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RONDON: ALÉM DA LINHA TELEGRÁFICA - REVOLTA DA CHIBATA


RONDON: ALÉM DA LINHA TELEGRÁFICA -  REVOLTA DA CHIBATA - Gente de Opinião
EMANUEL PONTES PINTO

Os serviços nas diversas áreas de trabalho da Seção Norte da Comissão Rondon foram paralisados, nessa fase, porque os seus oficiais, soldados e trabalhadores avulsos retornaram ao arraial “Henrique Dias”, para aguardar o desembarque no porto da vila de Santo Antônio, de uma embarcação conduzindo um grande número de ex-marinheiros deportados do Rio de Janeiro e engajados naquela guarnição militar. 12

No dia 5 de março de 1911, o navio cargueiro Satélite aportou no trapiche daquele povoado, conduzindo cerca de 200 marujos degredados para aqueles confins, por terem participado da insurreição conhecida como “A Revolta da Chibata”, ocorrida na Capital Federal em 23 de novembro do ano anterior.

Os amotinados protestavam contra o castigo de 50 chibatadas impostas pelo comandante do encouraçado São Paulo, capitão de mar-e-guerra Batista das Neves, em um marinheiro negro, acusado de tentativa de homicídio.13

O levante foi inspirado pelo marinheiro de primeira classe Francisco Dias Martins, mas o comando da rebelião passou a ser exercido pelo cabo-timoneiro João Cândido que, apoiado pela guarnição subalterna da belonave, matou o seu comandante Batista das Neves e os capitães-tenentes Sales de Carvalho e Mário Alves de Souza e, os insurretos do encouraçado Minas Gerais, assassinaram os capitães de corveta Lahmayer e José Cláudio da Silva Junior, conseguindo, depois, a adesão das tripulações inferiores da maioria dos navios da esquadra ancorados na baía da Guanabara.14

Ao amanhecer do dia seguinte (24), os habitantes do Rio de Janeiro foram despertados pelos estrondos dos tiros de canhões dos navios São Paulo, Minas Gerais e Bahia e, em seguida, o comandante em chefe, cabo João Cândido, enviou um ultimato ao presidente Hermes da Fonseca, nos seguintes termos:

“Não queremos volta da chibata. Isso pedimos presidente da república e ministro da marinha. Queremos resposta já e já. Caso não tenhamos bombardearemos cidade e navios que não se revoltarem”.15

Ao ter conhecimento da fato, a Câmara dos Deputados aceitou o pedido e designou o deputado José Carlos de Carvalho (oficial de marinha), para representá-la junto aos revoltosos que, na sua primeira manifestação, citou que as costas do marinheiro chicoteado “(...) assemelhavam-se a uma tainha lanhada para ser salgada”.16Às pressas, os políticos votaram uma anistia condicional. Os amotinados seriam perdoados, quando se submetessem às autoridades constituídas. Porém, o governo não acolheu estas condições e determinou a prisão dos responsáveis pela revolta. 

O descumprimento da anistia e dos demais termos do acordo entre os governantes e sublevados, com a prisão de João Cândido, fez ressurgir outro motim no couraçado Rio Grande do Sul, com a morte do capitão-tenente Carneiro da Cunha. Um batalhão naval da ilha das Cobras, também se levantou em armas, mas o governo conseguiu reprimir novas ações e prendeu os revoltosos.

O presidente Hermes da Fonseca decretou o estado de sítio, por trinta dias, no Distrito Federal e na cidade do Rio de Janeiro, aprovado pela Câmara dos Deputados, ainda com o sibilar sobre os “(...) telhados da Cadeia Velha dos projéteis de artilharia contra a ilha das Cobras, que cruzavam com os tiros dos revoltosos”. 17

Sufocada a intentona alguns ex-marinheiros foram recolhidos às masmorras da ilha das Cobras e outros deportados para a vila de Santo Antonio do Rio Madeira, nos limites entre os Estados do Amazonas e Mato Grosso, onde a Comissão Rondon havia instalado a Seção Norte da Linha Telegráfica. O navio Satélite, do Lóide Brasileiro foi requisitado para transportar os insurretos, numa viagem sinistra comparada à travessia do Oceano Atlântico pelos tumbeiros, que vinham da África carregados de escravos.

As Delegacias de Polícia do Rio de Janeiro, aproveitando aquela rara oportunidade, retiraram de suas prisões os magotes de mendigos, vagabundos, desordeiros, prostitutas e ladrões, incluindo-os no rol de “(...) indivíduos que a eles (aos revoltosos) já se achavam ligados por naturais e perversos instintos”, para ficarem a disposição das autoridades policias de Santo Antônio. 18

Oito insurretos foram fuzilados durante a viagem. O nono, agrilhoado, atirou-se ao mar morrendo por afogamento e pelos tiros que lhe foram desferidos do navio pela guarnição militar.  19

Os discursos de Rui Barbosa e Barbosa Lima, os protestos de Teixeira Mendes - representando o Apostolado Positivista - e a delação do auditor da Marinha, João Pessoa Cavalcante de Albuquerque, apontaram depois o capitão-de-fragata Marques da Rocha, como responsável pela morte de dezesseis revoltosos recolhidos às solitárias da ilha das Cobras, cujos cadáveres foram encontrados a 26 de dezembro, vindo a falecer outros dois, em seguida:

“(...) atestando o médico do corpo como causa mortis para os dezesseis, a insolação, e para os dois últimos, o beribéri, agravado pelo castigo em célula e atribuindo a acidente à falta de cubagem das prisões e a passagem e renovação do ar, deu origem à elevação da temperatura e trouxe como conseqüência a morte dos reclusos, organicamente menos resistentes”.20

A formal denúncia indicou, depois, que as vítimas tinham sido sufocadas a cal e martirizadas a ácido fênico, para serem enterradas às escondidas num cemitério da cidade. 21

O tenente Lobato Filho, então comandante da Seção Norte, recebera de Rondon a comunicação da chegada dos rebelados a Santo Antônio, enfatizando serem, todos eles, robustos, resistentes e, para permanecerem prestando serviços à Comissão, deveriam ser tratados com generosidade.22

Somente os ex-marinheiros ficaram engajados à Comissão Rondon e não se tem notícia do destino dos demais desterrados. Embora tenha sido grande o empenho para atender aquela recomendação, foi impossível estabelecer com eles bom relacionamento, pois se mantiveram arredios e até iniciaram um motim, tentando assaltar o depósito de armamentos e munições, o que custou à vida do seu chefe.23

As deserções e falecimentos fizeram desaparecer do acampamento a maioria deles. Em meados de março, ao amortecer a reação que ofereciam esses “homens permanentemente rebeldes”, alguns, ainda, ali estavam e foram de grande utilidade nos trabalhos do contingente, pois se revelaram pessoas hábeis, trabalhadoras e disciplinadas.24

Não se entende, porém, ao analisar esse fato, as circunstâncias do desaparecimento do acampamento “Henrique Dias” de tanta gente em tão poucos dias. Se os ex-marujos revoltosos sobreviveram durante meses aos sofrimentos nos porões do Satélite, parecem equivocadas as explicações de como tantos deles morreram ali, num período de uma quinzena ou menos. Mesmo sendo aquela área insalubre, onde a malária, dearréia, polinevrite, avitaminose, eram enfermidades de difícil tratamento, a justificativa suscita dúvidas pela referência do breve tempo decorrido para o sumiço ou morte da maioria dos desterrados.

Cessada a agitação causada pelo engajamento à Comissão Rondon dos ex-marujos, as atividades da Seção Norte recomeçaram com a abertura do picadão e do assentamento da linha telegráfica entre Santo Antônio e os rios Candeias e Jamarí.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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