Quinta-feira, 7 de agosto de 2014 - 12h04
Sou um leitor voraz, penalizado pelo conflito que a web estabelece, ao oferecer sempre mais informação do que o tempo me permite digerir. Daí a felicidade com que recebo a colaboração de amigos como Wedner e diversos outros, que dividem comigo a tarefa de produzir alguma coisa razoavelmente inteligente para gáudio e regozijo do meu seletíssimo e exigente grupo de leitores. Eis, portanto, um material de qualidade tal que o faz merecedor da leitura recomendada que submeto à sua consideração.
Antônio Caetano pinçou algumas frases em uma das inúmeras coletâneas de “pérolas” produzidas pelos jovens vestibulandos para demonstrar que uma leitura mais acurada permite identificar não apenas acertos, mas até mesmo uma boa dose de poesia, raciocínio lógico e brilhantismo nas respostas. Seus autores, com um pouco de boa vontade e inteligência, poderiam mais ser merecedores de louvores que jiribandas ou reprimendas. Leia o texto e delicie-se, pois:
"As constelações servem para esclarecer a noite". Bela frase, não? A mim, soa como Guimarães Rosa, o uso ambíguo do verbo esclarecer sugerindo algo de arcaico e místico. Um astrólogo certamente enxergaria nela vestígios simbólicos, as constelações servindo para aclarar a obscuridade de nossos destinos. Um marinheiro, por outro lado, veria na frase a expressão de uma verdade empírica: à noite, navegamos orientados pelas estrelas — conhecimento indispensável quando nos faltam instrumentos. Eu fico com a ressonância lírica — me basta.
Juro: se pudesse, roubava a frase para dizê-la como um comentário displicente depois de observar longamente o céu salpicado de estrelas numa noite de lua nova, lá no alto da serra. Sim, depois de um longo silêncio eu sussurraria ao teu ouvido num tom grave e sorrateiro: "As constelações servem para esclarecer a noite", e certamente mais duas estrelas se acenderiam no teu rosto, cheias de admiração pela sabedoria que eu teria se a frase fosse minha...
E nem seria difícil me apropriar da frase, visto que ela talvez hoje envergonhe seu autor anônimo, depois de ter sido enjeitada pelos bedéis do senso comum que julgaram as redações da galera que prestou vestibular para UFRJ este ano. Eles não só não gostaram da frase como a incluíram em uma mensagem eletrônica que fizeram circular pela Internet (eu só recebi agora) reunindo o que consideraram ironicamente como "pérolas": frases que continham erros mais ou menos crassos — fosse de informação, sintaxe ou grafia.
Há outras frases igualmente geniais. Por exemplo: "O Brasil é um país abastardo com um futuro promissório". Engraçadíssima síntese histórica, sociológica e econômica! E se há erro no uso do "abastardo", salva-se o "promissório" — que, basta consultar o Aurélio, serve de sinônimo de "promissor", sim — além de criar uma ambigüidade semântica digna dos melhores humoristas.
Outra na mesma linha: "É preciso melhorar as indiferenças sociais e promover o saneamento de muitas pessoas". Esta é irretocável! Nossa indiferença social é mais do que visível, é chocante, e certamente o saneamento de algumas pessoas poderia ser a solução — isto é, se crermos que certas pessoas são mesmo saneáveis... Um jovem sustentar essa esperança me enche de genuína alegria.
Outras duas me surpreenderam positivamente por seu evidente surrealismo: "A Geografia Humana estuda o homem em que vivemos". Ora, não sei se existe mesmo uma geografia humana, mas certamente não faltariam acadêmicos que defenderiam a ideia de que o homem é um produto da cultura e que, portanto, o homem antecede o homem — isto é, vivemos "em" um homem que nos é dado ou imposto sob a forma de uma língua, costumes, preconceitos e gostos que seria mesmo importante estudar, até para podermos saneá-lo.
A segunda diz assim: "A História se divide em 4: Antiga, Média, Moderna e Momentânea (esta, a dos nossos dias)". O.K., era pra se dizer "contemporânea", mas na velocidade em que anda a história o rapaz ou a moça foi talvez premonitório — ou deveria eu dizer promontório?
Finalmente, três frases que foram rejeitadas certamente apenas por seu tom coloquial, pois a verdade delas é tão cristalina que dispensa qualquer defesa: "Com a morte de Jesus Cristo os apóstolos continuaram a sua carreira." (E com enorme sucesso, ressalte-se). "Os pagãos não gostavam quando Deus pregava sua dotrina e tinham a ideia de eliminá-lo." (Está certo, faltou o u de doutrina, mas a ênclise chiquérrima compensa-a com sobras). "Entre os povos orientais os casamentos eram feitos "no escuro" e os noivos só se conheciam na hora h."
Pois é, eis aí exposta a diferença entre a ignorância e a burrice. Ignorância é falta de conhecimento. Burrice é preconceito travestido de conhecimento. O ignorante pode ou não ter consciência do que não sabe. O burro tem certeza de que sabe o que, na verdade, não sabe. O burro, enfim, privilegia o mediano, o medíocre, o conhecido e reiterado. Está condenado a repetir, cego, para a "milionária contribuição de todos os erros" de que falava Mário de Andrade — ou seria Oswald?
Bom, ficam desde já convidados os autores das frases citadas a comparecer a este jornal para receber a Comenda Mário de Andrade (ou será Oswald?) em reconhecimento a sua modesta, mas decisiva, contribuição ao nosso milionário acervo de erros. Pois, vítimas de um ensino dominado pelos burros, conseguiram dar um brilho de genialidade à própria ignorância. Parabéns e obrigado — minhas melhores esperanças repousam sobre vós.
O jornalista Antônio H. Caetano é carioca, foi repórter, editor e redator de publicidade, fez sambas e cometeu poemas.
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