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Gente de Opinião

Dom Moacyr

A força dos pobres!


 
 
Iniciamos o mês de novembro celebrando o dia de Finados e de Todos os Santos.
 
“Creio na comunhão dos santos”, assim professamos. A universalidade é a primeira característica desta solenidade. As mulheres e os homens que integram o calendário anual dos santos e dos beatos da Igreja são muitos, mas os que estão inscritos no Livro da Vida, o registo de Deus, são infinitamente mais.
 
Hoje, “celebramos os justos do passado, nossa vocação à santidade futura e a santidade como dom (graça) presente” (Konnings).
 
Hoje, dirigimos a Deus “ação de graças por ter suscitado na Igreja uma imensa plêiade de Santos, que ninguém pode enumerar (Ap 7,9): não só aqueles que festejamos durante o ano litúrgico, mas também os Santos anônimos, que só Ele conhece. Mães e pais de família que, na dedicação diária aos filhos, contribuíram eficazmente para o crescimento da Igreja e a edificação da sociedade; sacerdotes, religiosas e leigos que, como candeias acesas diante do altar do Senhor, se consumaram no serviço ao próximo necessitado de assistência material e espiritual; missionários e missionárias, que deixaram tudo para levar o anúncio evangélico a todas as partes do mundo” (J.Paulo II).
 
A festa de Todos os Santos é momento oportuno para uma revisão da caminhada da comunidade. Olhando para os que nos precederam, santos e mártires, a comunidade é convidada a se questionar sobre seu caminho de santidade. Somos filhos de Deus. Nossa filiação, porém, se traduz na prática da justiça (1Jo 3,1-3)que se traduz na vivência das bem-aventuranças (MT 5,1-12a). Ao tentar vivê-las, os cristãos deparam com conflitos, calúnias, perseguições e morte patrocinados pela sociedade estabelecida que não aderiu ao projeto de Deus. O que isso significa para nós: desgraça ou felicidade? A memória dos mártires da caminhada é esperança e conforto: Jesus tem a última palavra sobre os conflitos e as forças do mal. Urge à comunidade denunciar e resistir em meio às tribulações (Ap 7,2-4.9-14). Não há outro caminho de santidade.
 
“As bem-aventuranças traçam a imagem de Cristo e descrevem sua caridade; exprimem a vocação dos fiéis associados à glória de sua Paixão e Ressurreição; iluminam as ações e atitudes características da vida cristã; são promessas paradoxais que sustentam a esperança nas tribulações; anunciam as bênçãos e recompensas já obscuramente adquiridas pelos discípulos; são inauguradas na vida da Virgem Maria e de todos os santos” (CIC 1717).
 
”O missionário é o homem das bem-aventuranças” (RM 91). Ele anuncia em toda a parte, com a vida e a palavra, o plano de Deus, que enviou o seu Filho, Jesus de Nazaré, para dar a todos vida e felicidade em abundância.
 
No discurso apostólico (Mt 10), Jesus dá instruções aos Doze, antes de enviá-los a evangelizar, indicando-lhes os caminhos da missão : pobreza, humildade, desejo de justiça e paz, aceitação do sofrimento e perseguição, caridade que são precisamente as bem-aventuranças, concretizadas na via apostólica. “Fica assim, claro, desde o princípio que a nova sociedade, o reino de Deus, se fundamenta na solidariedade, exclui o fanatismo religioso e não deve ser implantada mediante a violência, o domínio e a guerra”.
 
O primeiro passo a ser dado para a criação desta nova solidariedade é a mudança de vida (convertei-vos) que Jesus pede em conexão com o anúncio do Reino; sem mudança profunda de atitude pelo homem, mudança que o leva a romper com o passado de injustiça, não há possibilidade alguma de começar algo novo.
 
“A opção do homem pelo Reino de Deus não se detém na ruptura com a injustiça, supõe ainda compromisso pessoal, com o que Jesus assumiu no seu batismo, de doar-se e dedicar-se, por amor à humanidade, à tarefa de criar uma sociedade diferente” (J. Mateos, F. Camacho).
 
A razão da felicidade dos pobres está em Deus. As bem-aventuranças nos dizem quem é Deus: ele não é neutro, mas está ao lado dos pobres. Ele, como Rei justo, não tolera a injustiça e a situação dos pobres. Ele toma partido e quer mudar a situação. “Só por este motivo, os pobres merecem uma atenção preferencial, seja qual for a situação moral ou pessoal em que se encontrem
 
(P.1142). As bem-aventuranças nos dizem também qual é a função de Jesus: é por meio dele que Deus inaugura seu Reino.
A mensagem fundamental da missão é a esperança contida na ressurreição de Jesus Cristo como vitória da vida e da justiça. A esperança não deve ser imaginada como progresso quantitativo, numa sociedade em classes. No horizonte da esperança está uma sociedade que supera a divisão de classes sociais. Essa esperança não é nossa obra, mas nosso dom. Nós não construímos a esperança; nós a recebemos como dom, como energia que vai além de cálculos e benfeitorias humanas. O dom não dispensa o próprio esforço. Vivemos essa esperança na partilha dos bens e dos dons, nas causas do Reino que defendemos e na articulação dos poucos que somos. A missão é o permanente anúncio da vida como possibilidade num mundo de conflitos, de miséria, violência e mortes que não fazem sentido (P.Suess).
 
As bem-aventuranças marcam, no Evangelho de Mateus, o início do Sermão da Montanha (Mt 5,1-7,28), a nova constituição do povo de Deus.
 
“Felizes os pobres em espírito porque deles é o reino dos céus”. Cristo promete a todos a felicidade: "Busquem primeiro que reine a justiça (o Reino e sua justiça), e tudo isso lhes será dado por acréscimo” (Mt 6,33), e não há dúvida: a Felicidade está neste acréscimo.
 
“Bem-aventurados os perseguidos por causa da justiça (ou da fidelidade à primeira opção: ser pobre), deles é o Reino dos céus”. A quem se toma responsável pela felicidade do próprio irmão, Jesus garante que o próprio Pai cuidará de sua felicidade (Mt 6,33; 25,34).
 
Existe o sofrimento e a fé de quem sofre por causa de Cristo. E em tudo isso há uma constante. A palavra “bem-aventurança” indica alegria, felicidade. A existência que se modela sobre as bem-aventuranças é paradoxalmente uma existência alegre, algo melhor (não algo que se deva suportar em vista do prêmio final). É também um sacrifício, estamos de acordo, mas é uma bem-aventurança. A última bem-aventurança, que completa a primeira, expõe a situação em que vivem aqueles que fizeram a opção pelo Reino. A sociedade baseada na ambição de poder, de glória e riqueza (4,9), não pode tolerar a existência e a atividade de grupos cujo modo de vida nega a base de seu sistema. Consequência inevitável da opção pelo Reino de Deus é a perseguição.
 
No entanto a perseguição não representa um fracasso, mas um êxito e, embora em meio a dificuldades, representa uma fonte de alegria, pois o Reino de Deus realiza-se eficazmente nessas pessoas.
 
“Felizes os que têm fome e sede de justiça, eles serão saciados”. Ter fome e sede de justiça é aspirar com toda a alma a uma perfeita conformidade com a vontade de Deus. A fome e sede indicam o desejo veemente de algo indispensável para a vida. A justiça é tão necessária ao homem quanto a comida e a bebida; sem a justiça, em seu sentido evangélico, o ser humano se encontra em estado de morte. Na sociedade humana segundo o projeto de Deus, no Reino de Deus, nenhum sinal de injustiça permanecerá... Nossa fome e sede de justiça serão saciadas. A justiça das bem-aventuranças inclui, é claro, a justiça social, exigida com toda força pelos profetas: “Ai de vós que vendeis o justo por dinheiro e o pobre por um par de sandálias” (Am 2,6). Justiça segundo a tradição bíblica significa amor que age: é compaixão, ajuda aos pobres, solidariedade comprometida. A justiça tende à fartura. A injustiça e divisão, necessidade, escravidão.
 
A justiça das bem-aventuranças, repito, inclui a justiça social, mas vai muito além. Os que têm fome e sede de justiça batem à porta de Deus: Dai-me um coração bom, justo, santo; que eu seja perfeito na misericórdia como vosso Filho nos pede; que nosso alimento seja fazer a vossa vontade. Bater pela oração à porta de Deus e esperar a sua resposta. Ao mesmo tempo os que têm fome e sede justiça devem esforçar-se para fazer deste mundo uma casa de irmãos, uma casa de justiça. Dessa maneira tornam possível a chegada da fartura que será a plenitude da justiça. Justiça, no fundo, é perfeita coerência do cristão com tudo o que Jesus viveu e ensinou. Justiça em S. Mateus é fazer a vontade do Pai.
 
As bem-aventuranças, no seu conjunto, são uma primeira descrição concreta das exigências de Deus a respeito do homem, da "justiça" que Ele espera de nós.

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