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Dom Moacyr

A conversão de Paulo


A conversão de Paulo Apóstolo foi celebrada nessa semana. Ele foi uma das figuras que marcou, de forma decisiva, a história do Cristianismo, o apóstolo que anunciou o Evangelho em todo o mundo antigo, sem nunca vacilar perante as dificuldades, os perigos, a tortura, a prisão ou a morte.

Nasceu na cidade de Tarso, na Sicília, numa família judaica na diáspora, mas com cidadania romana. Paulo não foi primariamente um escritor, mas um rabino convertido na célebre "Visão de Damasco" (At 9,1-19; At 22,4-21; At 26,9-18) que percorreu milhares de quilômetros, anunciando de cidade em cidade o "Evangelho" da morte e ressurreição de Jesus. Morreu em Roma, no ano 67.

Paulo assimilou o sistema teológico dos cristãos de origem helenista, que antes perseguia, e começou a pregação contra o sistema judaico, que antes seguia com rigor de fariseu. Os próprios judeo-cristãos de Jerusalém foram certamente poupados na sua "perseguição" ao Cristianismo nascente, porque salvavam a relação umbilical entre Cristo e Moisés e não pareciam a Paulo mais do que um "desvio" farisaico.

Esta inculturação do Evangelho na cultura helenista, levou Paulo, homem da cidade, a utilizar uma linguagem mais teológica e abstrata, própria do ambiente evoluído em que pregou o Evangelho, em contraposição com a linguagem campestre utilizada por Jesus no ambiente agrícola e pastoril da Palestina.

Embora em clima polêmico, Paulo confessa: “Fui circuncidado no oitavo dia, sou da raça de Benjamim, hebreu filho de hebreus; quanto à observância da Lei, fariseu; no tocante ao zelo, perseguidor da igreja; quanto à justiça que vem da Lei, irrepreensível”(Fl 3, 5-6).

O Cardeal Martini, no livro “As confissões de Paulo”, o qual, recomendo a sua leitura, escreve:

Pertencem à história gloriosa de Paulo:Ser circuncidado no oitavo dia; não era como os pagãos, chamados por desprezo de incircuncisos, no sentido de malditos, abandonados, aqueles com os quais Deus não parece preocupar-se; ser da estirpe de Israel: do povo eleito, luz das nações; ser da tribo de Benjamim: conheço o meu passado, os meus antepassados, o vínculo que me une ao filho de Jacó; ser Hebreu de hebreus: as posses recebidas, isto é, pai, mãe, avós, todos desta gloriosa geração; ser fariseu quanto à lei: isto é, hebreu de estrita observância, do rigor moral mais absoluto, que mais conhece a Lei, que mais vive as tensões espirituais profundas do judaísmo. Fariseu era nome glorioso que sublinhava o compromisso de vida vivida no âmbito da lei, com grande carga moral interior; ser irrepreensível quanto à justiça que deriva da observância da lei: é a mesma palavra de louvor aplicada a José: homem justo. Assim são descritos também os pais de João Batista, Joaquim e Ana: ambos eram justos. O louvor máximo que se pode dar do ponto de vista bíblico, Paulo o aplica a si.

Quanto ao zelo, ser perseguidor da Igreja: o dito acima explica sua intolerância contra os cristãos e a necessidade de exterminá-los, porque compreendia muito bem que eles iam precisamente à raiz daquele tesouro. Porém, depois da luz de Damasco, Paulo reinterpretando o passado a partir de Cristo, confessa: “Antes blasfemava, perseguia e agia com violência. Mas alcancei misericórdia, porque agia por ignorância”(1Tm 1, 13).

Na pregação sobre a conversão de São Paulo, o bispo emérito de Uruguaiana, Dom Ângelo Domingos Salvador, fez a seguinte reflexão:Quando, no caminho de Damasco, Cristo disse: Saulo, Saulo, por que me persegues? Que Deus, por Cristo, revelou a Paulo? Quando Paulo escutou: Saulo, Saulo, por que me persegues? que entendeu, compreendeu e descobriu ? Em síntese, podemos dizer: Deus, comunicando-se a Paulo, revelou a ele que “Cristo está nos cristãos”, e “os cristãos estão em Cristo”. E Paulo, ouvindo a Palavra de Deus, por Cristo, descobriu, deslumbrado, uma desconcertante e até então não revelada forma de relação entre Deus e os seres humanos: Quem persegue os cristãos persegue a Cristo, e, logicamente, quem persegue a Cristo persegue os cristãos, porque Cristo está nos cristãos, e os cristãos estão em Cristo.Assim, Paulo, com deslumbramento, plena consciência e alegre certeza, deu-se conta, de repente, por iluminação divina, que:

1) Deus revelou-se a ele. Deus se manifestou a ele. Deus lhe dirigiu a palavra. Deus demonstrou interesse por ele. De fato, Paulo reconhece que “recebeu o Evangelho por revelação de Jesus Cristo”(Gl 1, 12);

2) Deus revelou a ele seu Filho, Cristo Jesus. Certamente, Paulo tinha notícia de Jesus, mas era mera notícia de alguém, visto como um vulgar rebelde à Lei de Moisés. Agora, Jesus lhe é revelado e Paulo descobre-o em todo seu significado. Antes, grande e central era a Lei de Moisés; agora, grande e central é Jesus Cristo.

3) Deus revelou seu Filho nele e ele no Filho, ou seja, o Filho está nele e ele está no Filho: Cristo está nele e ele está em Cristo. Então , ele, Paulo, em Cristo é “filho no Filho”. Da mesma forma, Cristo, em Paulo, é “Filho no filho”.

O apóstolo Paulo foi alguém que conseguiu viver a mensagem de Jesus Cristo na integralidade. Padre Alberionechegou a afirmar que “a Família Paulina tem somente uma espiritualidade: viver integralmente o Evangelho; viver o divino Mestre enquanto “Caminho, Verdade e Vida”; vivê-lo como o entendeu o seu discípulo são Paulo”. De fato, as palavras de Paulo aos gálatas “eu vivo, mas já não sou eu que vivo, pois é Cristo que vive em mim” (Gl 2,20), expressam a sua adesão total ao projeto de Jesus.
Ser cristão é viver e seguir a Cristo. Seguir a Cristo, que nos sinóticos é sinônimo de ter fé, significa tentar, dentro da vida, viver o mesmo comportamento e atitudes que Cristo viveu: total abertura filial para com Deus, amor indiscriminado a todos, amigos e inimigos, e anúncio alegre de um futuro feliz para nosso mundo, chamado Reino de Deus.

Cada cristão pelo batismo é convidado a viver esta novidade de vida. Contudo, “não se começa a ser cristão por uma decisão ética ou uma grande idéia, mas pelo encontro com um acontecimento, com uma Pessoa, que dá um novo horizonte à vida e, com isso, uma orientação decisiva” (DCE 1).

São Paulo é o modelo do verdadeiro apóstolo missionário; profundamente transformado por iluminação divina no Caminho de Damasco, podemos vê-lo, entre outras, com as seguintes características de apóstolo missionário:Era “outro” apóstolo. Não integrante do grupo dos 12, tinha plena consciência de ter sido chamado diretamente pelo Senhor. Reconhecia-se com a identidade de“outro” apóstolo.Procedente do judaísmo, em sua apostolicidade, Paulo partia de “outro” fundamento. Não mais a Lei de Moisés, nem mesmo a Lei de Jesus Cristo e sua doutrina: Paulo tinha por fundamento a pessoa do próprio Senhor Jesus Cristo. Ele é que é nosso único salvador.Para ser “outro” Apóstolo e anunciar “outro” fundamento, Paulo dirigiu-se a “outro” povo. Ora, o “outro” povo encontrava-se em “outros” lugares. Paulo sempre teve como horizonte, anunciar o “outro” e único fundamento, Jesus Cristo, lá aonde outros ainda não tinham ido.

O “outro” povo, em “outros” lugares, possuía “outra” cultura. O protótipo desta situação é o povo grego, com quem se encontrou, em situação singular, no Areópago de Atenas. Seu encontro com a cultura ateniense é o mais original ensaio de anúncio inculturado do Evangelho.Com “outro” fundamento, junto a “outro” povo, encontrado em “outros lugares”, possuidor de “outra” cultura, Paulo dedicava-se predominantemente a “outra” atividade: Não tanto “batizar”, o que delegava a seus auxiliares e continuadores nas Comunidades por ele formadas, mas evangelizar, a primeira evangelização, pelo anúncio de Jesus Cristo, o “outro” e único salvador.

A exemplo de Paulo, sejamos assim: “Continuo correndo para alcançá-lo (e ganhar Cristo e ser encontrado unido a ele), visto que eu mesmo fui alcançado por Cristo Jesus. Eu não julgo já tê-lo alcançado. Uma coisa, porém faço: esquecendo o que fica para trás, lanço-me para o que está à frente. Lanço-me em direção à meta, para conquistar o prêmio que, do alto, Deus me chama a receber, no Cristo Jesus”. É para ser assim que Paulo nos diz: “Sede meus imitadores, todos vós, todos juntos”, coletivamente (Fl3, 12-14.17).

Fonte: Arquidiocese

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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