Sábado, 21 de abril de 2012 - 14h25
Ao completar o oitavo dia da solenidade da Páscoa, a história da salvação alcança sua meta. O dia da ressurreição passa a ser indicado pelos cristãos como o “dia do Senhor”, celebrado como o dia que qualifica a existência dos discípulos, totalmente orientado para Cristo, proclamado “Senhor” da história e da própria vida.
Nos domingos depois da Páscoa, a liturgia nos põe em contato com a primeira comunidade cristã. Nossa reflexão se detém na identidade da comunidade eclesial (At 4,32-35). Diante da acomodação das comunidades, da desigualdade e exploração, encontramos nesse texto dos Atos dos Apóstolos a primeira comunidade fundada na união e na fé, apesar de serem muitos: “A multidão dos fiéis era um só coração e uma só alma. Ninguém considerava como próprias as coisas que possuía, mas tudo entre eles era posto em comum”. A razão dessa união é a fé em Cristo ressuscitado. É à luz da vitória de Cristo sobre a morte que a comunidade se sente livre para partilhar tudo como expressão da única fé que possui. Para Lucas, a posse e o acúmulo são sintomas do medo e da morte, ao passo que a comunhão dos bens é sinal de vitória sobre a morte (VP).
Os primeiros cristãos tinham consciência de ser a comunidade messiânica nascida do Espírito do ressuscitado. O retrato da comunidade tem um ideal: acabar com a miséria, suprimindo para sempre o acúmulo do latifúndio e a especulação imobiliária, a fim de que todos tenham o necessário para viver com dignidade. Esse ideal se fundamenta na vitória de Cristo sobre a morte e se concretiza na partilha dos bens. A partilha pressupõe o discernimento: detectar as necessidades, destruir os contrastes sociais para que a comunhão se torne realidade.
O Documento de Aparecida incentiva-nos a viver esta identidade eclesial: “Igual às primeiras comunidades de cristãos, hoje nos reunimos assiduamente para “escutar o ensinamento dos apóstolos, viver unidos e participar do partir do pão e nas orações”(At 2,42). A comunhão da Igreja se nutre com o Pão da Palavra de Deus e com o Pão do Corpo de Cristo. A Eucaristia, participação de todos no mesmo Pão de Vida e no mesmo Cálice de Salvação, faz-nos membros do mesmo Corpo (1Cor 10,17). Ela é a fonte e o ponto mais alto da vida cristã, sua expressão mais perfeita e o alimento da vida em comunhão. Na Eucaristia, nutrem-se as novas relações evangélicas que surgem do fato de sermos filhos e filhas do Pai e irmãos e irmãs em Cristo. A Igreja que a celebra é “casa e escola de comunhão” onde os discípulos compartilham a mesma fé, esperança e amor a serviço da missão evangelizadora”(DAp 158).
A comunidade dos discípulos em Jerusalém é o primeiro fruto da Páscoa e modelo de toda possível comunidade futura: uma comunidade de homens e mulheres participantes da ressurreição de Jesus. A vida deles testemunha que é possível agora uma nova maneira de viver e de relacionar-se. Ela se constrói através de um processo contínuo, sobre os fundamentos que serão os pilares da comunidade cristã de todos os tempos: a escuta perseverante da palavra dos apóstolos no espírito de fé; a comunhão fraterna que nasce da união interior, que chega até a partilha dos bens, dando atenção às necessidades diferentes de cada um; a partilha da mesa do pão eucarístico; a oração comunitária, expressão da comum orientação da vida em relação com o Senhor.
O dinamismo da ressurreição se estende da pessoa de Jesus de Nazaré ao seu corpo vivente, os discípulos e a Igreja inteira ao longo do tempo.
No Evangelho do 2º Domingo da Páscoa (Jo 20,19-31) Jesus ressuscitado está presente na comunidade que é chamada a viver a fé que não exige sinais extraordinários para perceber Jesus presente nela. Sua ressurreição é o sinal de que ele vive e sobe à glória do Pai. Na hora de sua despedida, abre o seu mistério de união com o Pai e inclui nele os seus discípulos, antes de assumir, livremente, a morte por amor e ser ressuscitado por Deus.
Os apóstolos foram as testemunhas da ressurreição de Jesus. Eles puderam ver o Ressuscitado e por isso acreditaram. O Cristo descrito nos evangelhos é visto a partir da fé dos apóstolos.
Tomé foi convidado por Jesus a tocar suas chagas e ao verificar, acreditou: “Meu Senhor e meu Deus”. A ele foi dado experimentar a realidade do Crucificado que ressuscitou, e o apóstolo proclama a sua fé, tornando-se verdadeiro fiel. Nós não temos esse privilégio. Seremos felizes se crermos sem ter visto. Mas, para que isso fosse possível, os apóstolos nos deixaram os evangelhos, testemunho escrito do que eles viram e da fé no Cristo e Filho de Deus que abraçaram. A fé dos apóstolos é nossa.
Para que isto seja possível hoje, também o documento de Aparecida ajuda-nos nessa reflexão: “Neste momento, com incertezas no coração, perguntamo-nos com Tomé: “Como vamos saber o caminho”? (Jo 14,5). Jesus nos responde com uma proposta provocadora: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida” (Jo 14,6). Ele é o verdadeiro caminho para o Pai, quem tanto amou ao mundo que deu a seu Filho único, para que todo aquele que nele creia tenha a vida eterna (Jo 3,16). Esta é a vida eterna: “que te conheçam a ti o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo teu enviado” (Jo 17,3). A fé em Jesus como o Filho do Pai é a porta de entrada para a Vida. Como discípulos de Jesus, confessamos nossa fé com as palavras de Pedro: “Tuas palavras dão vida eterna” (Jo 6,68); “Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo” (Mt 16,16),(DAp 101).
Nossa fé não vem de provas imediatas, mas da fé das “testemunhas designadas por Deus” (At 10,41), principalmente dos apóstolos. O importante não é “verificar”, ao modo de Tomé, mas viver o sentido da fé que os apóstolos transmitiram. A fé dos apóstolos exige que creiamos em seu testemunho sobre Jesus morto e ressuscitado e também que pratiquemos a vida de comunhão fraterna na comunidade eclesial que brotou de sua pregação.
Sem fé em Jesus, não é possível celebrar a Páscoa, pois a Igreja celebra a morte e a ressurreição de Cristo e a morte e ressurreição dos seguidores de Jesus. O documento de Aparecida atesta: “Quando cresce no cristão a consciência de se pertencer a Cristo, em razão da gratuidade e alegria que produz, cresce também o ímpeto de comunicar a todos o dom desse encontro. A missão não se limita a um programa ou projeto, mas em compartilhar a experiência do acontecimento do encontro com Cristo, testemunhá-lo e anunciá-lo de pessoa a pessoa, de comunidade a comunidade e da Igreja a todos os confins do mundo” (At 1,8; DAp 145)).
Jesus foi alguém apaixonado pelo reino de Deus e que viveu em profundidade a dinâmica de acolhida, hospitalidade e compaixão pelos outros. Foi alguém que trouxe à tona a possibilidade da alegria e da esperança em tempos propícios à apatia e exclusão. Sua mensagem ou Boa Nova colocou no centro do cenário a bem aventurança dos pobres e a exigência de partilha de sua causa. Para Faustino Teixeira, comentando o livro de Pagola sobre Jesus Cristo, não há como aproximar-se dele sem sentir-se atraído e fascinado por sua pessoa, pelo carinho e ternura com que trata os outros, independente de seu gênero, etnia ou religião. O que fala mais alto em Jesus é o seu testemunho de vida, e é este que devemos buscar seguir em nossa trajetória existencial. É importante sublinhar também que o segredo desta atuação profética está na forma singular de sua relação amorosa com Deus. É Deus mesmo, com seu projeto, que está no centro de sua vida, como Presença que o transforma interiormente e faculta a tonalidade de sua vida de abertura, acolhida e compromisso gratuito com os outros. E Jesus apresenta-nos um Deus profundamente interessado pelos humanos, um Deus de entranhas de compaixão, um Deus que não é propriedade de religião alguma, pois é Pai de todos, um Deus que é movimento e transformação.
Pelo testemunho que nasce da fé e assumindo nossa identidade de cristãos, seguidores e seguidoras do Cristo Ressuscitado, buscamos dar continuidade ao projeto de vida do Deus fiel, anunciando Jesus e devolvendo a vida e a liberdade aos que delas foram privados. Dessa forma, enraizaremos firmemente a nossa fé em Jesus Cristo e nos empenharemos cada vez mais na luta por um mundo de paz, mais humano, fraterno e solidário.
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