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Dom Moacyr

Caminho e modelo de transparência


Estamos no Ano da Fé, vivendo a segunda etapa do Tempo do Advento e preparando-nos para a vinda (Natal) de Cristo. Sim, Cristo vem, Deus passa pelo coração dos homens por isso, nosso empenho em preparar o caminho do Senhor.
 
O nascimento de Cristo e sua missão marcam o acontecimento central da história da salvação. O caminho de Jesus é proposta aberta a todos. Mas não nos iludamos: o caminho de Jesus não é o dos poderosos e a história da salvação não passa pela “história oficial” dos que dominam e oprimem (Lc 3,1-6).

O caminho de Jesus começa com João, filho de Zacarias, no deserto. “Preparem o caminho do Senhor” (Lc 3,5). João prega um batismo de conversão para o perdão dos pecados. Convida a iniciar nova história. O batismo era o sinal que marcava o novo início. Faz-se necessário voltar atrás, aceitar a novidade que está para chegar, a fim de ter vida e liberdade (VP).

João Batista é o profeta que prepara o caminho de Jesus. Sua missão é proclamar o fim da “história oficial” e o início da história que Jesus vai construir com os pobres e a partir deles. Ele prega que o caminho de Jesus é proposta aberta a todos, também aos que pertencem à “história oficial”, desde que se convertam e endireitem o próprio caminho para serem salvos: “E todo homem verá a salvação de Deus” (v. 6; Is 40,5).

 
João é modelo de transparência. Este João, descrito pelos evangelistas como um asceta é, de qualquer modo, uma pessoa transparente. Voz que clama no deserto é a voz de Outrem, pois o que é falado por ele é a palavra de Deus. Assim, João desaparece diante d’Aquele que anuncia. Com seu dedo apontado, não atrai os olhares e a atenção de todos para si mesmo, mas para quem ele está indicando.
 
Em nossos desertos de ausência de Deus, podemos encontrar o Cristo através de qualquer desconhecido, seja ele quem for, e não necessariamente através dos que, em nossas sociedades, são pessoas importantes.
 
O Cristo nos alcança através de todos estes de quem nos tornamos o próximo, através do “menor desses pequeninos” de que fala Jesus, em Mateus 25. Deus não economiza a sua Palavra. Ele nos fala sempre, através de todos os nossos irmãos. Assim, João Batista não desapareceu, mas encontra-se revivido em cada um de nós, desde que renunciemos a atrair para nós mesmos o olhar dos outros e orientemos a sua atenção para Aquele que vem; ou seja, desde que, para eles, abramos um futuro (M.Domerque).
 
Há dois caminhos de cuidar do outro, segundo padre Libânio: o caminho curto e o caminho longo. As sociedades mais avançadas e ricas desenvolveram melhor o caminho longo das estruturas sociais. Ele cita o exemplo de países da Europa ou da América do Norte e do enorme respeito que as pessoas têm para com as outras no uso cuidadoso das coisas públicas. Ruas e estradas limpas de modo que ninguém joga papel e muito menos plásticos no chão, mas nas lixeiras. Ônibus silenciosos, limpos e regulados, de maneira que tanto o motorista quanto os passageiros não são submetidos à violência barulhenta de motores ruidosos ou à sujeira poeirenta de assentos. Nem mesmo alguém, parando o automóvel diante da casa de um amigo para buscá-lo, dá a clássica buzinada, mas desce do automóvel, toca a campainha e espera que a pessoa venha. São expressões, sem dúvida, de cuidado com outro.
 
No entanto, esses países têm terrível déficit no cuidado direto, imediato, pessoal, cara a cara. As relações intersubjetivas tendem a ser frias, difíceis. Os filhos queixam-se da ausência dos pais. Muitos esposos preferem viver até mesmo em apartamentos distintos para guardarem autonomia e distância entre si. Fala-se que numa cidade como Frankfurt na Alemanha mais da metade dos esposos preferem tal modo de relacionamento.
 
E entre nós? O brasileiro proverbialmente tem fama de atencioso, de acolhedor, de contato fácil. Enternece-se facilmente diante de quem e com que se ligou por algum vínculo. Projeta nessa relação as experiências familiares. No momento em que um fator qualquer permite criar algum vínculo, o brasileiro dispensa cuidados a essa pessoa.
 
Por outro lado, Pe Libanio demonstra que somos terrivelmente relapsos no tocante à maneira social de cuidar dos outros, zelando pela limpeza, bom funcionamento, conservação dos lugares e objetos públicos. Não passa pela cabeça de muita gente que sujar a via pública, danificar objetos de serviço comum é desrespeito ao outro, é descuido dos demais. As empresas de transporte urbano são, na sua maioria, atentado permanente à dignidade dos passageiros. Os funcionários públicos, pagos com o dinheiro da população, não raras vezes, mostram desleixo e desprezo, sobretudo, para com as pessoas pobres. É problema cultural. Só esforço continuado, a começar com as crianças, de despertar a atenção para as coisas e serviços comuns, irá criando a cultura do social.
 
Além desse descaso pelas pessoas, quando perdidas no anonimato, a grande cidade tem destruído também os laços personalizados. Cresce, por assim dizer, o número daqueles com quem não temos vínculo algum e, por isso, não nos despertam o interesse. E, mesmo em relação àqueles que constituem o nosso mundo menor, como a família, colegas de serviço ou de escola, amigos por diversas razões, estamos perdendo o cuidado, a atenção, o interesse.
 
Submerge-nos nas vagas envolventes do individualismo a cultura dominante de modo que o cuidado com o outro diminui ou mesmo desaparece. Dessa maneira podemos terminar sem ter nem o caminho longo nem o curto que nos conduzem ao outro.
 
Cabe-nos reagir contra o tipo de modernização desvairada que sacrifica, em nome da produção, do progresso tecnológico, o cuidado delicado e atento com o outro, tanto pelos caminhos do contato direto e imediato, como por meio do respeito da “coisa publica” (res-publica), ou seja, o cuidado pelo nosso país.
 
Aopção fundamental confere a qualidade ética ao caminho humano. Se optarmos pelo bom caminho, não serão pequenos passos equivocados ou tropeços que irão destruir o caminho e seu rumo. O que conta realmente frente à consciência e diante daquele que a todos julga com justiça, é esta opção fundamental (L.Boff).
 
Neste Advento, temos que escolher o caminho a construir e como seguir por ele. Nesta empreitada, não estamos sozinhos.
 
“Multidões caminham conosco, solidárias no mesmo destino acompanhadas por Alguém chamado: "Emanuel, Deus conosco”.
 

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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