O jornalista Carlos Sperança lembrou hoje, em sua coluna, uma frase que os pais diziam aos filhos ao aplicar-lhes um merecido corretivo: “Você tem muito medo e pouca vergonha”. Isso, claro, no tempo em que ainda não existia o tal do ECA. Carlão, contudo, equivocou-se ao aplica-la aos políticos. Pelo menos no que se refere aos envolvidos com os antigos, atuais e certamente futuros escândalos e operações policiais no âmbito do Legislativo, está comprovado que com certeza vergonha não têm. Mas medo também nenhum.
Nem a perspectiva de serem todos denunciados hoje ao Tribunal de Justiça pelo Ministério Público parece tirar alguns minutos de sono dos deputados indiciados na Operação Apocalipse. Confiam em que ocorra exatamente o mesmo que aconteceu com a Operação Termófilas, cujos acusados tiveram os processos judiciais bloqueados pela Assembleia. Existe, claro, uma tênue possibilidade de cassação para Ana da Oito e Adriano Boiadeiro.
Mas mesmo disso eles parecem não ter o menor receio, pois que medo mesmo demonstram ter os indicados para a relatoria da Comissão Processante, que inventam as mais esfarrapadas desculpas para se safar. Imaginam, não sem uma boa dosagem de razão, que o carrasco de agora talvez possa ser o primeiro da lista de enviados ao patíbulo na próxima operação. Melhor esperar que as coisas se acalmem, a poeira baixe e tudo caia naturalmente no esquecimento. Como no caso de Valter Araújo, de quem ninguém mais parece lembrar quem foi. E muito menos quer saber por onde anda.
É que se as coisas acontecem muito rapidamente em nosso País, elas voam por aqui. O importante agora é segurar as pontas e desviar o assunto para que nem mesmo a opinião pública altamente negativa possa ser adequadamente manipulada para não comprometer as perspectivas eleitorais no próximo ano. A ideia é encontrar outro fator de indignação popular e torcer pelo esquecimento do atual. Para os que têm boa memória, sempre restará a possibilidade de negociação – acreditam os envolvidos – pois que dinheiro não haverá de faltar. E como dizia Millôr Fernandes, dinheiro sujo não é problema. O problema é a falta de dinheiro.
HERMÍNIO PATROCINA ENCENAÇÃO
Um exemplo do que foi dito aí em cima foi oferecido agora pelo presidente da Assembleia, Hermínio Coelho, o HC – não confundir com habeas corpus. Ele articula uma reação ao projeto de minirreforma administrativa do Governo do Estado e manipula alguns servidores da Sead para justificar a realização de audiência pública sobre o assunto, com a desculpa de “dar satisfação à sociedade”. Quanta nobreza. "Noblesse obligue", diria meu amigo Matias endes. O que na verdade o deputado pretende é não colocar o projeto em votação até que o governo acate o PCCS dos servidores da Assembleia, que na verdade irá beneficiar igualmente os quase dois mil cabos eleitorais e laranjas ali comissionados.
A argumentação é ridícula, mas HC acha que pode colar. Pelo menos junto aos desavisados que, infelizmente, são maioria. A comissão de servidores que tenta reverter a proposta de transformar a Sead em Superintendência diz haver risco de ser atropelado o processo de transposição e até mesmo de demissões em massa, como ocorreu no governo Bianco. Pura enrolação. As demissões efetivadas por Bianco foram impostas pelo governo federal, via STN, sob pena de bloqueio do Fundo de Participação do Estado, o que não acontece agora.
O processo de transposição vai prosseguir, tenha a Sead o nome ou classificação que tiver, já que é até mais importante para as finanças estaduais de que propriamente para os servidores. Poderão, sim, correr cortes, com a redução do número de cargos comissionados. Mas isso é coisa que se resolve com uma canetada e independe da Assembleia, de audiências públicas ou de qualquer manifestação forjada, já que os cargos não precisam ser extintos: basta desocupá-los. Melhor HC tentar outra, pois que essa não convence.
ANA DA OITO EXIGE RESPEITO
É, no mínimo, engraçado o discurso da deputada Ana da Oito no plenário da Assembleia, cujo vídeo circula na internet. A ilustre parlamentar escabelava-se, literalmente furiosa, por não ter recebido um tal de “autorizo” da Casa Civil para liberação de emendas parlamentares de R$ 1,1 milhão. E, quase aos berros, absolutamente destemperada, exigiu respeito. Repetiu a palavra 38 vezes, como se tivesse do significado a mais comezinha noção. Melhor seria se tivesse exigido piedade.
Ou Ana da Oito apagou convenientemente da memória a Operação Apocalipse na qual foi indiciada por ter negociado metade de seu mandato com os narcotraficantes, com direito a contrato registrado em cartório, ou está absolutamente certa da impunidade. Quem sabe espere ser punida com uma severa advertência ou, se houver maior severidade na Comissão Processante, pegar um novo afastamento de trinta dias e estamos conversados. Conseguir o apoio da casa para impedir um eventual processo na Justiça é coisa fácil. Ela já conseguiu antes. E tome desfaçatez.
A atitude de Ana da Oito, contudo, não surpreende a mais ninguém. Não se ouviu em Plenário qualquer manifestação, qualquer protesto por tamanha indignidade. Cada uma das presenças naquela Sessão parece ter acionado a tecla “dane-se”.
Domingo, 24 de novembro de 2024 | Porto Velho (RO)