a ordem material deve ser mantida, sobretudo, por causa das mulheres, a melhor parte de todas as pátrias e das crianças, as pátrias do futuro.

Que no estado de ansiedade atual, a solução é deixando o pensamento livre como a respiração, promever a Lei Religiosa: convergindo todos para o Amor, o Bem comum, postas de lado as divergências que ficarão em cada um como questão de foro íntimo, sem perturbar a esplêndida unidade – que é a verdadeira felicidade.

                     

O advento republicano no Brasil, nos fins do século XIX, fez surgir novos debates e contestações contra o colonianismo, escravidão e  imperialismo, levando as nossas elites a criar políticas nacionalistas para evitar que interesses externos passassem a tratar desses problemas, especialmente os do indianismo, à margem da soberania brasileira.

Surgiu, então, na hiléia, entre os apóstolos da integração dos povos excluídos da unidade nacional, um jovem militar que seria, também, no primeiro meado da próxima centúria, o porta-voz de sua grei, por achar que gente como os ameríndios foram os instrumentos de quanto aqui se praticou de útil e grandioso e passaram a ser base de nossas coisas e do nosso caráter nacional. Rondon explicava sempre que Gonçalves Dias - poeta e cientista -, havia sintetizado o singular “papel do índio em nossa evolução e na História do Brasil, não propriamente pela ação de sua individualidade pura, mas pelo conjunto de qualidades com que entrou para caldeação do povo que aqui se veio formando e praticou as coisas todas que deram em resultado ser o Brasil o que é”. Reconhecia que Portugal, pobre de gente e de recursos no século XVI, não poderia, por si só, conquistar o fundamento da nacionalidade que aqui surgiu, pois, do ponto de vista étnico, foi à intensa mestiçagem com aborígenes, da qual resulta o mameluco predominante - onde eu me incluo com os meus -, na arrancada que proporcionou o assombroso êxito das bandeiras.

Dizia que os índios forneceram aos portugueses não só os elementos militares indispensáveis à conquista e posse da terra, como as bases econômicas de sua manutenção, pois sem o seu trabalho, sem o seu conhecimento das culturas locais indispensáveis (mandioca, milho e frutas silvestres, ect., e dos processos a elas adequados, inclusive o modo de caçar e pescar), os advenas nada poderiam ter feito.

Assinalou, também, que o bem mais importante que tudo isso tinha sido para a formação do Brasil, foi o bem da contribuição racial e social do povo brasiliano, que se iniciou com o nascimento do primeiro mameluco. Foi e é, pelo contingente de resistência, bravura, generosidade e pundonor trazido pelo índio à formação do nosso povo e por isso o consideramos precioso, tanto no passado, como ainda no presente.

E eu agora, aqui, não tenho razão de contestá-lo, pois meus ancestrais marupiaras e igaraúnas tinham os dedos e as mãos calejadas pelo traquejo constantes do arco, da flecha, do arpão, do jacumã e de outros meios essenciais para sobreviverem.     

Os problemas sociais, econômicos, políticos e ecológicos da Amazônia começaram a ser mais conhecidas, desde então, com as esclarecedoras revelações de Rondon sobre a sua invulgar natureza e a partir do momento que os seus patrióticos propósitos de integração passaram a ser equacionados de modo objetivo, prático, coerente e pacífico.

Os seus benéficos descobrimentos foram conseguidos com ousadia, decisão, planejamento, persistência e a desconstrução de vários mitos ligados aos bens da terra, desfeitos ou efetivados pelo dom da serendipidade que lhe era inerente.   

Os oito segmentos desta palestra - Língua do Mariano, Revolta da Chibata, Minas de Urucumacuan, Expedição Roosevelt-Rondon, Rondônia, Prêmio Nobel da Paz, Vingança do Tenentismo e Missionário da Paz -, referenciam vários fatos ligados às trajetórias de Rondon no cumprimento da missão de integrar o ameríndio ao seio da sociedade brasileira; de transformar os ínvios sertões onde eles viviam em meio geográfico; de retirar das sombras do esquecimento os problemas dos marginalizados; de  participar nas comissões diplomáticas como pacificador; de racionalizar as suas decisões durante as fases de devassamento, conquista e domínio político das paragens desconhecidas de seu país.

 

LÍNGUA DO MARIANO 

Ao eclodir a guerra da Tríplice Aliança (Brasil, Argentina e Uruguai) contra o Paraguai (1864-1870), houve a imediata invasão da Província de Mato Grosso pelas forças terrestres e fluviais de Solano Lopes, com a ocupação das localidades de Dourados, Nioac, Miranda, Coxim, Coimbra, Albuquerque e Corumbá, deixando o comando geral das forças brasileiras, na fase inicial do conflito, sem o conhecimento de sua extensão devido às precárias comunicações entre aquela região e as outras do país.

Após o susto, com a falha estratégica corrigida, foi intensificada a conclusão da linha telegráfica entre o Rio de Janeiro e Porto Alegre, inaugurada, afinal, em 1865, pois fora iniciada há 10 anos antes com a nomeação, pelo imperador D. Pedro II, do capitão Guilherme Schurch para o cargo de Diretor do Serviço Telegráfico Nacional que, em seguida, formou uma equipe de engenheiros e técnicos brasileiros e alemães, destinada a planejar e construir linhas telegráficas entre o sul e o oeste, interligadas, posteriormente, as de leste e norte.1

A cidade de Belém, portal da Amazônia, com a proclamação da República, já estava unida às várias unidades nacionais litorâneas, com cerca de 11.000 quilômetros de linhas telegráficas assentadas, mas, por permanecer à região ocidental brasileira ainda parcialmente isolada do sistema telegráfico em uso, decidiu o governo federal completar o circuito criando a Comissão de Construção de Linhas Telegráficas e Rodovias do Estado de Mato Grosso, sob a chefia do major Antônio Ernesto Gomes Carneiro.

Após a sua investidura, Gomes Carneiro convidou para servir naquela Comissão, como Ajudante, o alferes Cândido Mariano da Silva Rondon, por  conhecer a cultura e a língua de seus ancestrais, levando-o de retorno ao sertão onde nasceu.

A primeira obra projetada seria a linha telegráfica paralela à estrada de rodagem entre Cuiabá e Registro, nas margens do rio Araguaia, atravessando os territórios de diversas tribos indígenas, inclusive a dos arredios borôros.

A constante disposição de Rondon, em estimular fraternalmente os nativos a colaborarem naquele empreendimento, fez inúmeros deles se inscreverem na Comissão Gomes Carneiro como mão-de-obra efetiva, recebendo o mesmo salário dos demais trabalhadores, em dinheiro, ferramentas, ou objetos úteis às suas tribos.

A sua promoção ao posto de 2º tenente em 4 de janeiro de 1890. Decorridos apenas três dias (7 de janeiro de 1890) no mesmo ato em que o general Manuel Deodoro da Fonseca foi promovido a Generalíssimo e o coronel Benjamim Constant Botelho de Magalhães a General, o 2º tenente Candido Mariano da Silva Rondon é promovido por merecimento a 1º tenente de Estado Maior. Depois, foi nomeado professor substituto da cadeira de astronomia e mecânica da Escola Militar onde estudou, mas, por solicitação do coronel Gomes Carneiro, só assumiu essa função em 1891.

No fim do ano seguinte,  Rondon solicitou dispensa desse cargo por ter sido nomeado Chefe do Distrito Telegráfico de Mato Grosso e promovido ao posto de capitão do Corpo de Engenheiros Militares do Exército, atuando, pessoalmente, na construção da estrada de rodagem e da linha telegráfica entre Cuiabá-Araguaia até 1897, ao ser designado auxiliar-técnico da Intendência de Guerra sediada no Rio de Janeiro. 2

Nessa época, já estavam em curso na Itália e na Inglaterra, as operações com a telegrafia sem fio, com a comprovação de que este sistema de comunicação não estaria limitado a curtas distâncias por causa da curvatura da terra. O físico italiano Guglielmo Marconi, em 1896, transmitiu e recebeu mensagens entre locais situados a centenas de milhas e, no ano seguinte, a sua descoberta foi patenteada na Inglaterra. 

Alheio a este fato, o governo federal, em 1900, determinou o retorno de Rondon a sua terra natal, nomeando-o chefe da Comissão de Linhas Telegráficas de Mato-Grosso, com notável desempenho na construção dos ramais ligando ao sistema nacional às estações de Corumbá, Aquidauana, Forte de Coimbra, Nioac, Miranda, Porto Murtinho e Bela Vista, onde nelas implantava também núcleos de colonização. Porém, entre os seus planos, tencionava estender outros conjuntos similares, ligando a Capital Federal às extensas fronteiras com o Paraguai e à Bolívia, situando-os nas malhas de uma grande rede telegráfica e de colonização, para permitir constante intercâmbio com aquelas paragens e, desse modo, sobre elas exercer contínua e proveitosa vigilância. 3

Os planos para integração daqueles ermos foram ampliados pelo governo federal, com a criação de outra unidade militar na Amazônia Ocidental, incumbida não só de efetuar a interligação do tráfego telegráfico, como, também, construir estradas e núcleos de assentamentos dos colonos nas fronteiras com a Bolívia, Peru e Colômbia, para incrementar o extrativismo vegetal, a agricultura de subsistência e pecuária, naquele extenso e desabitado espaço geográfico. Rondon foi confirmado na execução dessa tarefa, por ser reconhecido, na época, como um dos engenheiros militares com mais experiência na implantação de projetos dessa natureza, pois além das que já exercia, recebeu, também, a incumbência de efetuar levantamentos geográficos, botânicos, zoológicos, geológicos, etnológicos e antropológicos, nos territórios onde atuasse, podendo, ainda, solicitar a designação de militares e a contratar os técnicos e cientistas civis que necessitasse.4

O plano inicial de operações previa dividir a Comissão Construtora em quatro seções: a primeira construiria a linha telegráfica entre Cáceres e Vila Bela; a segunda, o difícil trecho entre Cuiabá, Santo Antônio do Rio Madeira, Guajará-mirim e Rio Branco; a terceira efetuaria o reconhecimento no sertão e estudos do traçado da linha tronco; a quarta faria a medição do ramal ligando a Serra do Aguapeí à fronteira com a Bolívia.

Rondon, além do comando geral da Comissão Construtora acumulou, ainda, a chefia da terceira seção, cujo destacamento precursor saiu da Vila de Brotas, nas proximidades de Cuiabá, em agosto de 1907, no rumo das cabeceiras do rio Juruena ou Anauiná. A marcha para atravessar o Planalto dos Parecis, iniciou em setembro, aproximando-se, daí em diante, das áreas onde habitavam os Parecis, Nhambiquaras, Caxinitis, Uaimarés, Kokosu,  Parnauat, Tagnanis, Ker-kiri-uat, e outros grupos nativos, sem ser repelido, pelo temor que impunha o seu numeroso destacamento, porém, com sinais de paz, anunciava com antecipação a passagem das turmas de exploração.

Todos os militares e civis integrados à Comissão, receberam ordens para não revidarem as possíveis agressões dos ameríndios, mantendo-se fiéis ao lema da Comissão: Morrer se preciso for; matar nunca.  Embora a missão que vinham executando fosse pacífica, para os povos nativos eles eram considerados invasores de seus territórios.

O esperado revide dos silvícolas à vanguarda dos exploradores não demorou. Ao acampar nas margens do rio Juruena, no dia 20 de outubro, com um acervo de 619 quilômetros de reconhecimentos das áreas onde deveria passar a linha telegráfica, uma patrulha composta por Rondon e três mateiros sofreu violento ataque dos Nhambiquaras. A ponta de uma flecha passou de raspão pelo seu rosto e outra, ervada, ficou cravada num furo da bandoleira de couro da sua carabina. O mateiro Domingos foi atingido levemente com duas flechadas. Frente a frente com os agressores, Rondon disparou dois tiros para o ar, pondo-os em fuga.5

À animosidade dos nativos obrigou-o a ordenar o recuo do destacamento para o vilarejo de Diamantino. Os planos de reconhecimento dessa primeira etapa já estavam praticamente concluídos e, a época das chuvas intensas aconselhava tomar essa decisão, para evitar outros confrontos.6  

A projeção de Rondon como responsável por essas e outras determinações humanitárias, incomuns naquele deserto, criou um halo em torno de seu nome e a Comissão Construtora que chefiava passou a ser denominada “Comissão Rondon” e a linha telegráfica apontada pelos indígenas da Serra do Norte como língua do Mariano.

As explorações só foram reiniciadas em 2 de junho de 1909, começando no Departamento Central instalado nas margens do rio Juruena e seguindo na  direção das escarpas orientais da Serra do Norte, encontradas a 29 de julho, com o destacamento precursor acampando nas nascentes de um rio denominado Comemoração de Floriano. O esplendor do lugar entusiasmou Rondon e por isto decidiu instalar ali a base das operações da Comissão, por ter à frente, após o trecho de florestas, um extenso panorama de campos com gramíneas forrageiras. Adiante foram identificados os rios denominados Piroculuina, Comemoração de Floriano e o Rio da Dúvida, descendo o vale do rio Ji-Paraná. 

Baseado nos levantamentos geográficos que tinha em mãos, Rondon concluíra que ali acabava o planalto dos Parecis e começava a floresta amazônica, pois - tocado pelo dom da serendipidade - passara a perceber nos taludes da chapada, onde as águas brotam e correm sobre camadas de areia grossa, que estava atravessando uma área contendo minerais preciosos. E isto foi confirmado quando ele atravessou, no dia 21 de setembro, um igarapé denominado Cacimba de Pedra, com as margens contendo rochas gresosas intercaladas de camadas de cascalho aurífero coloidal.

Outro lugar com a mesma formação foi identificado nas margens do rio que denominou Barão de Melgaço, levando-o a crer que ali poderiam situar-se as “(...) celebradas minas de Urucumacuan, de cujo sítio se perdeu completamente a tradição (...)”.7  

As constantes chuvas estavam tornando cada vez mais lentas e difíceis as explorações. Mesmo assim, a 11 de outubro, Rondon alcançou a margem de outro afluente caudaloso distante 354 quilômetros da estação do rio Juruena, que recebeu a denominação de Pimenta Bueno.8

As prospecções continuaram através de um vale até esbarrar nas faldas da serrania dos Parecis, onde brotam os formadores dos rios Urupá e Jaru, afluentes do rio Ji-Paraná. Adiante, cerca de cinco dias de marcha, outro rio foi identificado e um casal de seringueiros informou ser o rio Pardo, afluente do rio Canaã, tributário do rio Jamari.  

Dali os levantamentos passaram a ser efetuados por via fluvial, através de corredeiras e cachoeiras até a foz do rio Madeira e, subindo pelo seu curso, Rondon aportou a 31 de dezembro de 1909, na vila de Santo Antônio.

Surpreso com a precária situação sanitária daquele lugar, Rondon relatou não guardar nenhuma lembrança de outra povoação com aspecto tão feio e tristonho, constituída de aventureiros vindos de todas as partes do mundo para construir a ferrovia Madeira-Mamoré, muitos deles viciados e alcoólatras, querendo erigir, como padrão de glória, o desprezo pela higiene e asseio.9

Durante a sua permanência em Santo Antônio, Rondon planejou o início dos trabalhos da Seção-Norte da Comissão, delimitando a sua zona de atuação desde as margens do rio Madeira até ao rio Jarú, seguindo o paralelo 8º 48’, que deveria separar os territórios dos estados de Mato-Grosso e do Amazonas. Entretanto, apesar de todas as precauções tomadas para se preservar das endemias que ali grassavam, foi acometido de contínuos acessos de malária e como o seu estado de saúde se agravasse, resolveu viajar com destino ao Rio de Janeiro, onde estava a sua família.

Aproveitando a presença de Rondon na Capital Federal, o Ministro Rodolfo de Miranda, da Pasta da Agricultura, dirigiu-lhe o convite para chefiar o Serviço de Proteção aos Índios. Ao agradecer, condicionou que aceitaria o encargo se lhe fossem proporcionadas condições de estabelecer novas normas à catequização aos ameríndios, prevendo a incorporação deles à sociedade pela gradativa assimilação de “(...) nossos hábitos, originados por crenças religiosas, no sentido positivo destes termos (...)”. Adiantou, porém, ser este assunto um problema inabordável, naquele momento, quando tantas crenças se repartem na preferência da população brasileira, mas tinha de assim ser feito por estar convencido de que os nossos nativos deveriam ser integrados à civilização ocidental sem que se tente forçá-los a passar pelo teologismo. 10

Ao responder, o Ministro Rodolfo de Miranda referiu que, fundamentado nos termos revelados, exprimindo exato conhecimento do assunto, concordava, sem discrepância, com as medidas sugeridas, todas elas conducentes a proteger o indígena, sem o constranger a aceitar os nossos hábitos e nossa religião.

As normas sugeridas por Rondon, para o aproveito sociológico dos indígenas, estavam assim fundamentadas e passaram depois a constar no Regulamentos do Serviço de Proteção aos Índios:

  • Não afastar o índios de seu habitat, pois são conhecemos o efeito desastroso desse afastamento.
  • Não forçá-lo a trabalhos e respeitar a sua organização tribal.
  • Criar-lhe, pelo exemplo e pelo fornecimento de cousas úteis, novas necessidades.
  • Induzí-lo, por meios suasórios, aos trabalhos do seu agrado e que forneçam recursos para compra de artigos correspondentes às suas novas necessidades.
  • Revelar-lhe, pelo ensino livre e adequado, novos horizontes de vida, selecionando os mais capazes para guias de seu povo.
  • Ter em vista, quanto aos trabalhos, o regime gregário de atividades indígena não só na execução, mas, sobretudo, na distribuição dos produtos, o que impedirá toda tentativa de loteamento.   

Como proceder para não cometer os erros já conhecidos relacionados as terras ocupadas pelos indígenas:::

a – Demarcar,  de acordo com o artigo 154 da Constituição Federal, as terras que os índios têm como suas.

b – Destiná-las a seus trabalhos nas condições dos incisos enumerados; eles irão naturalmente aumentando na proporção dos ensinamentos, dos auxílios em ferramentas e das necessidades crescentes dos índios: roupas, armas, enfeites e vestidos para as mulheres, etc..

c – facultar-lhes as trocas, de começo mesmo com prejuízo nosso, tendendo depois cada vez mais para o comércio comum mas fiscalizado, para evitar o álcool e as fraudes dos civilizados;

d – Se na terra do índio houver campos de criação então o problema estará pela organização da sua pecuária, por metade resolvido, pois a pecuária é uma atividade civilisada a que o selvícola se adapta sem dificuldade. É magnífica transição para as demais atividades da civilização.     

- Só assi, e aos poucos, os índios virão a nós.

Os centros agrícolas deverão ser fundados, nas terras que não pertençam aos índios, para os trabalhadores nacionais que pelo sertão andam abandonados. Aí poderão ser recebidos os índios já emancipados e de atividade individualizada, que o desejarem.

 E dentro de cada reserva de tribos, à proporção que os índios se forem individualisando, poderá ser separada, para uso exclusivo de cada família, gleba correspondente a um sítio, mantendo-se porém, enquanto o restante permanecer em tribo, as restrições do dispositivo constitucional. 11      

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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