Não pode haver entendimento diverso: os deputados estaduais que participaram da audiência pública realizada na manhã de ontem em Pimenta Bueno estão convencidos de que somos idiotas todos nós. Eles parecem acreditar sinceramente naquilo que pregam os dirigentes do Fefa em defesa de sua parceria privada com dinheiro público. Brilhante. Eu também queria uma dessas. O sistema simplesmente quer continuar arrecadando a “contribuição” obrigatória dos produtores para dizer que é seu o trabalho que a Idaron realiza, que sem o dinheiro público, escandalosamente arrecadado para a entidade privada, Rondônia ficará novamente sujeita a focos de aftosa e à perda da condição de estado livre de aftosa com vacinação. E que a economia estadual está literalmente dependente do Fefa. Magistral.
De nada adiantou a argumentação do ex-deputado Tomás Correia, que entrou sem ser convidado e comprovou a ilegalidade da situação – com endosso da Justiça e do Tribunal de Contas, que determinaram a destinação das taxas aos cofres do Idaron. Nossos ilustres parlamentares estão de tal forma acostumados a administrar dinheiro público em bolsos particulares que consideram absolutamente normal a continuidade da mamata. Acreditam que em time que está ganhando não se mexe. Só não dizem quem está ganhando e quem paga a conta, já que os menos de 200 associados admitidos no Fefa são quase todos eles empresários que negociam equipamentos e insumos e não pagam coisa alguma.
O fundo só arrecada dos produtores, pois a “contribuição” está embutida nas guias de transporte do gado emitidas pela Idaron e, não fosse a obstrução do judiciário e do TCE, continuariam, destinadas religiosamente aos cofres do Fefa. Coisa boa. A parceria público/privada pressupõe investimentos de ambas as partes para a realização de um objetivo comum. O dinheiro não pode ser apenas público. E é exatamente isso que nossos deputados não conseguem entender. Se alguém perguntar arrisca-se a ouvir o deputado responder com a mais deslavada “inocência”; “Quer dizer que não pode?”
Segundo release da Assembleia, o deputado Luiz Cláudio presidiu a mesa e destacou os “grandes avanços” que o estado conquistou através da iniciativa privada e de todos os órgãos federais. E que o trabalho do Fefa é um exemplo para o Brasil e para o mundo. “Há 10 anos Rondônia passava por dificuldades, não tinha como exportar e não estava livre da febre aftosa. O título de zona livre de febre aftosa foi obtido com a participação privada. A verdadeira democracia tem que ter a participação do povo e essa conquista foi com a participação popular, do pequeno e médio produtor, do funcionário público”. Não dá para saber se por esquecimento ou cara-de-pau o deputado deixou de creditar à Idaron o mérito que procura atribuir ao Fefa, que não é exemplo de coisa alguma.
Mas como estava ali exatamente para defender o sistema, Luiz Cláudio foi fundo: parabenizou o presidente do Fefa, José Vidal, “que realizou um trabalho transparente e eficaz”, disse ser aquela a instituição mais idônea do estado e que “não podemos desconstruir o que foi feito com muita dedicação, nem perder o espaço que conseguimos no comércio exterior”. Ou seja: mentiu desavergonhadamente e ainda ameaçou o estado, advertindo que “o Governo tem que decidir qual é o melhor caminho para Rondônia”.
Os demais deputados seguiram no mesmo diapasão, com uma desfaçatez estarrecedora. Neodi Carlos (PSDC) lembrou que em 1998, Rondônia não podia exportar carne com osso e graças ao Fefa a situação mudou. “Não podemos deixar o estado regredir. Tantos anos para verificar que tinha algo errado e só agora o Ministério Público viu isso. Daí fica a pergunta: Por que não viram isso antes? É preciso de uma reflexão para saber onde está o erro”, indagou.
Neodi disse ainda que Rondônia não pode ficar à mercê de uma situação que vai tirar o entusiasmo dos pecuaristas. Defendeu que essa parceria entre o Fefa e o estado deve continuar. Afirmou que os empregos, a renda, a arrecadação e os salários em dia dos servidores públicos estaduais dependem mesmo da pecuária, pois Rondônia é um estado agrícola. “Não podemos perder a essência do estado que é o setor produtivo primário. Não queremos o fim do FEFA, essa é a fala de qualquer agricultor e de todo pecuarista”. A mesma conversa fiada foi desfiada em seguida por Glaucione, Adriano Boiadeiro, Lebrão, Ana da Oito e Valdivino Tucura.
O deputado Valdivino Tucura (PRP) salientou que a parceria precisa continuar para que Rondônia garanta seu desenvolvimento. Também lamentou a ausência do Tribunal de Contas e do Ministério Público. “Quando cai a arrecadação do Estado e o repasse aos Poderes diminui, dizem que o Governo é incompetente”. Propôs que a ALE crie uma comissão de deputados para colaborar na elaboração do projeto para regularizar a parceria com a iniciativa privada. “Faço questão de fazer parte desta comissão e que a mesma conte com representantes do MP e do Tribunal de Contas”, sugeriu. Mas aí estarão mexendo no time e os dirigentes poderão deixar de ganhar. Quando nada, serão obrigados a aceitar o ingresso dos produtores na entidade, hoje proibido.
O presidente da Idaron, Marcelo Borges, esclareceu que não tem como negar a historia de como se constituiu a agropecuária do estado. Defendeu que a parceria precisa e tem que existir entre os poderes. Mas advertiu: “É preciso separar o dinheiro público do privado. Não adianta criar lei sem resolver os problemas. É preciso de uma lei que sirva para sempre, sem questionamentos jurídicos”, afirmou. Declarou que hoje o estado não está preocupado com questões ideológicas e disputas políticas. E que “se quisermos exportar carne para Europa, temos que provar que temos uma Agência que trabalha para o Governo de Rondônia e não para governantes”.
O secretário de Estado da Agricultura, Evandro Padovani, foi diplomático, tirou o corpo fora e ressaltou que o Fefa tem feito um grande trabalho. “Temos que valorizar e fomentar sua defesa. Nunca houve uma ação do Governo para acabar com o Fefa, mas temos que cumprir as ações do Judiciário e do Tribunal de Contas. Temos adesão de 100% das indústrias frigoríficas, indústrias de ração e creio que os laticínios também irão participar do Fefa. Só temos que adequar essa parceria público-privada. Garanto que não vamos criar outro Fundo. Agradeço o trabalho da Assembleia Legislativa por entrar nessa discussão. O governador deu um prazo de 30 dias, para que numa discussão conjunta, encontremos uma alternativa viável para encaminhar para o Poder Legislativo uma proposta encontrada em consenso com todos os segmentos”, ressaltou.
Ao final Evandro Padovani recebeu três propostas que serão analisadas e haverá uma reunião na próxima semana, com data ainda a ser marcada, com uma comissão de deputados e a participação do Ministério Público e Tribunal de Contas. Vamos ver no que vai dar.
Domingo, 24 de novembro de 2024 | Porto Velho (RO)