O que o governo tem a ver com isso? Tudo. Enquanto a imprensa finge desconhecer, o secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho, comanda a balbúrdia. Ele é o chefe direto de Paulo Maldos, ex-marido da atual presidente da Funai, Marta Maria Azevedo, responsável por mais esta verdadeira bandalheira na fazenda Buritis, em Mato Grosso, em Lábrea, em Belo Monte, e perto de acontecer em Guajará-Mirim e Extrema, além da incorporação da reserva extrativista de Ouro Preto do Oeste e da reserva ambiental Pakáas Nova, essas duas em discussão na Justiça. A Justiça suspendeu a reintegração de posse, conforme queria o governo. O jornalista Reinaldo Azevedo observa que os índiosEntão ficamos assim: os índios invadiram a área contra a lei, destruíram a sede da propriedade, responderam à ação da polícia a bala, receberam autoridades a tiros — e atiraram para matar, o que só não aconteceu porque os policiais usam colete de proteção —, rasgaram o mandado de reintegração e disseram: “Daqui não saímos”. Índios, porque índios, podem ignorar a Justiça brasileira? Não podem.
Rui Fabiano lembra que não é de bom tom, nem muito menos progressista ou politicamente correto afrontar a causa indigenista. Afinal, o Brasil pertencia aos índios e lhes foi tomado pelo invasor europeu. Deve-lhes, portanto, eterna reparação, que, diga-se, não tem sido negligenciada. A Constituição Federal dedica-lhes todo um capítulo (o oitavo), com dois artigos (o 231, com sete incisos, e o 232), garantindo-lhes direito originário sobre suas terras. Nenhum outro segmento da população desfruta de tal regalia. Além de dispor de um órgão federal só para atendê-los, a Funai, e outro, a Funasa, para lhes dar assistência médica e sanitária, podem ainda, como os demais cidadãos, utilizar os serviços do SUS (o que não chega a ser sedutor).
Apesar de todo esse assistencialismo, cuja justeza aqui não se discute (não é o ponto), os porta-vozes da causa insistem no abandono desses brasileiros e acham insuficientes as terras que já lhes foram demarcadas. E aí começa a ocultação de dados, vitais para que o tema seja posto em suas devidas proporções. Os índios são, os maiores latifundiários do país, embora continuem pobres e carentes, mesmo dispondo de mais de cem mil ONGs (uma para cada oito índios) a eles devotadas. Tais paradoxos, claro, não frequentam as discussões públicas do tema. São inconvenientes. Os recentes conflitos, envolvendo produtores rurais e índios, não decorrem, como se sustenta, da tentativa de reduzir ou subtrair suas terras. Trata-se do contrário: a Funai quer ampliá-las, ainda que sem base legal, incitando invasões de fazendas. Acha insuficientes os 13% já demarcados e quer estendê-los para 20%.
O Conselho Missionário Indigenista (CIMI), coadjuvante da Funai na defesa de um índio eternamente primitivo, ente da natureza – como as onças e as capivaras -, quer mais: além das áreas que a Funai já relacionou, pretende incluir outras 322. O resultado são os conflitos, em que os índios, massa de manobra de uma antropologia retrógada e ideológica, se expõem à violência e não melhoram sua condição. Os proprietários da fazenda Buritis, em Mato Grosso do Sul, cenário do conflito em que um índio terena morreu em confronto com a polícia, têm documentação de posse datada de 1927 – e desde então nenhum índio aparecera por lá para postular a propriedade em nome dos seus ancestrais.
No mesmo dia dos conflitos na fazenda Buritis, índios mundurucus voltaram a invadir o canteiro de obras da hidrelétrica de Belo Monte, para reclamar de invasão de suas terras. Ocorre que suas terras ficam a 800 quilômetros dali. Alguém os organizou e os embarcou em ônibus, numa viagem de 24 horas, para um protesto que paralisou as obras e pôs em risco a segurança dos trabalhadores e dos próprios índios, que chegaram armados e dispostos a brigar.
Não foi a primeira e nem provavelmente será a última tentativa de usar os índios para embargar uma obra que, embora o governo federal a considere vital para o desenvolvimento da região, a Funai, a ele (em tese) subordinada, discorda. Cada dia de obra paralisada em Belo Monte custa R$ 10 milhões do nosso dinheiro. Esse prejuízo, desde o início da obra, em 2011, já chega a R$ 1 bilhão. E não é fato isolado. Por aí se vê que há algo mais que devoção antropológica ou desejo de reparação em pauta. Há, sim, interesses, e graúdos, que passam ao largo da discussão do tema e são ignorados pela sociedade brasileira.