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Dom Moacyr

A Palavra de Deus na missão da Igreja



Encerrando o mês bíblico, somos impulsionados pelas Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil (5-10) a responder aos novos desafios, neste período de profundas e sucessivas mudanças que afetam o nosso mundo, proclamando com coragem, entusiasmo e criatividade a mensagem perene do Evangelho para que nossos povos tenham a vida nova de Jesus Cristo que atinge o ser humano por inteiro e desenvolve em plenitude a existência humana em sua dimensão pessoal, familiar, social e cultural. Toda a missão de Jesus Cristo consistiu em levar à humanidade esta vida divina manifestada em suas palavras e concretizada em suas ações. O Reino que proclamava era de fato um Reino de Vida.

O conteúdo central da missão é levar vida plena a todos e toda a atividade missionária é compromisso e empenho por uma vida mais digna em Cristo. Porém, as condições de vida de muitos abandonados, excluídos e ignorados em sua miséria e dor, contradizem esse projeto do Pai e desafiam os cristãos a um maior compromisso a favor da cultura da vida. Pois o amor a Deus se mostra autêntico no amor ao próximo e, sobretudo, ao próximo em necessidade. Daí, ser o serviço de caridade entre os pobres um campo de atividade que caracteriza de maneira decisiva a vida cristã, o estilo eclesial e a programação pastoral.

Esta evangelização é tarefa de todos os fiéis, chamados em virtude de seu batismo a serem discípulos missionários de Jesus Cristo. A missão não é tarefa opcional, mas parte integrante da identidade cristã. Ela não se limita a um programa ou projeto, mas é compartilhar a experiência do acontecimento do encontro com Cristo, testemunhá-lo e anunciá-lo de pessoa a pessoa, tornando visível o amor misericordioso do Pai, especialmente para com os pobres e pecadores.

O desempenho da missão evangelizadora pede de cada um de nós uma profunda vivência de fé, fruto de uma experiência pessoal de encontro com a pessoa de Jesus Cristo, no seu seguimento. Nossa conversão pessoal nos possibilita impregnar, com uma firme decisão missionária todas as estruturas eclesiais e todos os planos pastorais de qualquer instituição da Igreja, exigindo nossa conversão pastoral que implica escuta e fidelidade ao Espírito, impelindo-nos à missão e sensibilidade às mudanças socioculturais, animada por uma espiritualidade de comunhão e participação.

Somos uma “comunidade missionária”, na medida em que fortalecemos nossa consciência missionária, com gestos concretos de ida ao encontro dos outros, e respondemos aos grandes problemas da sociedade onde se encontra. Estes desafios exigem “imaginação e criatividade para chegar às multidões”. Em se considerando a cultura urbana é preciso um “estilo pastoral adequado” que atinja as pessoas através de práticas pastorais e estruturas evangelizadoras. De modo especial, sendo os pobres a maioria da população a Igreja deverá assumir mais efetivamente o desafio missionário com o espírito evangélico que a anima, sendo realmente a “casa dos pobres”.

O último Sínodo dos Bispos reforça a missão da Igreja de proclamar Cristo, a Palavra de Deus feita carne. Alimentar-nos da Palavra, para sermos “servos da Palavra” na tarefa da evangelização: esta é, certamente, uma prioridade para a Igreja (neste) milênio. Isso exige que se freqüente a escola do Mestre, notando que a sua Palavra tem como centro o anúncio do Reino de Deus (Mc 1,14-15) com palavras e obras, com o testemunho da vida e o ensino. O Reino de Deus, que a Palavra de Deus faz germinar, é Reino de verdade e de justiça, de amor e de paz, oferecido a todos os homens. Pregando a Palavra, a Igreja participa na construção do Reino de Deus, ilumina a sua dinâmica e propõe-no como salvação do mundo.(Lineamenta 26-27).

Anunciar o Reino é o Evangelho que deve ser pregado até aos confins da terra (Mt 28,19; Mc 16,15). Esse anúncio e a sua escuta são a prova da autenticidade da fé.

Quanto ao anuncio, o Projeto Nacional de Evangelização sobre a Missão Continental convida-nos a nos envolvermos no trabalho missionário para que a Missão seja assumida sempre mais pelas comunidades cristãs do Brasil, dialogando com toda a sociedade (doc 88 da CNBB). Nesse sentido, compreendemos que o ardor missionário dará à Igreja um dinamismo próprio, caracterizado pelo espírito de abertura, universalidade, diálogo ecumênico, itinerância, serviço e radicalidade cristã. “Levemos nossos navios mar adentro, com o poderoso sopro do Espírito Santo, sem medo das tormentas, seguros de que a Providência de Deus nos proporcionará grandes surpresas” (DA 551).

Quanto à escuta, “Fides ex auditu“ (Rom 10,17) escreve São Paulo aos Romanos: “a fé vem da pregação“ ou “A fé entra pelo ouvido, ouvindo a mensagem do Messias“ ou então “a fé procede da audição“ conforme algumas traduções. Dom Erwin Kräutler, bispo do Xingu, utilizou este versículo como um dos temas de reflexão de nosso retiro na 46ª Assembléia da CNBB dizendo que “Ouvir“ na Bíblia vai bem além da percepção meramente sensitiva. Na Bíblia ouvir significa, além de "atender" e "entender", “obedecer“. Sobretudo no imperativo (shema) significa "escutar, aceitando" a palavra de Deus, a sua lei, as suas exigências.

Ouvir é o caminho que leva à fé e para a salvação. O Reino de Deus chega a nós através do ouvido. Assim a pregação é "a palavra do ouvido". Só o que se ouviu primeiro, pode tornar-se palavra. A condição indispensável para ouvirmos a voz de Deus, a sua Palavra, é o silêncio. Vivemos num mundo tão barulhento! Tantos sons, tantos estímulos sonoros, tantos ruídos, de tão diversa procedência, nos bombardeiam de modo ininterrupto, de dia e de noite.

A raiz de toda a espiritualidade é a experiência de Deus no silêncio, o encontro pessoal com o Senhor que transforma a vida. Paulo Apostolo sempre se refere a este momento crucial, faz questão de afirmar que o evangelho por ele “anunciado não é segundo o homem, pois eu não o recebi nem aprendi de algum homem, mas por revelação de Jesus Cristo“ (Gl 1,11-12).

Nosso ouvido está aberto para a voz de Deus. Ele nos fala ao coração e por seu Espírito nos ensina toda a verdade. Mas a vida cristã ficaria atrofiada se ficasse apenas recolhida ao recôndito do quarto na experiência íntima da oração ao Pai “que está lá, no segredo“ (cf. Mt 6,6), se quisesse permanecer sempre na montanha. Depois da experiência do Tabor (Mt 17,1-8), vem a descida à planície e o anúncio do sofrimento (Mt 17,12.22-23). Deus nos fala também pelo seu silêncio, no sofrimento e na tristeza, na perseguição e nas ameaças abertas e veladas, na “noite escura do espírito“ do “Meu Deus, meu Deus por que me abandonaste?“ (Sl 21(22),2; Mt 27,46; Mc 15,34).

Mas, existe ainda uma outra dimensão do “ouvir“ em que a voz de Deus nos chama de modo não menos intensivo. Chega até a tornar-se um clamor desafiador, impetuoso, comprometedor. Assim o imperativo para todos nós e, por assim dizer, o outro lado da moeda de toda a mística cristã é “ouvir“ o próximo, estar à escuta, dar ouvido ao clamor do povo, não tapar o ouvido diante do grito de dor da humanidade. Também o ouvir nesta perspectiva não é uma escuta passiva, mas um ouvir no sentido bíblico: um “escutar, aceitando“ o grito como desafio, como chamado, como exigência de assumir uma causa, de ir ao encontro do um povo que chora, que se debate na extrema miséria, que é oprimido, expulso de sua terra, povo que é explorado, agredido em sua dignidade, desrespeitado nos mais elementares direitos à vida. A solidariedade ajuda-nos a ver o “outro“ (pessoa, povo ou nação) como um nosso “semelhante“, que se há de tornar participante, como nós, no banquete da vida, para o qual todos os homens e mulheres são igualmente convidados por Deus“ (SRS 39).

Fonte: Pascom

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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