Às vésperas da Jornada Mundial da Juventude constatamos a força da mobilização dos jovens, independente de partidos políticos, por um país mais democrático.
Na Semana do Migrante (16-23/06) o peso da mobilidade urbana se faz realidade tornando evidente a participação dos jovens na vida politica, com seu jeito ainda que desorganizado de se manifestar politicamente.
“O desaparecimento da utopia leva a uma estagnação em que o próprio homem se transforma em coisa”(K. Mannheim). A nova cara de nosso país é fruto da ação de pressão da sociedade civil organizada, portanto, este fenômeno provocado inicialmente pelos jovens como um movimento de resistência demonstra não somente a força das mobilizações e da utopia como a necessidade de organização, rumo e liderança.
Primeiro, a insatisfação com o gasto do dinheiro público em obras faraônicas, inúteis, que satisfazem o apetite das empreiteiras e políticos, mas não as necessidades da população. A juventude protesta contra os estádios da copa, assim como protestamos contra a Transposição do São Francisco, assim como o movimento indígena protesta contra Belo Monte. Um país carente de transportes públicos (os vinte centavos são o pretexto), com as ruas ocupadas em 80% por carros individuais, enquanto o transporte público leva 80% da população ocupando apenas 20% do espaço público, a roubalheira nas grandes obras, a falta de estradas decentes, o salário minimizado dos professores públicos, a saúde precária do SUS, o avanço do agronegócio sobre as águas e territórios tradicionais, tantos outros elementos que poderíamos agregar a esses, fazem um caldo de revolta latente que em algum momento virá à tona, mesmo que para muitos pareça irracional, analisa Roberto Malvezzi (Gogó), um dos assessores da 5ª Semana Social Brasileira.
A irrupção de novos atores sociais e a presença da Sociedade Civil assumindo uma atitude mais protagonista fortalece a democracia participativa e se cria maiores espaços de participação política. Estes grupos estão tomando consciência do poder que têm em suas mãos e da possibilidade de gerarem mudanças importantes para a conquista de políticas públicas mais justas, que revertam sua situação de exclusão (DAp 75). Éramos incapazes? Eis a superação que provem da liberdade(C.Carreto).
Intitulada “Ouvir o clamor que vem das ruas”, a Igreja, através da Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB divulgou a seguinte Nota:
Nós, bispos do Conselho Permanente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil-CNBB, reunidos em Brasília de 19 a 21 de junho, declaramos nossa solidariedade e apoio às manifestações, desde que pacíficas, que têm levado às ruas gente de todas as idades, sobretudo os jovens. Trata-se de um fenômeno que envolve o povo brasileiro e o desperta para uma nova consciência. Requerem atenção e discernimento a fim de que se identifiquem seus valores e limites, sempre em vista à construção da sociedade justa e fraterna que almejamos.
Nascidas de maneira livre e espontânea a partir das redes sociais, as mobilizações questionam a todos nós e atestam que não é possível mais viver num país com tanta desigualdade. Sustentam-se na justa e necessária reivindicação de políticas públicas para todos. Gritam contra a corrupção, a impunidade e a falta de transparência na gestão pública. Denunciam a violência contra a juventude. São, ao mesmo tempo, testemunho de que a solução dos problemas por que passa o povo brasileiro só será possível com participação de todos. Fazem, assim, renascer a esperança quando gritam: “O Gigante acordou!”
Numa sociedade em que as pessoas têm o seu direito negado sobre a condução da própria vida, a presença do povo nas ruas testemunha que é na prática de valores como a solidariedade e o serviço gratuito ao outro que encontramos o sentido do existir. A indiferença e o conformismo levam as pessoas, especialmente os jovens, a desistirem da vida e se constituem em obstáculo à transformação das estruturas que ferem de morte a dignidade humana. As manifestações destes dias mostram que os brasileiros não estão dormindo em “berço esplêndido”. O direito democrático a manifestações como estas deve ser sempre garantido pelo Estado. De todos espera-se o respeito à paz e à ordem. Nada justifica a violência, a destruição do patrimônio público e privado, o desrespeito e a agressão a pessoas e instituições, o cerceamento à liberdade de ir e vir, de pensar e agir diferente, que devem ser repudiados com veemência. Quando isso ocorre, negam-se os valores inerentes às manifestações, instalando-se uma incoerência corrosiva que leva ao descrédito.
Sejam estas manifestações fortalecimento da participação popular nos destinos de nosso país e prenúncio de novos tempos para todos. Que o clamor do povo seja ouvido! Sobre todos invocamos a proteção de Nossa Senhora Aparecida e a bênção de Deus, que é justo e santo (CNBB).
A Igreja, através dos Movimentos, Organismos e Pastorais Sociais, vêm construindo, de forma ecumênica, a 5ª Semana Social Brasileira desde 2011, com encerramento para 2-5/09/2013 e a temática: “A participação da sociedade no processo de democratização do Estado - Estado para que e para quem”?
As Semanas Sociais são parte da ação evangelizadora da Igreja. A 1ª Semana Social Brasileira foi realizada em 1991 (03-08/11), com a finalidade de celebrar, no Brasil, os 100 anos da Rerum Novarum. Tendo como tema “Mundo do Trabalho, Desafios e Perspectivas”, foi preparada por doze Semanas Regionais, que sinalizaram fortemente a dinâmica de participação diversificada no seu processo. A 2ª SSB (1992-1994) teve como tema “Brasil, Alternativas e Protagonistas”. Sua repercussão nacional se deu, sobretudo, pelo debate com os presidenciáveis, às vésperas da campanha eleitoral daquele ano.
A 3ª SSSB durou 3 anos (tríduo para o Jubileu do ano 2000) e o tema girou em torno da questão do “perdão das dívidas”, com a proposta de “Resgate das Dívidas Sociais, Justiça e Solidariedade na construção de uma sociedade democrática”. A 4ª SSB (2004-2006) com o tema “Mutirão por um Novo Brasil”, multiplicou-se em 268 Semanas Sociais em todo país. A reflexão acumulada e a estratégia da articulação das forças sociais contribuíram para que mais de 40 entidades sociais se unissem na construção de um Projeto para o Brasil. Este projeto teve a colaboração de centenas de assembléias populares realizadas em todas as regiões do Brasil e hoje é referência na defesa e universalização dos direitos sociais.
Durante oultimo Seminário de preparação à 5ª SSB (20-22/5/2013), participantes e membros da Comissão para o Serviço da Caridade, Justiça e Paz da CNBB, reunidos em Brasília e oriundos das mais diversas realidades do Brasil, refletiram a conjuntura atual à luz do tema “Estado para que e para quem” e divulgaram uma Carta dirigida à sociedade, denunciando a ofensiva contra os povos e comunidades tradicionais, com destaque para a proposta de alteração da Constituição, com falta de diálogo e recrudescimento de ações contra os povos, se configura como um verdadeiro terrorismo de Estado. A criminalização que vem ocorrendo sobre comunidades, povos e movimentos sociais, que de forma legítima vêm lutando e resistindo pela efetivação dos seus direitos. O crescente extermínio da juventude, a proposta de redução da maioridade penal que vem sendo amplamente difundida pelos meios de comunicação, desconsiderando a necessidade de implementação de políticas públicas efetivas para juventude, o fortalecimento da rede de proteção da criança e do adolescente, medidas socioeducativas, e a falta de educação pública de qualidade que respeite a diversidade. A remoção de milhares de famílias para dar lugar às obras para realização de grandes eventos como a Copa das Confederações e a Copa do Mundo, e grandes obras de infraestrutura como portos, aeroportos, rodovias e hidrelétricas, com total desrespeito e violação aos direitos humanos, principalmente aos direitos das mulheres, da população de rua e de vendedores ambulantes.
Dentre outras denuncias apresentadas destacamos o modelo energético que garante grandes lucros as empresas transnacionais e penaliza a população com altas tarifas, degradando o meio ambiente e a criminalização das organizações da sociedade civil e a não regulamentação do marco regulatório da parceria entre governo e sociedade. No entanto, de outro lado, são muitas as lutas, organizações e iniciativas que resistem e demonstram que uma outra sociedade e Estado que queremos está em curso.