Neste domingo somos convidados a abrir nossos olhos e seguir Jesus. O verdadeiro discípulo é aquele que, pela fé, enxerga e segue a Jesus. “Mestre, que eu veja”, clamou o cego Bartimeu (Mc 10,46-52).
Bartimeu é modelo de toda pessoa que precisa abrir os olhos, tomar consciência, comprometer-se e seguir o Mestre até o fim. O cego curado apresenta um belo itinerário para o discipulado: consciência do que se é, acompanhada de inconformismo (sentado à beira do caminho, tendo de viver de esmolas, como muitos pedintes de hoje, também os daquele tempo eram explorados); consciência de que Jesus pode transformar essa situação (clamor); resistência no clamor, não se intimidando diante de quem manda calar; ruptura definitiva com o passado que não gera a vida (salto, manto jogado fora); consciência de que deseja algo novo (Jesus o provoca a dizer o que pretende que seja feito); e, finalmente, seguimento livre de Jesus.
A cura do cego Bartimeu é, no Evangelho de Marcos, o último milagre de Jesus, encerrando também a caminhada do Mestre para Jerusalém, onde será morto e ressuscitará (VP). O cego curado é retrato de toda pessoa que deseja seguir Jesus até o fim.
Na próxima quinta-feira, dia 2 de novembro faremos memória daqueles que nos precederam, agradecendo a Deus pela sua existência e pela forma como participaram da construção de nossa própria história.
No dia em que celebramos os finados, tudo fala de vida, de modo que podemos afirmar, com toda certeza e alegria, que morrer é viver. E como São Francisco de Assis, podemos, então, até louvar o Senhor pela “irmã morte”, que nos vem tomar pela mão no momento da “grande passagem”.
Infelizmente, a sociedade de hoje não nos prepara para a morte; quando a vida é desumanizada, a morte também perde o seu sentido.
Quando a morte chega, ela interrompe o nosso existir e o nosso conviver. Deixa um saudoso vazio, nos faz chorar. Ela nos silencia e sensibiliza, levanta perguntas e nos deixa meditativos. Ela relativiza a nossa vida e o nosso mundo. Questiona a nossa vida, o nosso saber, poder e autossuficiência; o nosso orgulho, as nossas vaidades e ilusões. A morte abre os nossos olhos racionais, tão ofuscados pelo materialismo do ter, e nos faz ver a vida de maneira mais profunda. A morte nos revela o que realmente é vida, o que verdadeiramente é essencial e vital. Podemos dizer que a morte não é sem sentido. É um chamado à conversão aos verdadeiros princípios e valores que iluminam e dão sentido à vida. Ela nos convida a vermos a vida para além do horizonte desse mundo. Revela-nos que a existência humana não se limita ao planeta Terra.
A Liturgia, no Prefácio dos Defuntos, apresenta, com admirável precisão, a visão cristã da morte: “Senhor, para os que crêem em Vós, a vida não é tirada, mas transformada e, desfeito o nosso corpo mortal, nos é dado nos céus, um corpo imperecível”.
Talvez alguns desejariam nunca morrer e nem ver morrer aqueles a quem amam tanto... Como seria um mundo sem morte, onde todos vivessem para sempre? Nossa fé na ressurreição nos faz acolher este sentido da morte: uma etapa se fecha e uma nova se abre no grande processo da vida. Com a fé, nosso desejo de viver eternamente se torna certeza de que “a vida não nos é tirada, mas transformada”.
Devemos sempre iluminar o mistério da morte cristã com a luz de Cristo Ressuscitado. E para os que morrem na graça de Cristo, é uma participação na morte do Senhor, a fim de poder participar também de sua ressurreição. A morte, sendo o fim normal, recorda-nos que temos um tempo limitado para realizar a nossa vida. Graças a Cristo, a morte cristã tem um sentido positivo. Na pessoa de Jesus ressuscitado, Deus se revela aquele que ressuscita os mortos. Da mesma forma como ressuscitou Jesus, Deus nos ressuscitará também (J.Patias).
Diante da fragilidade da fé, do que nos espera depois da morte, do medo da morte e do desejo de morrer, Cardeal Martini, falecido recentemente, escreveu:
Acima de tudo, a morte: ela é dolorosa para todos. Mas às vezes acontece que quem está pesadamente sobrecarregado por grandes dores chegue a dizer: como poderei continuar sofrendo assim? Melhor ir embora! Não é um pecado pensar desse modo, mas devemos estar atentos de que isso não leve a um suicídio de verdade. Manifestar simplesmente o nosso pedido a Deus para que ele nos leve logo consigo é uma demanda lícita. Mas devemos nos habituar a levar em conta tudo o que é positivo.
No que se refere ao medo da morte, não há remédios fáceis. Não basta, por exemplo, impor a si mesmo que não se pense nisso. Eu não conheço nenhum método melhor do que o de se concentrar no presente. Assim, também é possível atualizar o modo com o qual Cristo derrotou a morte, oferecendo-se totalmente a Deus Pai. Mesmo morrendo de uma morte injusta e cruel, ele disse: “Em tuas mãos, Pai, entrego o meu Espírito”. Esse é o segredo! Se não nos confiarmos a Deus como crianças, deixando que Ele disponha do nosso futuro, nunca chegaremos a fazer esse gesto de total abandono de si mesmo, que constitui a substância da fé.
Certamente, vamos rever aqueles que amamos. Mesmo aqueles que amaram mesmo não tendo conhecido Jesus. Como Dante diz: “A bondade de Deus tem, sim, grandes braços, que toma o que se dirige a ela”. Mas de onde vem uma fé tão dócil? Ela é dom de Deus. Mas isso não significa que não somos chamados a fazer tudo o que está nas nossas possibilidades para receber esse dom. Depois, o fato da ausência prolongada de uma pessoa muito querida gerar em nós a solidão, isso é algo que deve ser compreendido e respeitado. Não é difícil na nossa vida experimentar momentos dramáticos por ocasião da morte de um parente próximo ou de um amigo muito querido. A sua alma, como diz o pensamento hindu, “deixou o seu corpo”, e é inútil encontrar nele sinais de vida nova.
No Dia de Finados, saudosos de nossos mortos, ouçamos o apóstolo Paulo (Cor 5,1.8-9): “Sabemos, com efeito, que se a nossa morada terrestre, esta tenda, foi destruída, teremos no céu um edifício, obra de Deus, morada eterna, não feita por mão humanas (...). Sim, estamos cheios de confiança. E preferimos deixar a mansão deste corpo para ir morar junto do Senhor. Por isso, também esforçamo-nos por agradar-lhe, quer permaneçamos em nossa mansão, quer a deixemos”. No Dia de Finados deixemos que a esperança cristã invada nossos corações.
O gesto mais comum em finados é a visita ao cemitério, a participação na Eucaristia e as devoções próprias de cada cultura, como acender velas, oferecer flores e enfeitar os túmulos dos falecidos. Em todos estes gestos antropologicamente enraizados no ser humano transparece a consciência que temos de nossa finitude e da necessidade absoluta de apego ao Divino para a manutenção da esperança em glorificação da existência.
Acendemos velas para lembrar que essa luz segue iluminando-nos, em nossos corações. Veneramos seus exemplos e imitamos sua fé (Hb 13,7). Enfeitamos as sepulturas com flores, símbolo da ressurreição. Nossos mortos são plantados como sementes, regadas com nossas lágrimas, e florescem ressuscitados no jardim do Senhor.
Além disso, ao recordar a vida de um ente querido, nós próprios deparamo-nos com a realidade da morte em nossa vida e pesamos nossos comportamentos pessoais e sociais. A presença da limitação e fraqueza da vida permite-nos ser mais humildes na consideração da validade de nossa vida. Não há como ficar insensível diante da finitude da carne humana!
Em todos os cemitérios de nossas cidades, celebramos a Eucaristia, pois são lugares santos, onde depositamos respeitosamente os corpos de nossos irmãos falecidos, santificados pela água batismal. Os cemitérios são território sagrado, são espaços simbólicos, nos quais elevamos nossas preces em favor dos que já partiram, celebrando a vitória da vida sobre a morte, repetindo o que nos diz a primeira carta aos Coríntios: “Onde está a tua vitória, ó morte”?
A Eucaristia é fonte de vida, pois proclama a ressurreição de Cristo, enquanto esperamos sua volta. Com viva fé, no dia de finados, rezamos: “Creio em Jesus Cristo que foi crucificado, morto e sepultado e ressuscitou ao terceiro dia”. Também repetimos com toda a Igreja: “O Senhor de novo há de vir, em sua glória, para julgar os vivos e os mortos”.