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Gente de Opinião

Abnael Machado

REVISTA EXPEDIÇÃO



Um festival de Equívocos

È louvável o empenho dos acadêmicos de jornalismo da UNIRON em divulgar e preservar a memória histórica de Rondônia, porém, é lamentável a falta de atenção na revisão dos textos permitindo a difusão de equívocos comprometedores da veracidade do fato histórico, tais como:

1. no texto da matéria O Brasil em linhas telegráficas, o autor escreve: "a presença de Rondon, que comemora 50 anos de sua passagem pelo Estado".

A frase leva a se entender que Rondon ressuscitou e comemora sua pretérita passagem a 50 anos pelo estado de Rondônia, isto é em 1958. (2008-50=1958).

Na verdade a terceira expedição sob o comando de Rondon, percorreu o espaço geográfico então desconhecido, entre a serra do Norte a leste e rio Madeira a oeste, no período de 29 de junho a 31 de dezembro de 1909, data na qual chegou em santo Antônio do rio Madeira. Portanto a 99 anos passados (1909+99=2008)*.

2. No editorial, em seu texto encontra-se a frase:

"O momento não poderia ser o mais apropriado, pois, este ano, Rondônia comemora 50 anos de passagem de Rondon por estas terras".

Na realidade, em Rondônia estaria sendo comemorado os 99 anos da passagem de Rondon pelo espaço atualmente limitado pelo estado de Rondônia. 1909/2008.

3 Linha do Tempo-Rondon

No período de 1909 a 1915 no espaço atual do estado de Rondônia, Rondon instalou os postos telegráficos de: José Bonifácio, Barão de Melgaço, Vilhena, Pimenta Bueno, Presidente Hermes, Presidente Afonso Pena, Jaru, Ariquemes, Caritiana, Curitiba, Bom Futuro, Jamari e Santo Antonio do Rio Madeira. (Obs. Os postos grifados não constaram nos relacionados pelo autor da matéria).

4. Marcos de uma era preservada pelo tempo.

No texto o autor escreve:"A missão de Rondon foi concluída em 1910, quando o militar finalmente chegou à região e viu o Rio Madeira".

A afirmativa é por demais simplória e sem lógica, considerando-se que uma comissão constituída por militares e civis de elevados níveis técnicos e científicos, sendo nesta investido vultuoso capital, bem como registrando as perdas de preciosas vidas, não poderia ser dado por concluídos seus trabalhos simplesmente porque avistaram o rio Madeira. Rondon chegou a Santo Antônio na margem direita do rio Madeira em 31 de dezembro de 1909, dando por concluídos os trabalhos de reconhecimento e definição do percurso da linha telegráfica pela terceira expedição, dissolvendo-a. Os trabalhos tiveram continuidade até 1919. Foi realizada em 1913/1914 a expedição cientifica Roosevelt/Rondon, em 1914 foi concluída a construção da linha telegráfica interligando santo Antônio do Rio Madeira à Cuiabá, ambas localidades no estado de Mato Grosso, ocorrendo sua inauguração solene, no dia 1º de janeiro de 1915, na câmara municipal de Santo Antônio do Rio Madeira, os trabalho prosseguem sob a direção da Seção Norte (Santo Antônio do Rio Madeira) e da seção Sul (Juruena).

5. Roosevelt e o desafio amazônico

O texto é eivado de equívocos, tais como:

5.1-"Quando Theodoro Roosevelt enviou emissários para as regiões de Amazonas Rondônia e Mato Grosso, em 1913, para contatar o então Coronel Cândido Rondon".

Theodoro Roosevelt não enviou emissários para o Amazonas e Mato Grosso. Muito menos para Rondônia, que não existe, para contatar com o coronel Rondon.

Theodoro Roosevelt em 1913, planejou uma expedição ao Amazonas através das florestas dos divisores de águas entre as bacias dos rios Paraguai e Amazonas, patrocinada pelo Museu Americano de História Natural. Sendo essa denominada "Coronel Roosevelt Expedição à América do Sul para o Museu Americano de História Natural".

O governo brasileiro reconhecendo a importância da expedição, ofereceu cooperação a qual foi aceita por Roosevelt, sendo designado para assessorá-lo o coronel Cândido Mariano da Silva Rondon. Este elaborou os mapas de cinco roteiros a serem seguidos, enviando-os ao ministro do Exterior Dr. Lauro Miller para os submeter a escolha de Roosevelt, ele escolheu a rota pelos rios Arino, Juruena, Papagaio e Dúvida. Por este roteiro a expedição atravessaria da bacia do rio Paraguai para a bacia do rio Amazonas por imensa e densa floresta quase desconhecida. Ao se integrarem em Corumbá-MT, as comitivas norte-americana e brasileira, a expedição passou a ser denominada "Expedição Cientifica Roosevelt/Rondon".

5.2-"Em 1914, Roosevelt foi convidado por Rondon para participar de uma expedição em plena floresta. Encantando com convite desafiador, ex-presidente dos Estados Unidos se uniu a Rondon".

Pelo acima exposto, a afirmativa não procede.

5.3-"aquele curso do rio foi batizado de Roosevelt-RO"

O rio desconhecido percorrido pela Expedição Cientifica Roosevelt/Rondon, em 59 dias, com nascente a 13º de latitude sul, no planalto de Vilhena e com a foz a 5º de latitude sul, na margem direita do rio Madeira, com extensão de 1.409km, denominado Dúvida em seu alto curso, Castanho em seu médico curso e Aripuanã em seu baixo curso, Rondon declarou em Ordem do Dia, ser um só rio, o qual por determinação do governo brasileiro, a partir do dia 27 de abril de 1914, passada a ser denominado rio Theodoro Roosevelt, em todo seu percurso.

6. A importância Cientifica da expedição Rondon.

No seu texto o autor escreve:"Segundo o professor e historiador Mário Sávio Almeida, o primeiro mapa do Mato Grosso se deve a Rondon".

Informação equivocada, as cartas geográficas de Mato Grosso foram elaboradas pelo geógrafo e cartógrafo Pimenta Bueno, utilizadas por Rondon em suas expedições. As quais foram corrigidas em decorrência das descobertas de acidentes topógraficos e hidrográficos pela Comissão Rondon.

7. Em cada posto, uma nova cidade:

O título do texto não procede. Em torno dos postos telegráficos se instalaram algumas poucas barracas de palhas, cujos habitantes em insignificantes quantidades no decorrer do tempo as abandonaram, não ocorrendo a sua fixação e nem o incremento demográfico originando núcleos urbanos expressivos.

Escreve:

7.1-"Um território desconhecido, no meio à selva amazônica, era esse o cenário que Rondon conheceu, em 1907, Território Federal do Guaporé, atual estado de Rondônia".

"Improcedente esta afirmativa, Rondon percorreu o espaço atual limitado pelo estado de Rondônia em 1909, o T.F. do Guaporé não existe foi criado em 1943."

7.2-"A cada poste instalado, se formava um novo núcleo populacional, futuras cidades".

Afirmativa improcedente, comprovada pelo fato de que em 1950 a população do Território Federal do Guaporé era 36.935 habitantes e só existiam duas pequenas cidade. Os povoados surgiram alguns nos locais onde existiram postos telegráficos, evoluíram transformando-se em vilas e cidades, em decorrência da construção e consolidação da rodovia 364 (ex-29) e o desenvolvimento das atividades econômicas agrícola, pecuária e madeireira a partir da década de 1970.

8. Rondon e os cachorros

"O chefe da expedição responsável pela instalação da antiga linha telegráfica, único meio de comunicação na época, entre o Mato Grosso e o antigo Território do Guaporé".

O Território do Guaporé não existia, foi criado em 1943. A linha telegráfica era meio de comunicação entre a cidade de Cuiabá e Santo Antônio do Rio Madeira, ambas localidades no Estado de Mato Grosso.

9 – A importância do museu para a cultura de Ji-Paraná

Escreve o autor:

9.1 – "Em 1909, foi construída a primeira Estação Telegráfica, ligando Cuiabá e Porto Velho." A Estação Telegráfica ligando Cuiabá e Santo Antônio do Rio Madeira (não Porto Velho) foi construída em 1914 e inaugurada no dia 1º de Janeiro de 1915.

9.2 – "A partir das décadas de 1970/1980, milhares de imigrantes chegam à região, atraídos pela crescente mecanização na lavoura."
Os migrantes oriundos das regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul, desempregados em conseqüência da mecanização da lavoura em suas regiões, migraram para Rondônia atraídos pela propaganda de existência de terras férteis de fácil acesso aos pretendentes, doadas pelo Governo Federal.

10 – Rondon, história perdida na memória

A autora transcreve asserções de Francisco Martins, entre as quais, esta:

"E uma outra Rondônia voltada para o interior do Estado, fora da cidade, que surgiu em detrimento da Comissão Rondon e sua missão de implantar as linhas telegráficas. Os membros da Comissão estavam dispostos a morrer pela descoberta de rios, rotas, tribos, doenças e cura."

Francamente, não dá para se entender. Por que essa Rondônia voltada para o interior do Estado, surgiu em detrimento, isto é, em dano, em perda, em prejuízo da Comissão Rondon? E mais, que os membros da Comissão estavam dispostos a morrer pelas doenças e cura?

Observação:

A fotografia ilustrativa da página 19, ostentando a legenda "Símbolo do Positivismo – representa a ordem e o progresso", é mais um equívoco considerando-se que o exibido na foto não é o símbolo dessa corrente filosófica e política de origem francesa.

Sugiro a leitura dos seguintes títulos:

1 – Rondon: Último Bandeirante (A. de Niras de Bastos) Ed. América – Rio de Janeiro, 1964;

2 – Avançai para o Jamari: a Comissão nas Selvas do Alto Madeira (Gal. Lobato Filho) S/Ed. – RJ, 1957;

3 – Pelos Sertões do Brasil (Cel. Amílcar Magalhães) – Cia. Ed. Nacional – São Paulo, 1941

4 – Rondônia (Roquete E. Pinto) Imprensa Nacional – Rio de Janeiro, 1919

5 – Índios do Brasil do Centro-Nordeste e Sul de Mato Grosso (Cândido Mariano da Silva Rondon) CNPI – Rio de Janeiro, 1946;

6 – Nas Selvas do Brasil (Theodoro Roosevelt) – Ed. Itatiaia – São Paulo, 1990;

7 – Rondon conta sua vida (Esther de Viveiro) – Coop. Cultura Esperantista – Rio de Janeiro, 1969;

8 – Rondon (Todd A. Diacon) – Companhia das Letras – São Paulo, 2006;

9 – Comissão Rondon: Cem anos de sua Criação (Abnael Machado de Lima) – Conferência, 2007 (gentedeopiniao@gmail.com)


* (A primeira expedição foi realizada no período de 24 de Junho a 28 de Novembro de 1907, entre a localidade de Diamantino e Rio Juruena no estado de Mato Grosso).
(A segunda expedição foi realizada no período 29 de julho a 27 de outubro de 1908, saindo de Aldeia queimada com destino ao rio Juruena e prosseguindo até alcançar serra do Norte, da qual retornaram as expedicionária dirigindo-se para São Luiz de Cáceres).



Abnael Machado de Lima
Ex-prof.º de História da Amazônia – Univ. do Pará
Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Estado de Rondônia
e da Academia de Letras de Rondônia.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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