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Dom Moacyr

Da desigualdade à indiferença


                                    

As precariedades das condições a que estão submetidos os presos no Presídio Urso Branco motivou uma denúncia feita recentemente pela Comissão Justiça e Paz e a organização Justiça Global à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americanos. O Urso Branco, que já foi alvo de medidas cautelares e provisórias da Comissão e possui um caso já em trâmite na CIDH, se destaca por seu longo histórico de massacres e mortes de detentos (Adital/BBC). Da desigualdade à indiferença - Gente de Opinião
 
O Presídio Urso Branco é monitorado pela OEA desde 2002, quando foi palco do segundo maior massacre de presos depois do Carandiru. Na ocasião, 27 detentos jurados de morte foram assassinados. Em fevereiro de 2013, o Conselho da Comunidade visitou o Presídio e constatou as péssimas condições sanitárias e de acomodação. Na ocasião, os presos reclamaram da falta de encaminhamento para a Defensoria Pública e da inexistência de serviços médicos.
 
Após quase 10 anos de medidas provisórias, em agosto de 2011, durante sessões da Corte Interamericana realizadas em Bogotá, a Justiça Global e a CJP da Arquidiocese de Porto Velho concordaram com o levantamento das medidas provisórias frente à adoção do “Pacto para Melhoria do Sistema Prisional do Estado de Rondônia e Levantamento das Medidas Provisórias Outorgadas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos”. O Pacto contempla políticas públicas para melhoria do sistema prisional do Estado de Rondônia e reúne Poder Executivo, Defensoria Pública, Ministério Público e Poder Judiciário. A Justiça Global e a CJP participam como intervenientes, com a tarefa de monitoramento. A reunião marcada para este mês visou a avaliação dessas medidas por parte do Estado brasileiro e do governo de Rondônia.
 
Para Natália Damazio, advogada da Justiça Global, a atual situação em que o Urso Branco se encontra remete à crise no qual o presídio se encontrava até 2008: “um período marcado por violações sistemáticas ao direito a vida e à integridade dos presos, e uma absoluta negligência do Estado a respeito. O que se percebe é o agravamento na condição de tratamento desumano e cruel dado aos presos, que precisa de uma solução imediata e definitiva por parte do Estado”, ressalta a advogada.
 
As últimas rebeliões no presídio haviam acontecido em 2012, mas, com o agravamento da situação dos detentos, levou-se a um aumento da tensão na unidade, que culminou com o último motim. Nos dias 18-19/10, os encarcerados no Urso Branco realizaram uma rebelião exigindo direitos básicos e outras reivindicações; o motim foi encerrado por meio de uma negociação direta com a Polícia Militar, sem a presença de autoridades competentes e responsáveis pelo monitoramento do sistema carcerário, como a Vara de Execuções Penais.
 
Como a estrutura do presídio exige reparos urgentes, foi planejado deixar os presos na área externa do pátio durante os reparos, expondo “a população carcerária do presídio à pena desumana e cruel, ficando ao relento, sem condições mínimas de salubridade, expostos a altas temperaturas”, ressalta o informe enviado à CIDH. A precariedade nas instalações e violações de direitos não ocorrem apenas no Urso Branco. As condições dos outros presídios de Rondônia são  similares. Em agosto desse ano, sete pessoas foram mortas em decorrência de um incêndio na Colônia Penal Ênio Pinheiro.
 
Ao fazer um raio-X minucio­so sobre o sistema prisional brasileiro, o prof. e doutor Rodrigo Ghiringhelli, que atua nos Programas de Pós-Graduação em Ciên­cias Criminais e Ciências Sociais da PUCRS, em entrevista ao Instituto Humanitas, atribui a degradação do nosso atual sistema ao fato de que a sociedade brasileira se constitui como um espaço de intensa iniquidade com característi­cas pré-modernas. “Um siste­ma precário voltado às ‘classes perigosas’ - população de baixa renda que não tem os direitos assegurados”.
 
Destaca ainda que boa parte dos problemas vem do fato de que a sociedade não garante os direitos a uma parcela significativa dos cidadãos. Isso só se altera com uma mudança estrutural de percepção, e até cultural, de que não podemos mais aceitar que em uma sociedade democrática e republicana as pessoas sejam tratadas abaixo daquilo que é garantido pela legislação. É fundamental que haja essa cobrança e essa mobilização em torno destes direitos.
 
     Da desigualdade à indiferença: o contexto brasileiro apresenta um sistema penal que criminaliza a pobreza, que acentua as desigualdades den­tro e fora dos presídios, e causa a sensação de impunidade. Não bastando o fato de que as condições das prisões são muito precárias, na última década tivemos um crescimento muito grande da população carcerária, saímos, no final dos anos 90, de uma população de 200 a 300 mil presos para cerca de 600 mil. O Brasil é um dos países que mais encarcera no mundo e, em termos de situação carcerária, nós somos um dos piores, devido a esta dinâmica de superencarce­ramento.
 
     Na Nota de 2014 sobre o sistema carcerário do país, a CNBB destaca que esse modelo produz a desigualdade social, uma das maiores causas da violência. Combater esta desigualdade é caminho para a segurança a que a população aspira.
 
Não podemos assistir passivamente à violação da dignidade humana como ocorre nos presídios brasileiros e em inúmeras situações de violência que grassa no país. É lamentável que o Estado e a Sociedade só tenham olhos para a situação carcerária quando os presídios são palco de cenas estarrecedoras... Nesses casos, soluções emergenciais não enfrentam os problemas nas suas raízes nem levam a reformas estruturais que requer o atual sistema penitenciário. A falência do sistema prisional é sustentada pela política de encarceramento em massa e comprovada pelas desumanas condições dos presídios, por denúncias de práticas de torturas, por despreparo de agentes penitenciários. Fiel à sua missão evangelizadora, a Igreja continua à disposição para colaborar na busca de soluções que estanquem a violência, assegurem a paz e estabeleça a justiça nos presídios e na sociedade (CNBB).
 
     Marcados com o sinal da fé: a liturgia de hoje está centrada na conclusão e meta da história, que se manifestará com a vinda do SenhorA Solenidade de Cristo Rei e Senhor do Universo, a ser celebrada no próximo domingo, encerra o ano litúrgico apresentando Jesus como o Senhor do Tempo e da História, o princípio e o fim de todas as coisas, Aquele que há de vir cheio de glória e majestade para instaurar um reino definitivo de vida e de paz.
 
     Nesse mesmo dia vamos celebrar o Dia Nacional dos Cristãos Leigos, renovando a fé como fermento que transforma a massa; como sal que dá o sabor; como luz que faz Cristo brilhar em todos os ambientes. Antecede esta celebração o Dia da Consciência Negra (20/11), no qual recordamos a memória de Zumbi dos Palmares, símbolo da resistência negra na luta pela libertação.
 
     O discurso apocalíptico do evangelho de Marcos (Mc 13,24-32) fala das convicções que devem alimentar a nossa esperança (Pagola). A 1ª convicção é de que a história apaixonante da Humanidade chegará um dia ao seu fim: não haverá tempo; a distância entre o céu e a terra se apagará, já não haverá espaço. Esta vida não é para sempre. Um dia chegará a Vida definitiva, sem espaço nem tempo. Viveremos no Mistério de Deus. A 2ª convicção: Jesus voltará e seus seguidores verão seu rosto, que iluminará para sempre com a verdade, justiça e paz a história humana, tão escrava hoje de injustiças e mentiras. A 3ª convicção: Jesus irá trazer consigo a salvação de Deus. Virá para “reunir os seus”, os que esperam com fé a sua salvação. A 4ª convicção: As palavras de Jesus “não passarão”; não perderão a sua força salvadora. Seguirão alimentando a esperança dos seus seguidores e dos pobres. Não caminhamos em direção ao nada e ao vazio. Espera-nos o abraço com Deus.
     A Carta aos Hebreus fala da liturgia do Cristo, celebrada uma só vez, de forma definitiva. Sacerdócio que abre caminho novo de acesso ao Pai. E a verdadeira liturgia que a comunidade cristã celebra é a memória desse evento libertador (Hb 10,11-14.18).
 
O Livro de Daniel trata da vitória da justiça (Dn 12,1-3): Deus é aliado dos que se comprometem com a justiça. A vitória final será de Deus e dos que lhe são fiéis (Konings). A dinâmica da história, portanto, é esta: Deus abandona a esfera divina e luta, com seus aliados oprimidos, em favor da justiça; a ação de Deus na história consiste no julgamento desta e na salvação dos eleitos; os escolhidos, comprometidos com Deus (“conduzindo muitos para a justiça”) serão vitoriosos e participarão da própria vida divina; “brilharão como o firmamento, como as estrelas” (VP).

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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