Segunda-feira, 10 de junho de 2013 - 09h11
A leitura das crônicas do romancista e cronista Paulo Saldanha, por ele selecionadas e reunidas em coletânea, no seu livro “Prosa que Desemboca em Saudade,” é deleitante por seu fluente estilo literário, como o define nosso maior vate Matias Mendes. “Relatos eivados de lirismo, alguns tão belos que chegam às raias da poesia, outros de, conteúdo tão sábio, que nos levam ao mundo da Filosofia, denotando o excelente preparo intelectual do autor que se reveste, sobretudo da grandeza da humildade.”
Em mim, despertaram lembranças arquivadas no recôndito do subconsciente, dado as semelhanças dos cenários, dos causos, das histórias e de seus protagonistas, com os da nossa pequena Porto Velho, tão idênticos que se confundiriam caso não houvesse algumas peculiaridades. Recorda-se do sino da igreja repicando alertando os fiéis para a hora da missa, da novena ou anunciando o falecimento de alguém. Do apito de trem chegando ou saindo,das catraias cruzando o Mamoré transportando cargas e passageiros para Guayaramerim e vice-versa. Aqui também os repiques dos sinos tinham as mesmas finalidades, assim como os apitos dos trens. Havia a sirene da Madeira-Mamoré acionada ás seis horas e ás seis e meia da manhã advertindo para o início das atividades ás sete horas nos respectivos segmentos de trabalho, o mesmo ocorrendo ás onze e meia no encerramento do primeiro turno e ás treze e trinta no inicio do segundo turno, e no seu final ás dezessete e meia. Se tal estridente apito ocorresse numa cidade europeia, seria alarme, seus habitantes apavorados correriam em busca de abrigo antiaéreo. No porto não havia catraias, ancoravam os navios provenientes de Belém-do-Pará, motivo de euforia, pois o povo se abastecia abordo, de produtos alimentícios, tecidos, sapatos, confecções e outras diversas manufaturas. Próximo a gare ficava o prédio sede da Madeira-Mamoré com seus quatros relógios na torre, infalíveis e inglesmentespontuais, os quais deixaram de funcionar por falta de manutenção de seus mecanismos, visto o Cláudio perito ferroviário que entendia de seus funcionamentos, foi aposentado desaparecendo de circulação. Os relógios estáticos foram relegado à inutilidade. Do mesmo modo a sirene, as vezes acionada sem nenhum significado, o porto vazio das belos naves, não de guerra mas de integração regional, os imponentes Lôbo D’Almada, Leopoldo Peres, Augusto Montenegro, Rio Mar, Inca, Virgínia Lee, Belo Horizonte, Fortaleza, Kambrit e outros; os sinos das igrejas não mais repicam anunciando falecimentos. Como em Guajará, aqui tinha o Clipper em frente ao Café Central do João Barril, ponto de encontro dos seringalistas, dos empresários do Comércio e dos altos profissionais liberais, todos os fins de tarde, para os bate-papos, desapareceu, como também os bejamins que arborizavam a Avenida 7 de Setembro, no qual se situava.
Evoca as garotas estudantes internas do Colégio Nossa Senhora do Calvário, com as quais sonhava namorar. Aqui, o Colégio Maria Auxiliadora reunia um conjunto de jovens de várias idades vindas do Alto Guaporé, de Guajará Mirim entre estas, aquelas que se encontram sob a frondosa mangueira, as das cidades do oriente da Bolívia, as do Baixo Madeira, de Humaitá e de Rio Branco/AC. Eram de exuberante beleza de variado biótipo. Era prazeroso vê-las nas procissões, nos desfiles cívicos escolares e nas missas. Também nãoexistem mais, o internato foi desativado, elas se foram, deixando saudades e extinguindo sonhos dos seus platônicos enamorados.
Não só as garotas povoam suas lembranças, mas também personagens exóticos, piedosos, simplórios boêmios, rigorosos, benevolentes, demagogos, Cívicos, tais como o Emílio Sarde, o francês filósofo, poliglota, intelectual, satírico, de refinado traquejo social, crítico de Deus quanto a anatômica masculina, e um dom juan "louco por elas". Uma ilha de saber rodeado de ignorância por todos os lados. Ocorrência registrada em pequenas comunidades, a de haver entre seus habitantes, pessoas de destaque por seus cabedais intelectuais e culturais. Aqui se sobressaiam o professor Enos Eduardo Lins poliglota, filósofo, matemático, dominante do conhecimento científico. O Dr. Ari Pinheiro biólogo, antropólogo, um cientista, rodeados pelo vulgo ignaro.
O Saninhoboêmio cantor de rua nas noites enluaradas, das frias madrugadas com seu plangente violão as moças encantando.
Aqui tínhamos os nossos seresteiros João Miguel, Capote, Estolano, Paulo Santo, Jorge Andrade, Cotia, Ubiratan, Sampaio, Manga Rosa e outros. Os quais nas noites enluaradas envolviam as ruas pelos acordes de seus instrumentos e a melodia de suas sonoras vozes interpretando as canções sentimentais em voga, emocionando os ouvintes. O Manga tocava todos os instrumentos de sopro, era compositor, entre tantas de suas composições, compôs "A Flor do Meu Bairro" tendo por musa, uma beldade do bairro Triangulo. A submeteu à apreciação de um renomado compositor e cantor brasileiro, de passagem por Porto Velho, esse a elogiou se prontificando em conseguir a sua gravação no Rio de Janeiro, o que procedeu, mas como de sua autoria. Restando ao Manga, unicamente se lamentar e se conformar com o esbulho.
O Dezessete, me trouxe a lembrança de idêntico episódio protagonizado pelo nosso Bola Sete, numa pugnacomum pugilista italiano, realizada no Guaporé Clube, atualmente sede duma emissora radiofônica dos evangélicos. Não precisa dizer que povo da cidade estava lá torcendo pelo Bola, o qual sob aplausos começou bem, mas para decepção geral acabou nocauteado recolhido ao hospital São José.
O Sarará desafiante do todo poderoso e temido Capitão Alipio, cantando nos bares, na rádio, no palco do cinema, o irreverente mote “Seu delegado, se o senhor quer apanhar, mande cortar o cabelo do Sarará”. Foi detido e após o pavoroso susto, foi libertado, tendo mais sorte do que a Cremilda e a Enedina residentes num partidieiro na rua José de Alencar as únicas a não obedecerem as recomendações do Delegado de Polícia, Coronel Emídio Feitosa, o qual era tão respeitado e temido, condição comprovada pelo fato de que se alguém era detido, ele fazia uma preleição de advertimento, e de conformidade com a gravidade da transgressão, escrevia numa folha de papel os dias de detenção e a quantidade de óleo de mamona a ser ingerido pelo preso, e lhe dizia meu filho! Você está preso, leve este bilhete e entregue ao carcereiro, nenhum deixou de cumprir sua ordem. Indo a pé, sem escolta, da Delegacia que ficava na avenida 7 de Setembro, em frente a Praça Jonathas Pedrosa, ao prédio da cadeia pública situado na rua Dom Pedro II, esquina com a rua Júlio de Castilho. Porém as duas mulheres eram useiras a serem levadas à Delegacia por desavença, ofensas verbais de uma a outra. O Delegado as ouvia, aconselhava-as a não brigarem, as mandando embora. Até que em certa ocasião foram trazidas à presença do Delegado por haverem se engalfinhado na rua, com o agravante de terem agredido as pessoas que tentaram apaziguá-las. Agora ultrapassaram os limites de sua benevolência. Após ouvir cada uma em separado, convocou a Cremilda, mandando o guarda Miguel segurá-la e a Enedinaaplicar-lhe vinte bolos, dez em cada mão. Esta caprichou na execução. Terminada, o Miguel a segurou, passando a palmatória a Cremilda, esta com ódio que lhe redobrou a força sem piedade baixou o cacete, fazendo-a se contorcer de dor e desmaiar no último bolo. Ambas encharcadas de mixo e algo mais, foram mandadas embora com a recomendação de viverem em paz.
O Zé Doido evocou-me a lembrança do João do Rato e a Florisbela a Wanderléa Pão de Ló.
O primeiro apareceu aqui na época dos soldados da borracha. Era magro, muito alto, cabelos esticados com vaselina, comunicativo frequentava a sede do jornal Alto Madeira, bem acolhido por seu pessoal, se atrevendo escrever algumas matérias, as quais o Euro benevolente mandava publicar. Foi um dos primeiros moradores do bairro areal, tendo montado uma carpintaria. O acréscimo de rato ao seu nome decorreu de haver instalado no arraialde Nossa Senhora de Nazaré em frente a Catedral, um jogo que se constituía de um grande círculo, circudado por casinhas numeradas com uma única entrada. Os jogadores compravam fichas com números das respectivas casinhas. Era solto no centro do círculo um rato, na qual ele entrasse, era a premiada. Num megafone o João convidava o povo para jogar no rato da honestidade, no rato da lealdade e assim por diante, exaltando as qualidades positivas do rato.
Uma família enlutada encomendou-lhe o caixão, quando o cortejo fúnebre se dirigia ao cemitério, o fundo da ataúde se desprendeu e o defunto rolou pela rua, de ladeira a baixo. A família indignada publicou um protesto no jornal Alto Madeira, o detratando de todas as formas. Na edição seguinte era publicada a replica do João, concluindo-a afirmando que jamais um defunto reclamou da qualidade de seus caixões e pois em suspeição a sua elevadacompetência profissional. Portanto desconsiderava o deblateramento desse calhorda, porque o que vem debaixo não atingia a sua impoluta pessoa.
A segunda era uma senhorita que julgava ser a cópia fiel da cantora Wanderléa, em tudo a imitando, sendo apelidada de Wanderléa Pão de Ló. Aos domingos quando adentrava no Cine Resky, era ovacionada pela molecada, com aplausos e gritos a chamando de Wanderléa, Wanderléa, o que muito a envaidecia.
Aomesmo tempo circulava o aplaudidíssimo Roberto Carlos, no mercado, na praça e no cinema, motivando a alacridade da molecada.
A estória do cidadão que se transformava em hedionda porca feroz, apavoradora dos moradores da periferia, fez me lembrar de uma idosa senhora que morava solitária, em um chalé num amplo terreno situado na rua Prudente de Moraes, próximo ao cemitério dos Inocentes. Propalavam ser feiticeira, e que nas noites de quinta para sexta feira, metamorfoseava-se em matinta pereira um duende voador horrorizando os noctívagos com ofarfalhar de suas asas e com seus estridentes assobios.
O mapínguari, sempre acreditei em sua existência como sendo raro remanescente de preguiça gigante (megatério), habitante do continente americano. Também por ser inadmissível que tantas pessoas que afirmam o ter visto, ou suas pegadas e ouvido seus pavorosos gritos, sejam mitônamas. Entre essas o testemunho de irrefutável credibilidade, do padre Chiquinho (Francisco Pucci), contava que quando participava de uma das expedições de busca do tenente Fernando, oficial do exército, desaparecido na floresta do Rio Jamari, foi com seus companheiros despertado altas horas da noite, por estrondosos gritos que estremeciam a floresta, os deixando paralizados pelo terror. Ao amanhecer prosseguiram a caminhada, se depararam com uma gruta com pegadas de entrada e saída de um possante animal bípede, de grande peso, visto as marcas de seus calcanhares afundarem o solo. Os mateiros informaram ser a fera, o mapinguari.
Soube em 1971, em conversa com um veterano experiente de vivência na floresta, o Walter Gadelha, do aparecimento de um mapinguari no alto Rio Candeias, nas terras dos índios Caritiana, fera que com seus gritos, ocasionou a debanda dos seus empregados na pesquisa de cassiterita, o deixando só. Resolvi organizar uma expedição ao local de seus vestígios, assim constituída, o Walter coordenador, eu, mais dois colegas professores, o tio de um deles, proprietário do barco, o timoneiro e dois seus ajudantes. Sendo amigo particular do governador João Carlos Marques Henrique, freqüentador assíduo de sua residência, sabedor de sua admiração pelas estórias e mistérios da selva amazônica, consegui sua adesão e o custeio da excursão. No mês de junho aproveitando as férias escolares a realizamos. Porém ficamos frustrados, os índios nos informaram que o mapinguaria muito tempo não aparecia. Conformamo-nos em apenas visitar a gruta de sua morada.
O Lobisomem, na década de noventa apareceu um, na zona lestes da cidade apavorando seus moradores, principalmente os adolescentes e jovens masculinos. Uns cavalheiros arrojados decidiram capturar o bicho, o que conseguiram, descobrindo que não era um homo-lobo, mais sim um homo-viado.
A revista veja noticiou em termo de gozação, o aparecimento de um lobisgay na cidade de Porto Velho, estado de Rondônia.
A cobra grande, narra o Paulo, constar que na foz do Pacaás Novos morava uma descomunal sucurí, a qual após seu almoço fazia a digestão cestando deitada sobre as pedras da praia. Aqui havia uma também monstruosa moradora próxima ao pontão Aripuanã ancoradouro dos navios no Porto da Madeira-Mamoré, cuja predileção era engolir disciplentes pescadores noturnos postados no barranco ou no improvisado trapiche, conformenoticiou o jornal Alto Madeira, na edição de 28 de outubro de 1917, “Tragado pelas águas? Mais um infeliz Desaparecido no Insondável poção”.
O desaparecido foi o foguista Francisco Miranda, da guarnição do navio Belém, atracado no pontão Aripuanã.
Nossa política em Guajará Mirim e aqui em Porto Velho.
Nas hostes cutubistas de Porto Velho militava o Maranhão, magarefe muito conceituado, até bajulado, visto que de sua simpatia pelo individuo dependia deste conseguir obter no mercado um melhor naco de carne de boi magro boliviano.
Ele era arrogante, violento e impávido orador em todos os comícios. Num destes encerrou sua catilinária, com a frase: “ esses peles–curtas são uns incorrubúveis “.
O Coronel Aluízio Ferreira candidato a reeleição de Deputado Federal, lhe perguntou o que era ser incorrubuvel, ele respondeu, é o que são esses peles-curtas.
O Coronel Ênio dos Santos Pinheiro, candidato ao cargo de deputado federal, foi a Guajará Mirim e ao retornar se fez acompanhar pelo empresário Chico Torres, seu suplente. O Milton Lima governador em exercício, providenciou a instalação de luminárias desde a estação ferroviária até a praça Rondon, local de concentração do comício, programadas a se acenderem na passagem da passeata. No palanque foi dada a palavra ao Suplente. Este iniciou o seu pronunciamento, dizendo saber que alguns indivíduos membros do diretório eram contrários a sua candidatura, por ser ele ignorante, nem saber falar. Entretanto, lhes contrariando, estava ali discursando, que podia ser ignorante, mas não eraburro a prova disto foi haver escolhido para apoiar, o coronel Ênio o único homem capaz de dar luz.
Prosa Que Desemboca Em Saudade, reativa recordações guardadas no sótão dos esquecidos, mas que afloram quando melancólicos as evocamos de um longínquo passado porém tão presente, tão próximo, que com sensibilidade e mestria os revive em crônicas o Paulo Saldanha, que não tem vergonha de sentir saudade.
ABNAEL MACHADO DE LIMA
Membro daAcademia de Letras de Rondônia
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