Domingo, 5 de agosto de 2012 - 08h56
No inicio de julho, participei, juntamente com bispos e agentes de pastoral do regional Norte e Noroeste, da celebração do 40º ano do Encontro de Santarém. Estavam presentes também membros da Comissão Episcopal da Amazônia e da presidência da CNBB.
Cerca de 1.200 pessoas compareceram ao encerramento do 10º Encontro dos Bispos da Amazônia, quando reafirmamos a centralidade do documento que ratifica o compromisso da Igreja com os povos da Amazônia e a defesa da Ecologia.
Durante a celebração, Dom Cláudio Hummes, cardeal presidente da Comissão Episcopal para a Amazônia, disse: “A Amazônia continua sendo um apelo à Igreja, um lugar permanente de missão”. Segundo ele, a região, por suas características próprias, requer uma atitude profética da Igreja, sobretudo considerando que estas terras sempre foram vistas como uma fonte de riquezas exploradas continuamente.
O profetismo, disse o cardeal, exige atitudes que estão relacionadas à promoção humana. “A promoção humana faz parte da evangelização e para que isso aconteça é necessário combater toda forma de opressão sobre o povo”.
Alguns dos bispos, religiosos e lideranças presentes, continuam sob constante vigilância de segurança em virtude da postura em defesa dos povos – denúncias contra a exploração sexual de crianças, adolescentes e mulheres, tráfico de drogas e de pessoas, trabalho escravo – e por denunciarem a exploração ilegal dos recursos da Amazônia.
O documento firmado pelos bispos 40 anos atrás, via profeticamente o que viria a acontecer no futuro próximo. A visão da igreja da época veio a se consolidar com a exploração da Amazônia e de seus povos. Agora, o documento de 2012, reconhece que, embora se registrem avanços no campo social e político, as explorações também acompanham essa proporção.
Recentemente, concedi uma entrevista ao site dos jesuítas: IHU On-Line, que foi publicada também pela agencia Adital. Na ocasião, avaliando o 10º encontro da Igreja na Amazônia, disse que o documento de Santarém é a carteira de identidade da Igreja da Amazônia, porque é a partir dele que a Igreja começa a ter traços próprios. O documento de 1972, resultado do encontro em Santarém, de 24 a 30 de maio de 1972, já demonstrou as características que a Igreja deveria ter na Amazônia: assumir a causa do povo e dos pobres como se fosse nossa; considerar a evangelização libertadora no sentido pleno de libertação não só do pecado, mas de todas as consequências.
Essas duas estrelas iluminaram as prioridades do documento que, naquela época, tinha como objetivo formar agentes pastorais, porque, na prática, 80% dos ministros, padres, bispos e irmãs vinham de outros países. Muitos não só evangelizaram, mas deram a vida pelo povo da Amazônia, auxiliaram em diversas áreas, como saúde, cultura e educação.
Nesses últimos anos houve, infelizmente, uma corrupção generalizada, e as comunidades foram atingidas. As comunidades nunca quiseram se confundir com partidos políticos ou sindicatos; elas formavam e incentivavam as pessoas a participarem, pois, o importante era lutar pela causa do povo.
Hoje, a Igreja tem que admitir que a problemática da terra mudou de feição, mas o atual modelo do agronegócio e a criação de bois estão recriando o conflito e a destruição da Amazônia. A Igreja tem de estar ao lado do pobre, do sofredor, do explorado. Ela não deve tomar o lugar de ninguém, mas tem de ser solidária ao povo, porque essas pessoas mais pobres são ameaçadas de morte a todo instante. O povo está ficando mais consciente e resiste.
O documento final do 10º Encontro da Amazônia em Santarém – Carta dos bispos ao povo da Amazônia, que transcrevemos a seguir, alguns trechos, destaca o compromisso missionário e profético com os povos da região:
Irmãs e irmãos caríssimos em Cristo Jesus, povo de Deus na Amazônia, expressamos nossa gratidão ao Deus da vida porque nestes 40 anos, não obstante nossas fragilidades, nossa Igreja tem anunciado Jesus Cristo ressuscitado, caminho, verdade e vida e tem marcado presença junto ao povo sofrido, sendo muitas vezes a voz dos povos indígenas, ribeirinhos, quilombolas, seringueiros e migrantes, nas periferias e em novos ambientes dos centros urbanos animando as comunidades na reivindicação do respeito pela sua história e religiosidade.
Constatamos avanços no campo social e político, com novos organismos de participação, conselhos de políticas públicas, participação nas campanhas por leis mais justas, aumento da consciência e engajamento na questão ecológica. No campo econômico, cresce o consumo e o poder aquisitivo embora nem sempre acompanhado do aumento da qualidade de vida.
As decisões sobre o desenvolvimento da Amazônia sempre são tomadas a partir de fora e visam única e exclusivamente a exploração das riquezas naturais sem levar em conta as legítimas aspirações dos povos desta região a uma verdadeira justiça social. Como quarenta anos atrás, a Amazônia continua sendo considerada a “colônia“, mesmo que abranja mais da metade do território nacional. Para a metrópole – Brasília, o sudeste e o sul do País – Amazônia é apenas “província“, primeiro província madeireira e mineradora, depois a última fronteira agrícola no intuito de expandir o agronegócio até os confins deste delicado e complexo ecossistema, único em todo o planeta. De uns anos para cá a “província“ recebeu mais um rótulo, sem dúvida o mais desastroso, pois implicará a sua destruição programada, haja vista o número de hidrelétricas projetadas para os próximos anos: a Amazônia é declarada a província “energética“ do País. Sob a alegação de gerar energia limpa se esconde a verdade de que mais florestas sucumbirão, mais áreas, inclusive urbanas, serão inundadas, milhares de famílias serão expulsas de suas terras ancestrais, mais aldeias indígenas diretamente afetadas, mais lagos artificiais, podres e mortos, produzirão gases letais e se tornarão viveiro propício para todo tipo de pragas e geradores de doenças endêmicas.
As prioridades da ação pastoral e evangelizadora apontadas em 1972 continuam atualíssimas. Importa encarnar a Igreja no chão concreto da Amazônia.
As Comunidades Eclesiais de Base tão recomendadas no Documento Santarém 1972 são expressão de uma Igreja viva e comprometida... constituem um dom especial que Deus concedeu à Igreja na Amazônia. São obra do Espírito Santo. As CEBs, diz o documento de Aparecida, “têm sido escolas que têm ajudado a formar cristãos comprometidos com sua fé, discípulos e missionários do Senhor, como o testemunha a entrega generosa, até derramar o sangue, de muitos de seus membros” (DAp 178)...
Deparamo-nos hoje com uma verdadeira enxurrada de grandes projetos que os Governos querem implantar, seguindo a estratégia do “fato consumado“. Não há discussão, nem consulta popular que merecesse este nome. Decide-se e executa-se. Oponentes são criminalizados ou taxados de inimigos do progresso. Também os ribeirinhos, seringueiros, quilombolas, e outros povos tradicionais sofrem pela falta de reconhecimento suas terras.
A ética na política prometida à nação e esperada pelo povo brasileiro cedeu lugar a uma sequencia ininterrupta de escândalos de corrupção em todos os níveis governamentais. Somado a estes desafios nos deparamos com a emergência do fenômeno urbano, com o inchaço nas periferias das grandes cidades, exploração sexual, tráfico de pessoas e de drogas, violência. Em vez de investimentos em políticas públicas de saneamento básico, saúde, educação e segurança, o Estado prioriza políticas compensatórias, apoia e incentiva o grande capital, investe na construção de estádios monumentais e outras obras faraônicas.
“Podem roubar-nos tudo, menos a esperança” (P.Casaldáliga). No caminho de “Santarém”, novamente nos lançamos nas estradas e rios, nas aldeias e quilombos, nos interiores e periferias das cidades, nos grandes centros urbanos desta imensa Amazônia, abraçando a Missão que nos foi confiada, comprometidos com toda a criação e na busca de sermos autênticas comunidades de fé alimentadas pela Palavra e pela Eucaristia. Nesta hora da história o nosso coração às vezes, se angustia por causa de tantas dificuldades que nos desafiam, aparentemente insuperáveis; no entanto, continuamos a ser chamados e enviados como missionários e profetas para alimentar a esperança, como âncora firme e segura (Hb 6,19), de um mundo novo, inaugurado por Jesus Cristo Crucificado e Ressuscitado.
Fonte: Arquidiocese
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