Domingo, 24 de novembro de 2024 | Porto Velho (RO)

×
Gente de Opinião

Dom Moacyr

Democratização do Estado


As Pastorais Sociais e organismos da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) vêm realizando desde o início dos anos 90, as Semanas Sociais Brasileiras (SSB). Estes eventos contam com a participação valorosa dos mais diversos agentes das Igrejas e da sociedade organizada de nosso país.
Primeiramente, é bom referir que a Semana Social não se reduz a um evento isolado, mas, a um processo de reflexão, mobilização e compromisso a partir de um tema emergente da sociedade.

A 1ª Semana Social Brasileira aconteceu em 1991, no centenário da Encíclica RerumNovarum. Reuniu lideranças de todo o País para refletir sobre os “Desafios do mundo do Trabalho”, visando melhores condições de vida e de trabalho.

A 2ª Semana Social foi no período de 1993-1994, com o tema “Brasil: Alternativas e Protagonistas” “O Brasil que queremos”. Esta Semana desencadeou um processo em âmbito local, regional e nacional e, teve como um de seus momentos fortes o debate sobre “o Brasil que queremos”, com os candidatos a Presidência da República. A partir desta Semana foi assumido o Grito dos Excluídos em âmbito nacional e latino-americano.

A 3ª SSB, 1997-1999, teve como tema “A Dívida Externa e o Resgate das Dívidas Sociais”. Foi uma semana de três anos que desencadeou uma série de momentos locais (mais de 150 semanas), com o objetivo de identificar e questionar as dívidas sociais. Também possibilitou um Momento Nacional, em 1998, em Itaici-SP. No ano de 1999 foram realizadas as Semanas Regionais em busca da construção de propostas em torno da dívida externa e resgate das dívidas sociais. É importante destacar que este processo teve muitos frutos como: Simpósio da Dívida Externa; Tribunal da Dívida Externa; Plebiscito Nacional da Dívida Externa; Plebiscito da Alca; Campanha Nacional contra a ALCA; Fortalecimento das Pastorais Sociais em âmbito Nacional e Regional e Participação no Fórum Social Mundial.

A 4ª SSB também foi uma semana de três anos. Aconteceu no período entre 2004-2006 e teve como tema: “Articulação das Forças Sociais participando na construção do Brasil que queremos”. Esta Semana oportunizou a articulação com diferentes movimentos e organizações sociais e desencadeou o processo das assembleias populares, em nível local, regional e nacional. Assim, oportunizou o debate sobre a conjuntura, articulação de iniciativas e construção de processos articulados, na perspectiva de um outro modelo de desenvolvimento para o país.

A 5ª Semana Social Brasileira, já lançada, propõe como tema de reflexão: “A Participação da Sociedade no Processo de Democratização do Estado Brasileiro”.

"O Brasil percorreu um bom caminho no que se refere à liberdade política, no entanto, a respeito da igualdade social, o país está distante de atingi-la, apesar dos esforços”,lemos no texto de convocação para a Semana.

A 5ª Semana Social aponta como desafios ao país, aprimoramento das instituições do Estado; a superação da pobreza; e a luta contra a globalização, fenômeno que fragiliza os países periféricos diante das grandes corporações mundiais, comprometendo a soberania nacional.

Durante o evento, a discussão sobre a democratização do sistema político: reforma política, mudanças no sistema eleitoral e garantias da participação popular; sobre a democratização da economia: orçamento participativo, distribuição de renda justa, controle da prestação das contas públicas; e sobre a democratização da gestão das políticas públicas: participação ativa da sociedade civil nos processos de formulação e no controle social da execução: Conferências e Conselhos.

Esta quinta edição tem como objetivos: mobilizar as comunidades eclesiais, os movimentos, as pastorais, os organismos e as forças sociais para refletir sobre as estruturas sociais, políticas e econômicas do Estado Brasileiro e participar do processo de sua democratização. Promover a participação dos pobres e excluídos na construção de um país justo, democrático, solidário e sustentável. Firmar propostas e compromissos em prol da prática efetiva da democracia, apresentando uma agenda de participação social e política positiva para o país.

A primeira etapa do processo se estende até 2013. Entre as ações, somos convidados a aprofundar o documento 91 da CNBB, “Por uma reforma do Estado com participação democrática”, para novas e eficazes práticas de controle social e político. Também será incentivada a realização de seminários que aprofundem e sistematizem práticas das Igrejas e movimentos sociais em prol de uma sociedade justa, democrática, solidária e sustentável.

Para ajudar na preparação da 5ª Semana Social, aComissão Episcopal Pastoral para o Serviçoda Caridade, da Justiça e da Paz da CNBB, oferece ainda, uma reflexão crítica: “Bem viver, Caminho para a nova sociedade com novo estado”. Esta reflexão inicia-se com a retomada da história do Estado moderno; segue com uma reflexão sobre o Estado que temos; um terceiro passo é dado refletindo sobre o Estado que queremos; finalmente, abre-se uma reflexão sobre a relação entre teologia e pastoral com o Estado, acentuando a denúncia da inversão teológica que acontece quando o Estado se impõe como um absoluto, e o anúncio do Bem Viver – proposta indígena – e do Pertencimento – proposta afro-brasileira – como sinais dos tempos que devem ser acolhidos como ação amorosa de Deus libertador na vida de povos oprimidos e como abertura de caminho para a construção de outro Estado.

O texto, em sua Introdução, questiona-nos: não teríamos apostado tanto na eleição de um governo de origem popular sem levar a sério o caráter do Estado brasileiro? É provável que este seja o fundamento da repetida afirmação: elegemos o governo, mas não alcançamos o poder. Ou essa afirmação, especialmente quando repetida por responsáveis pelo governo, não seria uma desculpa para justificar as opções políticas assumidas?Outras perguntas poderiam ser formuladas, todas tentando compreender o que provocou e continua provocando tanta perplexidade diante da continuidade das políticas mais questionadas por todos que analisam criticamente a política brasileira.

A cada dia que passa, percebe-se que o futuro desta sociedade depende de duas variantes: do que for feito pelos movimentos sociais, com sua capacidade de mobilizar a cidadania na direção de mudanças estruturais, e das políticas públicas implementadas pelo Estado. Da mesma forma que o capitalismo neoliberal, também a sociedade percebe que precisa do Estado para transformar-se e ser regida pela justiça e pela distribuição da riqueza e da renda, em vez da injustiça e da concentração cada vez mais agressiva do território, dos bens naturais e da riqueza socialmente produzida por um número cada vez menor de grandes empresas.

O Estado está em disputa, e se depender da reflexão presente nesse texto, será disputado ainda mais. E não se trata de uma disputa superficial, a que a sociedade civil pretende fazer. Ao perceber que o Estado atual continua marcado pelo caráter liberal e neoliberal com que foi constituído, o que se apresenta como desafio político é a mudança desse caráter, tornando-o efetivamente democrático.

A democratização do Estado é um processo de recriação, de refundação, transformando-o em algo novo. Os valores, objetivos e sujeitos de referência devem ser novos, exatamente os que foram negados e excluídos pela burguesia.

Para isso, a reflexão crítica não se limita à negação, à análise que comprova a relação entre a prática do Estado e das formalidades democráticas e a dominação crescente dos grupos econômicos sobre a maioria da população. Ela procura igualmente resgatar as práticas que buscam concretizar propostas de vida em sociedade e de Estado alternativas. Trata-se de reconhecer que a sociedade brasileira é uma realidade histórica complexa, em que se enfrentam dinâmicas de opressão e libertação, de conservadorismo e de transformação política e cultural.

A longa história de enfrentamento do decreto de extermínio dos povos indígenas deve servir como estímulo maior para a persistência e para a teimosa esperança. Sua vida, suas lutas, seu Bem Viver estão aí como estímulo a todos no sentido de buscarmos juntos outro Estado, desta vez a serviço da vida.

Fonte: Arquidiocese
 

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

Gente de OpiniãoDomingo, 24 de novembro de 2024 | Porto Velho (RO)

VOCÊ PODE GOSTAR

Pentecostes: Comunidades de rosto humano!

Pentecostes: Comunidades de rosto humano!

Palavra de Dom Moacyr Grechi – Arcebispo Emérito de Porto Velho

Páscoa do povo brasileiro - Por Dom Moacyr Grechi

Páscoa do povo brasileiro - Por Dom Moacyr Grechi

Hoje reafirmamos a nossa fé na ressurreição de Cristo; somos uma Igreja Pascal. Na oração do Credo, proclamamos a ressurreição dos mortos e a vida ete

Verdade libertadora! Por Dom Moacyr Grechi

Verdade libertadora! Por Dom Moacyr Grechi

  A Igreja, convocada a fortalecer o povo de Deus na atual conjuntura, é chamada a estar ao lado daqueles “que perderam a esperança e a confiança no B

Lugar seguro para viver! - Por Dom Moacyr Grechi

Lugar seguro para viver! - Por Dom Moacyr Grechi

  Diante do aumento da violência agrária que atinge trabalhadores rurais, indígenas, ribeirinhos, quilombolas, pescadores artesanais, defensores de di

Gente de Opinião Domingo, 24 de novembro de 2024 | Porto Velho (RO)