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Dom Moacyr

ÉTICA E TRANSPARÊNCIA



Diante das recentes denúncias de corrupção na administração pública, veiculadas na imprensa, a CNBB divulgou uma nota intitulada “Ética e transparência”, reafirmando os princípios éticos e exigindo apuração dos fatos e punição dos culpados.

Pela sua importância, transcrevemos na integra a Nota de 11 de agosto:
 

O Conselho Episcopal Pastoral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, reunido em Brasília, de 09 a 11 de agosto de 2011, refletiu sobre temas pastorais e suas implicações na vida do povo. Chamaram a atenção do Conselho as notícias veiculadas pela imprensa, nestes dias, sobre casos de denúncias de corrupção na administração pública, o que gera um clima de perplexidade, insegurança e indignação.
 

Os princípios éticos da verdade e da justiça exigem exemplar apuração dos fatos com a conseqüente punição dos culpados, porque não se pode transigir diante da malversação do emprego do dinheiro público. Sacrificar os bens devidos a todos é um crime que clama aos céus por lesar, sobretudo, os pobres.
 

A atuação de instituições do Estado no atual contexto revela solidez. Os fatos em visibilidade, no entanto, reforçam a necessidade do aperfeiçoamento da democracia, o que só ocorrerá por meio de uma administração transparente e de uma profunda Reforma Política.

Nossa Senhora Aparecida seja intercessora junto ao seu Filho Jesus para que os brasileiros e brasileiras contribuam para a construção da justiça e da paz no País, na harmonia e na esperança.“Felizes os que têm fome e sede da justiça, porque serão saciados” (Mt 5,6).

Ao tratar das Exigências éticas o documento 42 da CNBB “Exigência éticas da ordem democrática” afirma que a nova Ordem Democrática brasileira só se consolidará quando a nação se empenhar decididamente numa transformação profunda, que modifique as relações sociais e garanta a efetiva participação de todos os cidadãos(n.1). Traz também considerações de caráter mais universal, como fundamentação do discernimento cristão da democracia (n.65-72).

A democracia consiste na simultânea realização e valorização da liberdade da pessoa humana e da participação de todos nas decisões econômicas, políticas, sociais e culturais que dizem respeito a toda a sociedade. Assim, a democracia é a afirmação da responsável liberdade pessoal do cidadão e da liberdade social de participação. Por um lado, com a democracia abre-se a possibilidade de efetiva diminuição das desigualdades sociais, na medida em que proporcione a todos as mesmas oportunidades de participação na organização da sociedade, de modo especial do processo produtivo. Isto significa que é no trabalho que os homens encontram o fundamento do seu direito de participar nas decisões que dizem respeito aos problemas da sociedade inteira, que vive do seu trabalho.

Como a pessoa humana tem a primazia sobre a instituição, a ordem social, tem por base, o reconhecimento do primado do trabalho sobre o capital e, como objetivo, o bem estar de todos na justiça social. A democracia não se realiza, de fato, quando o sistema econômico exclui parcelas da população dos meios necessários a uma vida digna: acesso ao trabalho com justa remuneração, à moradia, à terra, à educação, à organização sindical, à participação nos lucros e na gestão da empresa.

Por outro lado, a construção da democracia é a criação das condições necessárias para que os homens, como cidadãos, rompam o isolamento e sua desagregação social e ocupem o espaço público, através da discussão, da negociação, do diálogo e da decisão. Forja-se, assim, um novo sentido do viver em comum, onde ninguém é excluído da efetiva participação dos bens da sua nação, do direito à educação, respeitando as convicções éticas e religiosas, e "do direito à informação honesta".

Este novo sentido do viver em comum implica o reconhecimento do pluralismo e se efetiva na participação real, consciente e responsável nos movimentos, associações, sindicatos, partidos políticos, etc. Embora, em última análise o poder se enraíze na autoridade de Deus, no sistema democrático, como afirma a Constituição: "todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente". Assim, a razão de ser do Estado é usar do poder que emana do povo para servir o próprio povo. É sua obrigação desenvolver um modelo sócio-econômico capaz de erradicar a miséria e promover efetivamente o bem comum.

A existência de milhões de empobrecidos é a negação radical da ordem democrática. A situação em que vivem os pobres é critério para medir a bondade, a justiça, a moralidade, enfim, a efetivação da ordem democrática. Os pobres são os juízes da vida democrática de uma nação.

Faz parte da missão pastoral da Igreja anunciar e defender as exigências éticas para que elas iluminem a convivência social (n.4). A efetivação da Ordem Democrática defronta-se com numerosos obstáculos. A corrupção destrói o senso do bem comum na sociedade e desmoraliza a vida pública, chegando, por vezes, a marginalizar e mesmo a eliminar os que primam pela honestidade. Isto é mais grave, quando se aceita a corrupção como algo natural e normal no exercício do serviço público e no funcionamento das várias instâncias do governo, como, por exemplo, a auto-concessão de exorbitantes remunerações e a compra e venda de voto. A própria Justiça, que deveria ser o reduto intacto do exercício ético do Direito, em determinados casos é desvirtuada, lenta e elitizada, protelando o processamento de causas especialmente criminais. A cumplicidade e a impunidade favorecem os corruptos e estimulam, no campo ou na cidade, o sacrifício de vítimas inocentes (26-27).

O reconhecimento da dignidade da pessoa humana e a atuação da solidariedade são, hoje, universalmente considerados como exigências éticas fundamentais, mesmo que muitas vezes não sejam efetivamente praticados (n.88-89). A fé cristã, apesar das falhas dos próprios cristãos, contribuiu decisivamente para o reconhecimento dessas exigências. Pois no centro da fé cristã encontra-se uma afirmação sem igual da dignidade da pessoa humana: criatura que ocupa lugar eminente na obra do Criador (Gn 1,25-26), ela é chamada ao diálogo, à amizade e à comunhão com o próprio Deus. Vítima do pecado, ela é resgatada pelo sacrifício do Filho de Deus, que para isso se faz homem e eleva a humanidade a participar da vida divina. O Novo Testamento reflete, de diversas formas, a experiência que os discípulos de Jesus fizeram do amor de Deus, manifestado em Cristo, expressando a gratidão e o louvor tanto ao Pai, que "não poupou o próprio Filho" (Rm 8,32), como ao Filho, que os "amou até o fim" (Jo 13,1), e ao Espírito Santo, que suscita no coração dos filhos o amor ao Pai (Rm 8,16).

Num mundo marcado por desigualdade, ódio e injustiça, os cristãos enfrentam oposição a seus ideais (n.95.115). Respondem com a prática, ainda mais radical, da nova lei. Amor ao próximo significa para os cristãos não apenas amar o irmão de fé, o vizinho, o conterrâneo, mas aquele que está marginalizado ou inferiorizado, e mesmo o adversário e o perseguidor. O cristão não se limita a amar o próximo. Faz-se próximo do outro (cf. Lc 10,36-37). O pequeno e o pobre tornam-se para ele o rosto do próprio Senhor (cf. Mt 25,31-45). Paradoxalmente, os rejeitados tornam-se privilegiados no "Reino de Deus" (cf. Mt 5,1-10; Lc 6,20-23).

São muitas as dificuldades para se construir uma democracia alicerçada nos valores éticos e cristãos. Com verdadeira ansiedade pastoral, para que não se confunda democracia com permissividade moral, pedimos que todos colaborem na urgente tarefa da educação ou reeducação dos comportamentos individuais, familiares e sociais, hoje tão perigosamente deteriorados entre nós.

Fonte: Pascom

 

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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