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Gente de Opinião

Abnael Machado

Dom João VI o Rei Construtor do Estado Autônomo Brasileiro



1808 a 2008 
Duzentos Anos de Transmigração
da Família Real Portuguesa para o Brasil


Visão Equivocada

A forma caricata como o rei a rainha e sua corte são tratados nos livros, no teatro, no cinema e na televisão, quase sempre retratando D. João como um monarca abobalhado e glutão, medroso, incapaz de tomar uma só decisão. A rainha Carlota Joaquina, uma mulher histérica, perfídia, ninfomaníaca e ambiciosa pelo poder.  A Corte incompetente, corrupta e servil. Obviamente não corresponde a um justo julgamento insento dos preconceitos, ódios e revides de grupos de interesses diversos tais como monarquistas, republicanos, federalistas, abolicionistas, traficantes e senhores de escravos que se opunham numa luta pelo poder, em disputas ideológicas e políticas nas quais se envolveram D. João, Carlota Joaquina e sua corte tolindo o alcance dos objetivos pretendidos pelos litigantes. Isso explicita tanto o propósito de tornar irrelevante a atuação de D. João VI na construção do Estado Político Brasileiro, como a carga de preconceitos contidos nas obras literárias e didáticas nos quais seus autores sem procederem a uma reanálise, uma reflexão sobre uns dos momentos mias apaixonantes e revolucionários gerados pelo ideário enciclopedista, pela independência dos Estados Unidos da América do Norte, pela Revolução Francesa e assenção de Napoleão Bonaparte, nos quais viveu e atuou D. João usando de estratégias para manter a soberania de Portugal e preservar a continuidade da dinastia portuguesa no turbilhão das guerras e transformações políticas, sociais e econômicas pelas quais passavam os estados europeus e suas colônias.  Limitam-se a transcreverem a visão preconceituosa de seus desafetos, contaminada pelas disputas políticas e os rancores pelos interesses contrariados. Assim por falta da imparcialidade e do compromisso com a veracidade histórica esses autores omitem o trabalho realizado por D. João transformando o Brasil uma colônia extrativista de Portugal, em um estado independente e soberano.

Situação Política da Europa

Em 1.807 Napoleão Bonaparte imperador da França era o senhor absoluto dominante da Europa. Só não havia conseguido subjugar a Inglaterra protegida pelo canal da Mancha e por sua armada dominante dos mares desde 1.805, quando o Lord Nelson destruiu na batalha de Trafagar as esquadras francesa e espanhola. Visando atingir esse objetivo decretou o bloqueio continental, o fechamento dos portos europeus ao comércio de produtos britânicos. Ordem acatada por todos os paises, exceto por Portugal tradicional aliado da Inglaterra, porém em uma situação periclitante, encurralado entre as duas maiores potencias militares só tinha duas alternativas, uma acatar as ordens de Napoleão Bonaparte se expondo ao ataque da esquadra inglêsa como correu com a Suécia, e mais ser invadido pela França e ter a dinastia reinante destruída como estava ocorrendo com todas as cortes imperiais. A outra era aceitar a oferta da Inglaterra em proteger a transferência da corte para o Brasil, optou por esta, um alvitre amadurecido, porquanto os planos de mudanças para o Brasil eram uma idéia antiga (sugerida em 1.580, 1.736, 1.762, 1.801, ganhando senso de urgência em 1803), a qual sempre surgia como estratégia de defesa ante as constantes ameaças dos seus poderosos vizinhos. D. João protelou o máximo que pode em realizar a mudança, até quando soube que tropas francesas sob o comando do general Junot deslocavam-se para invadir Portugal, determinou em 29 de novembro de 1807, o embarque da corte com destino ao Brasil, como única forma de preservar a continuidade da dinastia reinante e também por forte razão geopolítica, visto que no começo do século XIX Portugal tinha total dependência econômica em relação ao Brasil, o eixo de suas relações comerciais na Europa, em especial com a Inglaterra, constituía-se na exportação de produtos oriundos dessa sua colônia (ouro, pedras preciosas, açúcar, fumo, algodão, café, madeira e outros). Assim, mesmo Portugal sendo invadido, a transferência da corte era vantajosa, garantia a sua segurança e a manutenção das transações comerciais sustentáculo da economia e do tesouro do Império português. Ainda no transcurso da viagem D. João iniciou seus planos de governo na colônia, inclusive mudando a rota do navio que o conduzia para primeiro aportar na Bahia e não no Rio de Janeiro conforme estava estabelecido.

SITUAÇÃO POLÍTICA, SOCIAL E ECONÔMICA DA COLÔNIA

O Brasil era uma colônia extrativista de Portugal, mantida fechada para o mundo, proibida de exportar sua produção e de importar os produtos que necessitava, transações comerciais monopolizadas pela metrópole, exclusivamente os navios mercantes portuguêses tinha acesso aos seus portos (Belém, São Luis, Recife, Vitória, Rio de Janeiro), não possuía estradas de comunicações internas entre as capitanias, construções proibidas em 1.733, com a justificativa de evitar o contrabando, como também indústrias manufatureiras, não possuía ensino de níveis elevados, apenas o básico ofertado e controlado pelos padres, não possuía tribunais, moeda própria, hospitais, imprensa (o único jornal brasileiro o Correio Braziliense, do jornalista Hipólito José da Costa era publicado em Londres a partir de 1.805, para se livrar da censura do governo português).

Quanto à organização política-administrativa, a colônia se constituía em um amontoado de capitanias mais ou menos autônomas sem relacionamento entre si, tendo apenas como pontos de referencias comum o idioma português e a coroa portuguesa sediada em Lisboa. Cada uma tinha seu governador, sua milícia, seu tesouro, geralmente uma ignorava a existência da outra. Não havia um centro político-administrativo de integração, inclusive a expressão brasileiro não era reconhecida como sendo a designação das pessoas que nasciam no Brasil. Situação que se modificaria com a chegada do príncipe regente e sua corte na colônia em 22 de janeiro de 1.808.

TRANSFORMAÇÕES NA COLÔNIA NO DECURSO DE 1808 A 1821

D. João ainda em alto mar iniciou seus planos de procedimentos para manter unido o Brasil em torno da coroa portuguesa, a qual dependia do apoio político e financeira de todas as capitanias para execução com sucesso de seus projetos de desenvolvimento socioeconômico que tinham por meta acelerar as mudanças estruturais da colônia para alcançar a construção do sonhado império americano de Portugal.

Assim, como parte de sua estratégia mudou a rota do navio que o conduzia para aportar na Bahia antes de se dirigir ao Rio de Janeiro, tendo por objetivos prestígiar os baianos ainda ressentidos com a mudança da capital da colônia de Salvador para o Rio de Janeiro.  E assim conquistar desses a simpatia e a fidelidade.  Chegou a Bahia o dia 02 de janeiro,  permanecendo até o dia 26 de fevereiro de 1.808, adotando importantes medidas tais como:
 
- Decretar a abertura dos portos ao comércio internacional, em cumprimento a um acordo firmado em Londres, em outubro de 1.807 entre a Inglaterra e Portugal assinado pelo embaixador português D. Domingos de Souza Coutinho;
-  Aprovar a criação da Escola de Medicina (a 1° a funcionar no Brasil).
- Aprovar os estatutos da primeira companhia de seguro a "Comércio Marítimo";
- autorizar as construções de uma fabrica de vidro e uma de pólvora;
- autorizar a abertura de estradas;
- Autorizar o governo a estabelecer a cultura e a moagem de trigo;
- Encomendar um plano de defesa e fortificação da Bahia, incluindo a construção de 25 barcas canhoneiras e a criação de dois esquadrões de cavalaria e um de artilharia.

D. João chegando ao Rio de Janeiro tomou as providencias para estruturar a colônia. Em 10 de março de 1808 organizou o seu novo gabinete, o primeiro ministério do Brasil assim constituído;
- Negócios Estrangeiros e da Guerra - D. Rodrigo de Souza Coutinho (futuro conde de Linhares);
-  Negócios do Reino e da Guerra - D. Fernando José de Portugal (futuro Marquês de Aguiar);
- Negócios da Marinha e Ultramar - D. Rodrigues de Sá e Menezes – Visconde de Anadia.

Caberia a esse ministério criar um país a partir do quase nada. Havia duas frentes de ações. A primeira interna incluindo inúmeras decisões administrativas tomadas por D. João logo que chegou ao Brasil para melhorar a comunicação entre as capitanias, estimular o povoamento e promover o aproveitamento das riquezas da colônia. A segunda externa visando ampliar as fronteiras na tentativa de aumentar a influencia portuguesa na América (invasão da Guina Francesa em 14/01/1.809, anexação da Banda Oriental do Rio da Prata atual Uruguai).
D. João se dedicou a execução da primeira, destacando-se as seguintes promoções:

- A adoção de medidas políticas visando fundir as capitanias numa real umidade política tendo como direcional o Rio de Janeiro, capital da monarquia, residência do rei, da corte e do gabinete;

O que é propagado nos livros de História com base nas afirmações de alguns historiadores em relação à abertura dos portos, uns de que decorreu de estudos apresentados a D. João, por José da Silva Lisboa (futuro Visconde de Caiuru). Outros, de que decisão teria sido um gesto de simpatia de D. João para com os brasileiros, libertando-os do monopólio português e do isolamento comercial, não têm fundamento, não passam de dois mitos.

- abertura dos Portos já ocorrida na Bahia;
- concessão de liberdade de comércio e indústrias manufatureiras, integrando o Brasil ao sistema internacional de produção e comércio como um país autônomo;
- autorização para construção de estradas e outras vias de transportes;
- criação de um banco estatal para emitir moeda (Banco do Brasil, constituído por 1.200 ações do valor de unitário de um conto de reis; equivalente a R$ 1.200.000 atuais);
- criação e instalação do ensino básico leigo, até então de exclusividade dos padres;
-  criação e instalação do ensino superiro, inexistente (Medicina, Direito, Engenharia Civil e de Mineração, Academia Militar, Técnicas Agrícolas, Laboratório de Estudos e Análises Químicos).
- estabelecimentos: do Supremo Conselho Militar e de Justiça; da Intendência Geral de Policia da Corte; do Erário Público; do Conselho de Fazenda e do Corpo da Guarda Real.
- criação da Biblioteca Nacional; do Museu Nacional; do Jardim Botânico e do Real Teatro de São João.

Paralela a essas vitais iniciativas D. João adotou outras com vistas a modernização, urbanização e elevação social e cultural, denominadas empreendimentos civilizatórios, tendo por meta promover as artes, a cultura e infundir alguns traços de refinamento e bom gosto nos hábitos atrasados da colônia. Buscou a convivência pacífica com as nações indígenas, publicando uma proclamação convidando os índios a habitarem nas aldeias, a se fazerem cristãos, prometendo-lhes no caso de aceitarem o convite, terem seus direitos reconhecidos e como os outros vassalos, o gozo da proteção do Estado.

Os resultados dessas medidas foram imediatos, inúmeras indústrias começaram a surgir no território brasileiro, fábricas de ferro em Congonhas do Campo Minas Gerais e Sorocaba, São Paulo, Moinho de trigo, fábricas de tecidos, de barcos e de pólvora em outras regiões. Abertura de estradas entre as capitanias (Goiás a região Norte, 800 Km), entre Minas Gerais, Bahia, Espírito Santo e norte do Rio de Janeiro, construções da Estrada do Comércio ligando os núcleos urbanos do vale do rio Paraíba do Sul reduzindo pela metade o percurso que os tropeiros percorriam para ir de São Paulo ao sul de Minas Gerais. Em Goiás foi fundada uma Companhia de Navegação fluvial. As regiões mais distantes foram exploradas e mapeadas. Foi elaborada nova carta hidrográfica do Maranhão e Grão-Pará. Expedições percorreram os tributários do rio Amazonas até suas nascentes. Foi estabelecida navegação fluvial regular ente São Paulo e Mato Grosso. Felisberto Caldeira Brand em 1.818 inaugurou a navegação a vapor. Em 10 de setembro de 1.808, circulou no Rio de Janeiro o primeiro jornal publicado no Brasil, "A Gazeta do Rio de Janeiro". A cidade do Rio de janeiro foi dotada de infra-estrutura e arquitetonicamente remodelada, sendo instaladas redes de esgoto e de água tratada, aterramento de pântanos e mangues, demolição de alguns morros (conforme indicações dos médicos Domingos Ribeiros dos Guimarães Peixoto e Manuel Vieira da Silva1 conselheiros do rei) obras executadas pelo Intendente Paulo Fernandes Viana. A cidade agora capital do império, triplicou sua área com o surgimento de novos bairros e freguesias2 sua população no período entre 1808 a 1821 cresceu 30%, de 60.000 para 78.000 habitantes. A quantidade de escravos triplicou passando de 12.000 para 36.182.

D. João VI tendo por objetivo reforçar a participação da monarquia portuguesa nas negociações do Congresso de Viena, no qual os paises vitoriosos na guerra contra Napoleão Bonaparte deliberavam sobre o futuro geopolítico da Europa, elevou no dia 16 de dezembro de 1.815 o Brasil a categoria de Reino Unido a Portugal e Algarves, bem como promoveu o Rio de janeiro à sede oficial da Coroa. Com essas deliberações a corte do Rio de janeiro reconhecida como sede do império português pelos demais governos aliados europeus, obtinha o direito a voz e voto no referido Congresso.

Em decorrência das transformações políticas, sociais e econômicas promovidas por D. João VI, os estrangeiros descobriram o Brasil, o pesquisador Rubens Borba Moraes catalogou 266 viajantes que o visitaram no período de 1.808 a 1.818, registrando suas impressões em livros, cartas e relatórios oficiais, descrevendo cidades, paisagens, tipos humanos, hábitos e costumes, inúmeras observações, bem como as descobertas cientificas que realizaram, o que tornou esse um dos períodos mais bem documentados da história brasileira.

Em 26 de abril de 1.821, contra sua vontade, obrigado pelas circunstâncias políticas em Portugal, deixava o Brasil, retornando à Europa. Deixando-o em irreversível processo de independência total, a qual ocorreria em 7 de setembro de 1.822, proclamada pelo príncipe regente D. Pedro, se u filho, acatando sus recomendações antes do regresso a Portugal, visto a já previsível inevitável transformações políticas do Brasil em um estado autônomo e soberano.

EM CONCLUSÃO

D. João VI era um arguto e perspicaz político, um emérito estrategista, superou todas as tramas e complôs internos e externos, ludibriou Napoleão Bonaparte, manteve-se no poder até quando ocorreu sua morte natural em 10 de março de 1826.

Os que escrevem preconceituosamente o detratando, devem rever suas opiniões e modificarem seus conceitos equivocados.

Sem nenhum favor e a bem da justiça, D. João VI foi o arquiteto criador do Brasil como Estado político independente e soberano, bem como da nação brasileira, verdade histórica que deve ser reconhecida e reverenciada por todo o povo brasileiro.

1. Autor do primeiro Tratado de Medicina no Brasil.
2. Povoação paroquiana.

ABNAEL MACHADO LIMA
Membro da Academia de Letras de Rondônia.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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