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Abnael Machado

A importância do seringal na formação cultural da sociedade amazônica - 3


 

O SERINGAL

O seringal a unidade física de produção de borracha compreendida uma extensa área do espaço geográfico, quase sempre situado num vale de rio abundante em seringueiras, cuja posse inicial era definida pela ocupação estratégica de sua foz por um pioneiro, estendendo seu direito de posse ao longo do seu curso na direção da nascente desse rio, bem como sobre as de seus afluentes.

Compõe-se o seringal, do barracão central (sede da administração), do armazém, dos depósitos, das casas dos empregados administrativos e de apoio, das colocações (barracas dos seringueiros) em suas respectivas estradas de seringueiras, dispersas pela floresta. Integram-se indiretamente à estrutura do seringal as casas aviadoras, localizadas em Manaus ou Belém responsáveis por seu abastecimento, transporte e armazenamento de borracha, por sua comercialização e exportação para Europa e América do Norte.

Os personagens típicos surgidos dos afazeres para produção da borracha e dos serviços paralelos por estes originados, são os seguintes:

O patrão (seringalista), geralmente nordestino, não é um improvisado ou alguém que ocupe esta posição por haver herdado por força de suas origens ou fortuna, muito pelo contrário, inicialmente foi um explorador da floresta, que se impôs pela posse de qualidades pessoais necessárias à vitória.

É um homem forjado na lida com a selva, afeito ao gênero de vida rude imposta pela aventura diária que é obrigado a realizar em face a hostilidade das condições existenciais impostas pelo meio geográfico que o cerca. É um líder, um disciplinador por excelência, dinâmico e ambicioso, capaz de impor sua vontade aos seus liderados.

Sua posição hierárquica é decorrente ora por ser um desbravador, fundador de seringal, ora por ser um antigo seringueiro que se ascendeu entre os seus companheiros e conseguiu substituir o antigo patrão, que por transação comercial lhe passou os direitos de propriedade do seringal.

O patrão tem que se mostrar capaz de solucionar com competência os problemas com que se depara, assim como de manter a ordem desde o barracão às frentes de serviço nas colocações, para desenvolvimento eficiente das atividades diárias de modo a ser garantida a produtividade e mantida a confiança dos aviadores. Fará fazer prevalecer a sua autoridade muitas vezes, forçado pelas circunstâncias, recorre a violência, a atitude rude e até tirânica lhes exigidas à direção precisa, à ação pronta e enérgica, para o comando de homens dominados pelas agrúras e angústias do árduo trabalho e do isolamento na selva. É consciente de que o mando que exerce não permite hesitações e de qualquer indecisão ou fraqueza, pode levar a sua empresa ao caos, ao total desastre. Assim é, que não tem contemporização com aqueles que se indisciplinam ou se rebelam contra a ordem estabelecida, aplicando-lhe as correções de acordo com a gravidade do delito, variando da simples prisão, ao espancamento, a tortura no tronco exposto ao sol à chuva, aos insetos, sem direito a água e alimentação, até a pena de morte. Age sem freios a sua vontade é lei.

Esse condutor e disciplinador de homens, não frequentou escolas, não saiu de ambientes requintados, emergiu do meio agreste do sertão, forjado na luta contra a tirana natureza nordestina, vindo exercer sua ação em ambiente mais áspero e agressivo induzindo-o para a manutenção de sua autoridade e da própria sobrevivência, a prática desses meios e modos brutais, os quais não anulam no entanto, seus sentimentos de humanidade e de ser social, muitas vezes manifestados em atitudes de altruísmo, lealdade e benevolência.

O gerente do seringal, segunda pessoa na ordem hierárquica da empresa, cabe-lhe a ordenação dos serviços, inspecionar-lhe a execução e substituir o Patrão em sua em sua ausência. É como este, homem capaz como organizador e administrador, respeitado, corajoso, de decisões rápidas e preciosas.

O guarda livros responsável pela segurança da escrituração contábil pelo orçamento e controle da produção e economia do seringal. Baseado em seu trabalho é que são feitas as importações de mercadorias e seus fornecimentos para os seringueiros e a contratação de mais trabalhadores para a manutenção e expansão da produção.

Os caixeiros têm a seu encargo o controle dos depósitos de víveres e armazenagem de borracha, castanha, peles e couros de animais silvestres. O recebimento, conferência e pesagem (das pelas de borracha trazidas dos centros pelos comboeiros, o despacho de mercadorias para o abastecimento das colocações.

Os comboeiros são encarregados do transporte para as colocações semanalmente ou mensalmente, em comboios constituídos por caravanas de burros, as cargas de víveres e utensílios para abastecimento dos seringueiros e no retorno trazer a borracha, castanha, couros e peles de animais silvestres para os depósitos do seringal.

Os mateiros encarregados de procederem o reconhecimento e a exploração preliminares da floresta do espaço do seringal, localizar as áreas abundantes de seringueiras para a implantação das estradas e novas colocações.

Os toqueiros encarregados de complementarem a tarefa dos mateiros implantando as estradas de seringa.

Os pescadores e caçadores, responsáveis pelas tarefas sazonais de abastecimento com peixe e carne de animais silvestres, o barracão central.

Os canoeiros encarregados dos transportes via fluvial de mercadorias para abastecimento dos centros e destes a produção para o barracão central, bem como entre os seringais e os povoados e vilas.

Os capangas responsáveis pela segurança pessoal do patrão, dos servidores graduados e do seringal em geral.

Todas as citadas funções desempenhadas por pessoal contratado em condições de assalariados.

Os seringueiros são contratados pelo patrão (seringalista) por um período que variava de 02(dois) a 05 (cinco) anos, sob regime de produtor autônomo, sem vínculo empregatício com o contratante.

Pelo contrato se obrigava o seringalista a ceder uma colocação com as estradas de seringas, abastecê-la com os gêneros alimentícios e equipamentos necessários à produção de borracha.

E o seringueiro se obrigava a se submeter as regras administrativas e de conduta do seringal, comprometia-se a dedicar sua atividade diária exclusivamente à produção de borracha e vender a produção unicamente para o seringalista contratante.

Firmado o contrato entre o patrão (seringalista) e o contratado, agora seringueiro, o primeiro adiantava a este, uma quantia em dinheiro, financiava as passagens para o deslocamento a hospedagem a alimentação desde o local de origem até o seringal.

Ao chegar ao seringal recebia o mantimento, o rifle ou espingarda com a respectiva munição uma rede de dormir, um mosquiteiro, os utensílios de trabalho constando de uma machadinha para o corte na seringueira (posteriormente substituída por uma faca própria inventada para este fim), as tigelinhas para o recolhimento do látex em cada corte da seringueira, os baldes para recolher o látex nas estradas de seringa e transportar para defumar na colocação (barraca), uma bacia para colocar o látex no defumador, um lampião ou lamparina e uma poronga para o deslocamento noturno nas estradas de seringa, tanto estas mercadorias e utensílios, assim como o adiantamento em dinheiro e o custeio com passagem, hospedagem e alimentação na viagem para o seringal eram lançados na conta corrente come débito do seringueiro. O produto (borracha) por este entregue era escriturado como crédito a seu favor. Se o contratado fosse brabo; era inicialmente designado para morar alguns meses até  um   ano,   com  um   seringueiro veterano para com este ser iniciado no aprendizado de como lidar com a seringueira, com seu látex para formar as pelas de borracha e como sobreviver na floresta. Só após comprovar sua aptidão, lhe era dado, conforme o contrato, uma colocação para individualmente trabalhar.

No fim do ano era feita a prestação de contas, ao seringueiro que obtinha saldo era permitido viajar aos centros urbanos.

À mão-de-obra para trabalhar no seringal era recrutada principalmente nos Estados das regiões Nordeste e Norte. Os Nordestinos e os Amazônicos apesar das diferenças temperamentais, de concepção e filosofia de vida e de postura ante a natureza, não se desentenderam. Ao contrário, harmonizaram-se em perfeita comunhão, completando-se nas atividades cotidianas criadas pela exploração das gomas elásticas na empresa do seringal.

Os seringais eram mantidos pelas casas aviadoras com sedes em Manaus/AM e Belém/PA, que os abasteciam e financiavam seus proprietários, os patrões seringalistas, tendo como contrapartida a detenção do monopólio da produção da borracha, castanha e outros produtos silvestres do seringal, revendendo principalmente a borracha, aos consumidores europeus e norte-americanos, com grande margem de lucro.

Embora empírica a organização de produção e de comercialização da borracha, a sua produtividade aumentava de ano para ano, gerando uma imensa movimentação de capital e investimentos.

Um agente marginal ao sistema estrutural produtivo e comercial da borracha é o regatão. Este exercia uma forma de comercio ambulante e clandestino nos seringais, penetrando nos rios, igarapés e lagos nos quais estivessem assentados seringueiros, com seu barco verdadeiro bazar ambulante surtido do anzol aos tecidos e confecções, dos medicamentos aos enlatados alimentícios, das quinquilharias as armas e munições, das bebidas aos perfumes e gramofones, para com esses a preços extorsivos trocar suas mercadorias por borracha, couro e peles de animais e outros produtos silvestres. O seringueiro mesmo consciente de está sendo ludibriado e do risco até de perda de vida se descoberto pela gerência do seringal a infrigência cometida, efetuava a transação como uma válvula de escape para suas necessidades nem sempre supridas suficientemente pelo patrão, e até mesmo, como uma forma de vingar-se da exploração que vivia submetido pelo patrão (seringalista).

Seringalistas e aviadores exerciam tenaz perseguição ao regatão e ao comércio clandestino, armando-lhe tocaias nas quais muitos desses mascates pagaram com a vida a ousadia de desrespeitarem a lei da selva. Porém, mesmo assim, o regatão não deixava de atuar com seu comércio marginal nos seringais.

Fonte: Abnael Machado

 

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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