Quinta-feira, 15 de agosto de 2013 - 12h30
As seis horas da manhã cheguei a pequena gare, o movimento já era intenso, as pessoas compravam suas passagens e despachavam suas bagagens, os estivadores acomodavam nos vagões de carga os volumes de mercadorias diversas. Os ferroviários envergando seus uniformes caqui completados com os respectivos quepes ostentando o escudo da Madeira-Mamoré, solícitos em seus postos coordenavam o inicio da viagem. A locomotiva refulgente expelia vapor d’água de sua caldeira e rolos de fumaças por sua chaminé. O repique de uma sineta adverte aos passageiros, a eminente partida, os quais se apressam em embarcar, o trem com estrepido apitando se desloca às sete horas, com destino a Guajará Mirim.
Estaciona por alguns minutos na gare de Santo Antônio instalada numa pequena casa de madeira coberta por folhas de zinco, situada do lado esquerdo da linha férrea em frente ao sobrado de alvenaria com dois andares, construído pelos Collins, agora estabelecimento comercial. Contemplando aquele local histórico disputado pelos estados do Amazonas e de Mato Grosso afloraram e minha mente, a sua trajetória marcada por trágicos episódios. Fundado em 1728 pelo padre João Sam Payo como missão religiosa, com a denominação de Santo Antônio das Cachoeiras, foi atacada e destruída pelos Mura em 1742, pondo em fuga os remanescentes de seus habitantes, os perseguindo sem trégua, rio abaixo até a missão de Trocano (atual cidade de Borba). O fracasso das empresas inglesas e norte-americanas contratadas para construírem a ferrovia, assim como as comissões brasileiras, em decorrência das mortes de seus engenheiros, técnicos e trabalhadores vitimados pelas endemias. O desaparecimento dos setenta e cinco italianos que revoltados fugiram do acampamento a noite, adentrando na floresta da margem esquerda do Rio Madeira e jamais foram encontrados. A desgraçada destinação dos cento e cinco marinheiros rebeldes da conhecida “Revolta da Chibata” e dos trezentos e trinta e seis civis dos quais quarenta e quatro eram mulheres, considerados vagabundos, conduzidos do Rio de Janeiro a Santo Antônio embarcados no porão do navio Satélite e no local de destino, entregues ao tenente Libano Augusto da Cunha Matos, comandante da Seção Norte da Linha Telegráfica Estratégica Mato Grosso/Amazonas, ali sediada, cabendo-lhe de seu livre arbítrio, dar-lhes destinação.
O trem prosseguiu deixando para trás o lugarejo com seus fantasmas percorrendo até Guajará-Mirim num corredor ladeado por densa floresta de eterno verde, descortinando-se o seu monocramo perfil, sobressaindo-se as elegantes e majestosas castanheiras, esta muralha compacta, em alguns trechos é interrompida por clareiras ocupadas umas por belas palmeiras, outras por extensas lagoas e chavascais substituindo a continuidade monótona da paisagem.
Chega-se a Teotônio, a locomotiva é abastecida com água e lenha seus combustíveis e prossegue passando em Pedra Canga, São Carlos, Luzitânia e Caracol, cruza o Rio Jaci-Paraná por uma grande ponte metálica, espetacular obra de engenharia norte-americana. Estaciona na vila da mesma denominação para o almoço, nós os passageiros corremos para o restaurante, disputando um assento numa das mesas. O cardápio variadíssimo constando de carnes bovina e de caças (paca, veado, queixada, anta e outras), peixe, tartaruga, galinha e ovos. Não havendo tempo a perder na escolha, era pedir logo a iguaria e a deglutir com rapidez, o trem não esperava por ninguém. Chegado após as onze horas, as doze reiniciava a viagem, passando pelos pequenos lugarejos Caldeirão do Inferno, Jirau, Três Irmãos e Mutum Paraná, estacionando na Vila de Abunã local de pernoite, travando-se uma renida disputa a fim de conseguir um quarto equipado com camas, no único hotel instalado em um dos casarões pré-fabricados importados dos Estados Unidos, pela empresa Madeira-Mamoré. Caso não conseguisse tinha que se sujeitar a dormir numa rede atada na varanda e tiritar de frio.
Abunã além de ser o local dos trens vindos de Porto Velho e de Guajará Mirim pernoitarem, era porto de armazenagem e escoamento dos produtos de importação destinados à Fortaleza do Abunã e à outras localidades brasileiras e bolivianas ao longo do curso do Rio Abunã até Vila Plácido de Castro no Acre, e exportação dos produtos nativos (borracha, castanha, couros e peles de animais silvestres), por essas produzidos, com destino aos consumidores estrangeiros, via ferrovia Madeira-Mamoré e os rios Madeira e Amazonas.
As sete horas da manhã é reiniciada a viagem, os locais se sucedem Penha Colorado, Taqueras, Araras, Periquitos, Chocolatal, Ribeirão, Vila Murtinho porto de exportação de borracha, castanha, quina couros e peles de animais silvestres oriundos dos gomais do Rio Beni e seus afluentes. Tendo frontal a cidade boliviana de Vila Bela e a pequena distancia avista-se a confluência dos rios Beni e Mamoré originando o Rio Madeira. Em seguida passa-se por Lages, Pau Grande, Iata (colônia agrícola instalada pelo governo do Território para assentar os migrantes nordestinos e os seringueiros que estavam se retirando dos seringais), Bananeiras e finalmente Guajará Mirim, bela cidade situada em uma planície entre a Serra Pacáas-Novos a leste do Rio Mamoré a Oeste em frente a cidade boliviana de Guayaramerim, com qual mantém promissor intercâmbio comercial e étnico. Causa admiração por sua estrutura urbana, econômica, social e cultural, sua população bonita e hospitaleira, sua elite rica e culta.
Viajar pela ferrovia Madeira-Mamoré foi emocionante no tocante a se está trafegando na grandiosa obra de engenharia realizada superando os obstáculos fisiográficos, transpondo rios em artísticas pontes metálicas, fruto do denodo, da obstinação de vencer a natureza, de conquistar o espaço agreste, desconhecido e insalubre, por homens de diversas nacionalidades empenhados em sua construção, incentivados pela miragem da riqueza a ser usufruída em incalculáveis proporções, embora exigindo como tributo á floresta violada o sacrifício de milhares de preciosas vidas.
Holocausto em vão, os mortos estão sepultados no esquecimento, a ferrovia com suas instalações e obras de artes abandonada, saqueada, submetida ao vilipêndio, em decorrência da incúria dos governantes. Lamentavelmente, deu ferrugem na História.
Abnael M. Lima
Membro Da Academia de Letras de Rondônia
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