Claro que não terá sido assim, mas o certo é que o falastrão cocalero calou-se. Dele não se ouviu um pio sobre as enchentes que assolam seu país e pelo qual ele responsabiliza desde sempre as usinas do Madeira. Comenta-se em Brasília que emissários de Lula procuraram Morales e pediram, “em nome da irmandade bolivariana”, que poupe o governo brasileiro nesse período pré-eleitoral. O presidente da Bolívia já disse ao senador Raupp que irá exigir o ressarcimento dos danos. Consta que seus advogados já estão preparando ações judiciais mas, pelo visto, vão deixar o assunto para depois das eleições. Com certeza Evo será atendido, qualquer que seja o resultado.
Quatro dos nove Departamentos (estados) do País vizinho estão literalmente submersos, em uma confirmação ampliada daquilo contra o que as autoridades bolivianas têm reclamado desde o início das obras de Jirau. Chaves fez uma única visita às áreas atingidas e tudo o que fez foi conclamar a população a abandonar a região e nada mais foi dito. Todos os protestos e exigências de reparação financeira ficam por conta dos dirigentes dos Departamentos atingidos. Todos de oposição, vale lembrar.
É claro, também, que a pressão do governo boliviano poderia amplificar o coro dos descontentes com o tratamento dado pelo governo brasileiro à tragédia que atinge nossa região, claramente decorrente da falta de planejamento ambiental na implantação das barragens. Disso os especialistas asseguram que não há como Santo Antônio e Jirau se esquivarem. Basta um simples comparativo com a hidrelétrica de Tucuruí para perceber a disparidade. Tucuruí, no rio Tocantins, foi construída com vertedouros para até 110 mil metros cúbicos por segundo. As barragens do Madeira, com volume de água muito maior, possuem vertedouros menores, com previsão máxima de 84 mil m3/s.
Embora respondam com evasivas irônicas a qualquer questionamento sobre a ausência de estudos de análise de riscos no planejamento original, nenhuma das usinas possui. Tudo foi conduzido – e aprovado - a toque de caixa para atender ao anseio por energia farta e barata do lado governamental. E à avidez comercial dos consórcios. As perspectivas de efeitos desastrosos nos chamados impactos de vizinhança sempre foram tratadas como algo que se ajeita mais adiante. A prioridade foi e ainda é produção comercial. O problema é que com a elevação das águas não há uma disparidade entre montante e jusante suficiente para a operacionalização das turbinas. Elas são horizontais mas nem tanto. Tem que haver espaço para a água sair com força, caso contrário não funcionam.
Esta, sim, é a principal preocupação do governo – danem-se os atingidos pela catástrofe. Todo o raciocínio é quantificado em votos. Se Rondônia estiver submersa mas não houver racionamento de energia no resto do país, cuja produção hidrelétrica está perigosamente próxima de tornar inevitável a providência, então o custo/benefício é considerado amplamente favorável para a eleição dos gafanhotos petistas bolivarianos. Rondônia, com menos de dois milhões de votos seria uma perda aceitável.
Não sou vidente, messiânico ou catastrofista como chegaram a dizer alguns pascácios que, agora, constatada a dimensão da tragédia, enfiaram as respectivas violas nos locais adequados. Mas é óbvio que vem mais desastre por aí, especialmente quando as águas baixarem. O asfalto alagado vai desaparecer. Da mesma forma que os barrancos das margens do rio e até algumas comunidades ribeirinhas. A recuperação vai custar provavelmente metade do custo de uma usina. E o governo não terá caixa para nos socorrer, pois com certeza irá atender prioritariamente à Bolívia. E nem o Doutor Pangloss seria tão otimista a ponto de afirmar que os alagamentos deste ano possam ser apenas “um ponto fora da curva”.
Domingo, 24 de novembro de 2024 | Porto Velho (RO)