Domingo, 2 de maio de 2010 - 12h34
O SERINGUEIRO ANTE O ÍNDIO
No período mais intenso da exploração da borracha, com a conseqüente ocupação dos baixos e altos rios Tapajós, Purus, Jaruá, Madeira e sues afluentes em cujos vales ocorriam as maiores concentrações indígenas, os seus integrantes recusaram-se a tomar contato com os invasores, vendo-os como perturbadores da ordem, da segurança e tranqüilidade de seu habitat. Reagiram, os choques se sucederam revestidos de violências de parte a parte. Várias tribos desapareceram em conseqüência dos confrontos sangrentos ou reduziram-se drasticamente, vendo-se forçadas a emigrar abandonando os seus territórios.
O seringueiro via o índio como um inimigo traiçoeiro, perigoso, com o qual não havia motivo para ter contemporização.
O índio se manteve em oposição ao seringueiro em conseqüência do estado de animosidade, criado pela fricção que as partes atuantes não se interessaram em evitar.
Para defender suas tetras, e não serem escravizadas as nações indígenas recorreram à guerra, de resultado funesta para estas.
Seringueiros e índios, até nos dias atuais não se vêem com bons olhos, detestam-se.
ASPECTOS CULTURAIS
LINGUAGEM
Nas duas primeiras etapas de conquista e colonização da Amazônia que antecederam a exploração da borracha e a organização do seringal, a linguagem dominante era a língua geral indígena tupi-guarani e seus vários dialetos, causa de preocupação do governo colonial português. Na terceira etapa com a ocupação da região pelos contingentes nordestinos que não se interessaram em aprender os idiomas nativos e mantiveram-se em grupos isolados, a língua portuguesa passou a ganhar espaço tornando-se completamente dominante com a criação das primeiras escolas primárias. Porém esse português falado pelo nordestino e pelo caboclo amazônico era mestiçada pela introdução de vocábulos indígenas e pelos criados para designar as particularidades peculiares às atividades do seringal.
Sendo criada e mantida pelo uso, uma linguagem amazônica apropriada aos afazeres e as singelezas locais.
FOLCLORE
No seringal ora é de origem indígena, fruto acentuado da influência dos primitivos habitantes da própria Amazônia, ora é de importação da região Nordeste adaptado ao universo amazônico. Os seringueiros nordestinos não esqueceram as estórias que ouviram desde o berço na sua tetra natal. Porém habituaram-se as que lhes contavam os caboclos amazonense, nelas acreditando, incorporando-as ao seu estoque cultural. Acreditavam histórias de Curupira, Yara, Irapuru, Boto, Mapinguari, Cobra Grande, Caapora, Matinta-Perera, Sapo Canuaru, Onça Pata-de-Burro, bem como nos poderes das magias e mandigas.
O folclore amazônico não se limitou aceitar as manifestações e exteriorizações culturais que lhe chegaram de fora, ou às nativas existentes continuou a se enriquecer de novas formas, expressões vivas da psicologia das coletividades e de sua capacidade criadora constituindo o mundo mítico da natureza que as rodeia , das atividades do trabalho e de relacionamento social, nas singularidades do meio ambiente.
No seringal além da burra de padre, da mula sem cabeça, do lobisomem, do boitatá, do Saci-Pererê e outras vindas do nordeste e incorporadas pelos nativos, inventam-se as lendas das almas penadas de seringueiros, do batedor, das seringueiras encantadas e outras ampliando o mitológico amazônico de influência atávica na formação cultural e intelectual do homem nativo da grande região amazônica.
PROBLEMA ESPIRITUAL
Nos seringais, apesar da religiosidade dos que nestes viviam as práticas regulares do culto religioso no período intenso da produção da borracha não se realizava metódicas e continuamente. Por falta de sacerdotes não era possível haver a celebração da missa. Sendo o seringal inicialmente uma temerária aventura, um verdadeiro acampamento de população não sedentária, não passava pela mente de seus integrantes a idéia da necessidade da construção de uma capela que os congregassem para os atos do culto religioso. Todavia, os caboclos amazônicos e os nordestinos, católicos por tradição, embora não dispusessem de um sacerdote que lhe desse a assistência e o lenitivo espiritual constantes, não esqueceram pelo menos das exteriorizações do culto. Assim é, que nas datas magnas da cristandade, reuniam-se para festivamente celebrá-las. O Natal, São João, Santo Antônio e São Pedro os congregavam no barracão sede do seringal, organizavam procissões, rezavam terços em ladainhas e após os atos religiosos, seguiam as festas dançantes, os comes e bebes. Na falta de mulher dançavam homens com homens (a cavernada). Nos festejos desses santos encenavam o boi bumbá em cuja coreografia se integraram as danças de roda indígenas.
A chegada de um padre em desobriga, era motivo de intensa alegria e movimentação. Eram celebradas missas, ouvidas as confissões, dadas à comunhão, realizados os batismos e casamentos, inclusive os casamentos pelo rumo quando na impossibilidade de a noiva comparecer, estando presente o seu pretendente e as testemunhas de sua autorização, o padre, o noivo e os presentes se voltavam para a direção da morada da noiva e o sacerdote declarada o casal marido e esposa, casados pelo ruma, expedindo a certidão de casamento assinada pelo padrão ou pelo gerente e as testemunhas escolhidas.
SENTIMENTO CÍVICO
O espírito de brasilidade, o sentimento de nacionalidade encontra-se arraigado nos homens que implantaram o seringal conquistando a selva amazônica, manifestando-se nas reações contrárias as imposições estrangeiras. Recorrendo às armas e sacrificando a própria vida quando necessário, para defender a assegurar a integridade do território brasileiro e soberania nacional.
PRODUÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO
A atividade extrativista vegetal das gomas elásticas operadas através da organização empresarial do seringal, se de certa forma destruiu a estrutura econômica existente e os padrões sociais vigentes, porém consolidou a ocupação e integração da Amazônia ao contexto nacional, ampliou o espaço territorial brasileiro com a conquista e a anexação do Acre ao Brasil. Impôs a organização de uma numerosa frota fluvial para exportação da produção e o abastecimento dos centros produtores, bem como a construção e aparelhamento de portos fluviais, a construção de ferrovias entre as quais destaca-se a Estrada de Ferro Madeira - Mamoré, a construção da Linha Telegráfica Estratégica Mato Grosso/Amazonas pela Comissão Rondon, o surgimento de novos núcleos urbanos e o estabelecimento de transações comerciais internacionais entre os centros produtores de borracha da Amazônia com as metrópoles sedes do imperialismo capitalista da Europa e da América do Norte. Gerou a movimentação de vultoso capital manipulado em investimentos, serviços operações mercantis, produção de bens, responsáveis pelo crescimento sem precedente das rendas públicas e privadas, fazendo com que a contribuição per - capita do cidadão amazônico para o Tesouro Federal se tornasse o maior do Pais e lhe assegurasse o maior percentual das divisas proporcionado-lhe condições de maior crédito e mobilidade no mercado internacional.
À produção gomífera assegurou por fim à Amazônia uma personalidade própria. Deixou de ser a região dai lavouras e pastoreio idênticos aos da regiãoNordeste, para se transformar na terra dos pioneiros, dos seringalistas e seringueiros, dos aviadores e aviados, das casas exportadoras e dos regatões, da opulência e das vultuosas transações comerciais se constituindo em centro gerador de riqueza na conjuntura econômica nacional e sui-generis na paisagem sócio-cultural brasileira.
A evolução desse processo sócio-econômico conhecido como o 1° ciclo da borracha, convencionalmente limitado no espaço de tempo de 1850 a 1915, foi detido levando a região praticamente à falência e à estagnação econômica, em decorrência da queda: dá cotação da borracha amazônica no mercado internacional, pelo surgimento da concorrência dos produtores asiáticos com produto de menor preço e de melhor qualidade, da falta de capacidade empresarial dos produtores nacionais, pela incompetência político-administrativa e imobilismo dos governos dos Estados do Amazonas e do Pará.
A região Amazônica só retomaria o seu processo de desenvolvimento econômico, a partir da segunda guerra mundial quando a borracha brasileira teve sua cotação de preço elevada no mercado internacional em conseqüência da ocupação dos seringais da Malásia pelo Japão. Os seringais foram reativados, milhares de homens foram recrutados em todo o País, em especial na região Nordeste e encaminhados para a Região Norte, nas condições de soldados da borracha, contratados por dois anos pela Coordenação de Mobilização Econômica, 100.000 trabalhadores, além dos que emigraram dos seus locais de origem por conta própria. Os contratados pelo governo federal através do citado órgão, faziam parte do compromisso assumido por este com os Estados Unidos da América do Norte, por força do acordo de Washington firmado entre os dois países, pelo qual o Brasil comprometia-se a reativar os seringais, recrutar e contratar os trabalhadores, participar com 58% do capital para constituição de um banco especial de financiamento e crédito à produção de borracha e detentor do monopólio de sua comercialização.
Aos Estados Unidos competia integralizar com 42% de capital do referido banco, fornecer os equipamentos para o trabalho de produção de borracha, os meios de transportes para exportação do produto e abastecimento dos seringais, providenciar os meios de combate a malária, sendo criado o Serviço especial de Saúde Pública - SESP.
A produção e comercialização da borracha gerou novo surto de desenvolvimento acompanhado de um rápido crescimento demográfico, expansão empresarial e comercial.
Foi alterada em 1943, a divisão política administrativa da região com a criação dos Territórios Federais do Guaporé, Rio Branco e Amapá, os dois primeiros tiveram suas denominações mudadas para Rondônia e Roraima respectivamente.
Este período conhecido como 2° ciclo da borracha, teve duração efêmera de 1940 a 1950. Após terminar a segunda guerra mundial, reorganizada a produção Asiática, os consumidores ocidentais se desinteressaram pela borracha amazônica ocorrendo mais uma vez a sua desvalorização., porém não causando o impacto econômico do interrompimento do ciclo anterior, visto que a Amazônia possuía uma estrutura econômica diversificada.
VOCABULÁRIOS E TERMOS
CRIADOS NO LABOR DO SERINGAL
Arráteis- Antiga unidade de peso equivalente a 459 g. ou 16 onças.
Aviador- Fornecedor de mercadorias e equipamentos a prazo ao seringalista.
Aviamento- Mercadorias e equipamentos fornecidos ao seringal pela casa aviadora- Ás mercadorias enviadas aos seringueiros pelo patrão, também era denominada aviamento.
Barracão- Casa grande construída de taipa (barro) coberta de folhas de palmeira, zinco cavaco (pedaços retangulares de madeira)ou telha. Também eram construídos com madeira, cobertos com um dos citados materiais, o piso de paxiúba (ripas tiradas do caule de uma espécie de palmeira) ou de tábuas e ou ainda acimentados. O barracão é a sede da administração do seringal, local da realização dos acontecimentos sociais, das reuniões coletivas, das celebrações das missas, das festas dançantes e dos velórios. Além do barracão havia outras construções similares que abrigavam os armazéns, depósitos, alojamento para solteiros, hospedaria para os seringueiros quando vinham das colocações, ou chegavam ao seringal.
Brabo- calouro, novato, desconhecedor da floresta e da execução do trabalho de produção da borracha.
Caxeiro- Empregado responsável pelo recebimento, conferência, estocagem e controle da mercadoria e equipamentos, por sua distribuição para abastecimento das colocações.
Caiápo– balsa feita com pelas de borracha atadas entre si, levada pela corrente dos rios, guiadas pelos balseiros.
Casas Aviadoras- Empresa comercial abastecedora do seringal e comercializadora da borracha.
Cavernada- Dança de homem com homem, na falta de mulheres.
Colocação- Casa do seringueiro no interior da floresta, também denominada centro.
Comboeiro- Empregado auxiliar do caxeiro, condutor do comboio de burros distribuidor de mercadoria nas colocações e coletor nestas, da produção de borracha.
Capanga- Guarda costa, segurança do patrão e dos empregados graduados.
Estrada- caminho aberto na selva interligando as seringueiras entre si, o qual diariamente é percorrido pelo seringueiro.
Defumador– Minúscula barraca de palha contendo em seu interior um rústico forno de barro, produtor de fumaça expelida por um orifício em sua parte superior sobre o qual fica um eixo giratório apoiado em cada extremidade em forquilhas, no qual se processa o qualamento do látex sob a reação do calor e da fumaça, formando-se a pele de borracha.
Poronga - Lamparina fixada numa armação que se encaixa na cabeça do seringueiro como um capacete, iluminando a estrada de seringa quando percorrida a noite pelo seringueiro.
Montaria - Pequeno barco, canôa usada para navegação dos rios, igarapés e lagos.
Fonte: Abnael Machado - Ex-professor de História da Amazônia e na universidade Federal do Pará e Membro do Instituto Histórico e Geográfico de Rondônia.
Conferência proferida em 1997 na Acadêmia de Letras de Rondônia.
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