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Gente de Opinião

Dom Moacyr

Campanha Ecumênica e justiça ambiental!


 
 Estamos na segunda etapa do caminho quaresmal: a primeira, as tentações no deserto e a segunda: a Transfiguração. Na rota da Quaresma, a Transfiguração confirma a missão de Jesus e indica o final da caminhada: depois dos sofrimentos da Paixão, o sol da Ressurreição.

Quaresma: tempo de reavivar a nossa fé; propício para o caminho de conversão, rumo à Páscoa. A conversão é um caminho a ser trilhado, diariamente, pelos seguidores e seguidoras de Jesus; significa mudança de caminho e nosso destino é o próprio Deus, por isso procuramos sua face e mantemos, nela, nossos olhos fixos.

O mesmo Pai que disse aos apóstolos repete-nos: “Escutai Jesus, porque é o meu Filho amado” (Lc 9,28b-36). Para escutá-lo, é preciso ser próximo a Ele, segui-Lo, como faziam as multidões do Evangelho. Como seguidores de Cristo, sabemos que após o encontro com Deus na oração devemos “descer da montanha” e retornar para nossos irmãos e irmãs que vivem sob o peso da opressão, do cansaço, das injustiças, das doenças, pobreza material e espiritual.

A estes nossos irmãos que estão em dificuldade, somos chamados a levar os frutos da experiência que fizemos com Deus, partilhando com eles a graça recebida (Papa Francisco) e mostrando que o Amor pode transfigurar tudo.

Sim, Deus continua dando-nos sinais para que acreditemos. Assim fez Deus com Abraão, que tinha assumido sua caminhada na obediência da fé, mas não tinha descendência. Deus lhe jurou que lhe daria descendência, e Abraão acreditou o que lhe foi imputado como justiça (Gn 15,5-12.17-1815,6). Ao se manifestar a este homem de fé faz com ele uma aliança que se estende a nós, em Jesus, como nos confirma o Evangelho.

Esta é a nossa vida, feita de alternâncias de sombras e luzes. Sombras que às vezes são nuvem luminosa, às vezes, noites de dúvida ou indiferença. Santo Inácio nos ensina que, nos momentos de obscuridade, devemos nos lembrar dos tempos de visita do Espírito. Se não chegamos até aí, lembremos que os discípulos, na hora da Cruz, esqueceram simplesmente a Transfiguração (M. Domergue).

Paulo Apóstolo anuncia que Cristo nos há de transfigurar conforme a sua existência gloriosa (Fl 3,17-4,1). Todos nós somos chamados a ser filhos de Deus. Nosso destino verdadeiro é a glória que Deus nos quer dar; para chegar lá, devemos, como Jesus, iniciar nosso “êxodo”, nossa caminhada da fé e amor fraterno, comprometido com a prática da transformação (Konings).

A Campanha da Fraternidade Ecumênica 2016 aponta para realidades concretas e que devem ser transformadas. O tema geral é o cuidado com a Terra, especificamente o cuidado com o saneamento básico que inclui o abastecimento de água urbano e rural; a coleta e tratamento de esgoto; o manejo adequado dos resíduos sólidos (lixo) e a drenagem das águas de chuva. E com a realidade atual que enfrentamos no Brasil, não podemos esquecer o combate a mosquitos que transmitem doenças que assolam a nossa população e provocam tantos males.

Um país sem saneamento não é civilizado e multiplica as doenças. Por isso, o Texto Base que devemos aprofundar em grupos e na comunidade, insiste que “justiça ambiental” é parte integrante da “justiça social”. É preciso que as ações para a preservação ambiental busquem também construir a justiça, principalmente para os pequenos e pobres.
 
Em 2013, segundo o Ministério da Saúde, foram notificadas mais de 340 mil internações por infecções gastrointestinais no país. Se 100% da população tivesse acesso à coleta de esgotos sanitários haveria uma redução em termos absolutos de 74,6 mil internações. Estudos estimam que morre uma criança a cada 3 minutos por não ter acesso a água potável, por falta de redes de esgoto e por falta de higiene. Os últimos dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento Básico mostram que pouco mais de 82% da população brasileira têm acesso à água tratada. Mais de 100 milhões de pessoas no país ainda não possuem coleta de esgotos e apenas 39% destes esgotos são tratados, sendo despejados diariamente o equivalente a mais de 5 mil piscinas olímpicas de esgoto sem tratamento na natureza.

Como está a saúde de nossa cidade? E da nossa comunidade? Se a situação já é precária no meio urbano, a área ribeirinha e rural sofre ainda mais. Segundo o TB, apenas 42% das moradias rurais dispõem de água canalizada para uso doméstico. Os outros 58% usam água de outras fontes, porém, sem nenhum tipo de tratamento. As habitações rurais são tão precárias que sequer dispõem de banheiros ou fossas. Somente 5,2% dos domicílios rurais possui coleta de esgoto ligado à rede geral e 28% possuem fossa séptica. Em 49% das residências que possuem banheiro, o escoamento de fezes e urina corre por meio de fossas rudimentares não ligadas à rede. Há 52,9% de residências que buscam soluções rudimentares como valas ou despejo do esgoto diretamente nos cursos de água. Há ainda 13,6% que não usam nenhuma solução.
 
Todos estes números revelam a falta de dignidade à vida das pessoas que vivem nas áreas rurais; 25% da população rural do Brasil vivem em extrema pobreza. Por isso, o saneamento rural deve ser implementado de forma articulada com outras políticas públicas, de modo a superar o déficit de moradias, dificuldade de acesso à eletrificação rural e ao transporte coletivo.

O lema da CFE 2016: “Quero ver o direito brotar como fonte e correr a justiça qual riacho que não seca” é extraído do profeta Amós (5,24), que fundamenta sua pregação profética numa denúncia social aguda, chamando a atenção para um progresso econômico sem igualdade e justiça para todos. Sua denúncia aponta para uma situação de caos social, onde as relações afetivas estavam se rompendo e revela que a fé em Deus estava sendo manipulada pela religião oficial.

Deus quer justiça e dignidade para todos. Garantir os direitos essenciais para a vida humana e cuidar bem do planeta, são partes fundamentais da justiça exigida por Deus. Por isso, o profeta Amós compara a prática da justiça como uma fonte que jorra água limpa e com um rio perene que não seca jamais. A comparação que Amós faz da água que jorra com a prática da justiça, lembra que o bem estar de todos os habitantes de um lugar deve ser o objetivo de todo serviço público. Ninguém pode buscar apenas o lucro fácil e rápido em detrimento dos direitos dos demais. É como se uma pessoa represasse um rio só para si, formando um enorme açude enquanto todos adiante ficam apenas com um fiozinho de água.
 
Como participar mais concretamente desta Campanha da Fraternidade? Cuidando da Casa Comum que Deus nos deu para fazer dela um lugar saudável, no qual a fraternidade e a justiça corram como rios de água viva. Indo ao encontro das pessoas, para que juntos encontremos ações conjuntas que favoreçam o cuidado com a nossa Casa Comum. Trabalhando coletivamente em favor da elaboração, execução e acompanhamento dos Planos Municipais de Saneamento Básico. Zelando pelos espaços coletivos. Evitando o consumismo e o desperdício dos alimentos. E na reflexão do Texto Base, assumindo outros gestos de acordo com a realidade comum de nosso bairro e comunidade.
 
Estamos vivendo o Ano da Misericórdia. Papa Francisco, em sua mensagem para esta Quaresma, convida-nos a viver mais intensamente as obras de misericórdia, pois, “a misericórdia de Deus transforma o coração do homem e faz-lhe experimentar um amor fiel, tornando-o assim, por sua vez, capaz de misericórdia”

Refletir e viver as obras de misericórdia corporal e espiritual é “uma maneira de acordar a nossa consciência, muitas vezes adormecida perante o drama da pobreza, e de entrar cada vez mais no coração do Evangelho, onde os pobres são os privilegiados da misericórdia divina” (MV 15).

É “reafirmar uma vez mais a confiança a que Jesus nos impele: a misericórdia que abraça a todos, em todos os cantos da terra. Não há lugar onde a sua misericórdia não possa chegar, não há espaço nem pessoa que ela não possa tocar”.

Celebrar o Jubileu da Misericórdia convosco é aprender a não ficar prisioneiros do passado, de ontem; é aprender a abrir a porta para o futuro, para o amanhã; é acreditar que as coisas possam tomar outro rumo (papa aos detentos de Juarez, México).

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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