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Dom Moacyr

Igreja e Questão Agrária


A Igreja, através da Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil, reunida em Assembleia na cidade de Aparecida/SP, entrega às comunidades eclesiais dois novos documentos e indicações pastorais em vista das eleições: “Pensando o Brasil: desafios diante das eleições 2014”, convocando os cidadãos a se prepararem conscientemente para o momento da eleição.

O primeiro documento trata da renovação das paróquias: “Comunidade de Comunidades: uma nova paróquia” e vai contribuir na evangelização de uma Igreja missionária seguindo o apelo de toda a Igreja e do Papa Francisco.
 
O segundo documento aprovado é “Igreja e Questão Agrária brasileira no início do século XXI” que retrata os direitos de propriedade e uso da terra. É uma palavra da Igreja ao Povo de Deus, elaborada em comunidade de fé, tendo em vista profeticamente animar e anunciar , como também denunciar graves injustiças ainda vigentes sobre os povos da terra, das água e das florestas. Dividido em três partes, a 1ª contextualiza a atual situação agrária no Brasil e apresenta as dificuldades enfrentadas pelos povos indígenas, quilombolas, pescadores, ribeirinhos, extrativistas. A 2ª parte traz o olhar da Igreja e de seus pastores e agentes pastorais sobre a questão agrária e a 3ª expressa nosso compromisso pastoral diante dos desafios agrários e os clamores do povo. O documento deverá ser apresentado ao poder público para que este saiba a posição da Igreja em relação a esses desafios.
 
Atualmente a Igreja se sente identicamente comprometida como em 1980, e identifica na realidade social deste século um protagonismo social e político dos movimentos sociais e agrários na luta pela terra, a ser exercido e apoiado, tendo em vista reverter o quadro de desigualdade social vigente.
 
Há mais de 30 anos, a 18ª Assembleia Geral da CNBB aprovou o documento “A Igreja e os Problemas da Terra”. A difícil situação em que viviam os trabalhadores do campo interpelava a Igreja e exigia seu compromisso e sua palavra. O documento de Puebla, com sua opção preferencial pelos pobres, estimulava a fidelidade ao Cristo presente nos rostos dos irmãos e irmãs vítimas da opressão e da exploração. De lá para cá muitas foram as mudanças pelas quais passou a sociedade brasileira. Foram importantes mudanças políticas, como o fim da ditadura militar e o processo de redemocratização do País, que culminou com a promulgação da Constituição Federal, em 1988. Diante do enfraquecimento do socialismo de estado, o capitalismo se impôs, internacionalmente, como única alternativa econômica e ideológica. As mudanças econômicas mais importantes foram capitaneadas pela globalização do mercado. Seus dogmas continuam marcando as relações de mercado e as relações sociais: a soberania intocável e inquestionável do capital financeiro, muitas vezes especulativo em sua volatilidade e virtualidade; a privatização, praticamente descontrolada, dos serviços públicos essenciais, como educação, saúde e transporte; a redução e a fragilidade do papel do estado posto a serviço dos interesses do mercado que se tornou o indiscutível marco regulador de quase todas as políticas públicas.
 
A sociedade brasileira, por sua vez, foi protagonista de mobilizações muito significativas: as campanhas pela anistia, pelas eleições diretas já, pela participação popular na constituinte, pela auditoria da dívida pública, pela reforma agrária, pelo voto consciente e a ficha limpa foram momentos importantes de uma expressão cívica atuante e consciente. Os anos 80 viram, também, os esforços para unificar as lutas sindicais, o surgimento de movimentos sociais combativos e a construção de um partido popular que condensasse os anseios de mudança vindos das camadas populares organizadas, que buscavam dar outro rosto à política brasileira. Em todo este processo, a Igreja teve seu papel: evangelizou, estimulou, incentivou as comunidades cristãs a assumir a dimensão política e social como própria e específica da vocação dos fieis leigos.
 
A jovem democracia brasileira passou por governos de diferentes matizes ideológicos, em alguns casos, até antagônicos, mas que acabaram enveredando por políticas sociais e econômicas muito parecidas. A implantação das regras relativas às políticas sociais brasileiras, estabelecidas pela constituição de 1988, garantiu avanços importantes no sistema de proteção aos direitos do cidadão, principalmente na educação básica e na seguridade social. Estas políticas sociais, porem, convivem com iniciativas pontuais de gestão da pobreza, de caráter assistencialista que, mesmo sendo responsáveis por alguma melhoria na desigualdade econômica e social, têm caráter marginal e, muitas vezes, de forte apelo eleitoral. Não são políticas de estado, pois estão vinculadas aos programas dos governos de plantão. Quase sempre, as poucas mudanças estruturais realizadas foram feitas para fortalecer o capital e acompanhar a lógica do mercado neoliberal.
 
Esta realidade é evidente, sobretudo, quando vista a partir das comunidades do campo, da floresta e das águas do nosso País. A sempre prometida reforma agrária não foi prioridade de nenhum dos governos democráticos. As decisões governamentais, nestas três décadas, foram, quase sempre, tomadas para favorecer o latifúndio e o agronegócio: financiamentos altíssimos, subvenções e até anistia para os endividados, impunidade e regularização da grilagem, legislação favorável aos interesses da bancada ruralista. É injustificável que os índices de produtividade, essenciais para provar a função social da propriedade, ainda sejam os do tempo da ditadura militar.
 
Hoje, mais de 30 anos depois, o povo do campo vive uma realidade mais dura e complexa. Se por um lado houve alguns avanços na afirmação de direitos, de outro, sente-se que os conflitos aumentam. Nada indica que esta tendência possa ser revertida e que tamanha violência venha a diminuir.
 
A Igreja, com sua presença pastoral em todos os recantos de nosso país, procurou estar atenta à realidade dos povos do campo e das florestas. Nestes anos, sua palavra se fez solidária e ao mesmo tempo, crítica, reafirmando os valores fundamentais contidos nas sagradas escrituras e no magistério eclesial, sempre procurando se fundamentar na contribuição das ciências sociais para fazer a leitura da realidade agrária histórica. Fazer memória deste serviço provoca nossa prática e nos chama a um processo permanente de conversão.

A declaração de 1986 “Por uma nova ordem constitucional” reafirmava os princípios da justiça social e o acesso à propriedade, subordinando a propriedade privada à destinação universal dos bens da terra para a realização de todas as pessoas e cobrava, em nome da justiça social, a implantação da reforma agrária, garantindo a terra para quem realmente nela trabalha, proibindo o despejo daqueles que estão efetivamente utilizando a terra e criando mecanismos que impeçam a concentração fundiária. Em 1993, o doc. “Ética: pessoa e sociedade” se confrontava com a vida do planeta terra e com a problemática ambiental. Em 1997, o documento “Exigências cristãs de uma ordem política”, afirmava: ser marginalizado é ser privado da terra por estruturas inadequadas e injustas.

A Igreja voltou a se pronunciar em 2002, no doc. “Exigências evangélicas e éticas de superação da miséria e da fome”, reafirmando a atualidade da oposição entre terra de trabalho e terra de negócio e invocando a urgência da reforma agrária. Em 2006, o doc. “Os pobres possuirão a Terra” fez uma análise mais orgânica da situação atual da realidade do campo brasileiro apontando: a culpa maior cabe aos que montam e mantém, no Brasil, um sistema de vida e trabalho que enriquece uns poucos à custa da pobreza ou miséria da maioria. A demarcação das áreas indígenas e o reconhecimento das terras das comunidades quilombolas e de outras populações tradicionais foram lembrados em 2010, no doc. “Por uma reforma do estado com participação democrática”. Dois pontos importantes deste documento diziam respeito à democratização do acesso à terra e ao solo urbano e aos cuidados com o planeta terra como responsabilidade humana. Nesse mesmo ano a CNBB aprovou o texto “Igreja e Questão Agrária no Início do Século XXI” (hoje documento) que serviu de subsídio à reflexão das comunidades eclesiais e que utilizamos hoje para nossa reflexão.

A partir de 2011, nas Diretrizes Gerais, o apelo da Igreja tem sido em prol da inclusão social, da ecologia humana e do crescimento orientado para o desenvolvimento sustentável.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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