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Dom Moacyr

Igreja que se renova!


 
     O papa João XXIII, quando anunciou o 21º Concílio Ecumênico ao mundo (Vaticano II: 1962-1965), utilizou muito a expressão “aggiornamento”, cujo sentido é atualização, ruptura, novidade na continuidade: “Devemos continuar no trabalho que a nossa época exige, seguindo o caminho que a Igreja percorreu por quase 20 séculos. É necessário que esta doutrina certa e imutável, à qual devemos dar uma adesão de fé, seja aprofundada e exposta como exigido pelos nossos tempos”.

 
Quando o Papa Francisco se dirigiu aos bispos do Conselho da Conferencia Episcopal Latino-americano (CELAM)sobre a renovação interna da Igreja ele falou da necessidade de uma avaliação da caminhada em conformidade com as diretrizes do documento de Aparecida, que propõe a conversão pastoral. Conversão que implica “acreditar na Boa Nova, acreditar em Jesus Cristo portador do Reino de Deus, em sua irrupção no mundo, em sua presença vitoriosa sobre o mal; acreditar na assistência e guia do Espírito Santo; acreditar na Igreja, Corpo de Cristo e prolongamento do dinamismo da Encarnação”.
 
     Enquanto muitos questionam se a Igreja é capaz de dizer uma palavra a este novo mundo de hoje, o papa Francisco afirma que “estamos um pouco atrasados no que a Conversão Pastoral indica”. É necessário “que nos ajudemos um pouco mais a dar os passos que o Senhor quer que cumpramos neste hoje da América Latina e do Caribe”.
 
O Vaticano II rejuvenesceu e renovou a Igreja por dentro (V.Codina). Passamos de uma Igreja centrada no poder e na hierarquia para uma Igreja do Povo de Deus (LG), que caminha junto com toda a humanidade na história e está aberta aos desafios dos novos sinais dos tempos (GS); que unge os fiéis com o dom da fé e reparte uma pluralidade de carismas; uma Igreja pobre e que abraça os pecadores em seu seio (LG 8), uma Igreja que reconhece e respeita a liberdade de cada um de buscar e professar sua fé segundo sua consciência (DH).
 
     O papa Francisco retomou este espírito e primavera conciliar em seu discurso aos bispos do CELAM, por ocasião da Jornada Mundial da Juventude no Rio de Janeiro, dizendo que também é “testemunha do forte impulso do Espírito na V Conferência Geral do Episcopado da América Latina e do Caribe” (Aparecida, maio/2007) que continua animando os trabalhos de renovação das Igrejas particulares, através do projeto missionário denominado “Missão Continental”.
 
Dentre suas orientações eclesiológicas, está a caminhada do discípulo missionário que Deus quer hoje para os seguidores de Jesus. “O discipulado missionário é vocação: chamada e convite hoje; a posição do discípulo missionário não é uma posição de centro, mas de periferia: o centro é Jesus Cristo, que convoca e envia; o discípulo é enviado para as periferias existenciais”.
 
     A própria vocação, a liberdade e a originalidade são dons de Deus para a plenitude e a serviço do mundo (DAp 111). Refletindo as orientações do papa, neste mês de agosto, dedicado às vocações, podemos perguntar-nos como Tomé: “como vamos saber o caminho?” (Jo 14,5) e ouvir a resposta provocadora de Cristo: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida” (Jo 14,6; DAp 101)  e prontamente responder: “Eis-me aqui, envia-me” (tema do mês vocacional).
 
     O chamado que Jesus, o Mestre faz, implica numa grande novidade. O discípulo experimenta que a vinculação íntima com Jesus no grupo dos seus é participação da Vida saída das entranhas do Pai, é se formar para assumir seu estilo de vida e suas motivações (Lc 6,40b), viver seu destino e assumir sua missão de fazer novas todas as coisas (DAp 131). A resposta a seu chamado exige entrar na dinâmica do Bom samaritano (Lc 10,29-37), que nos dá o imperativo de nos fazer próximos, especialmente com o que sofre, e gerar uma sociedade sem excluídos, seguindo a prática de Jesus (DAp 135).
 
     Quando o papa Francisco falou “de coração a coração” com os bispos do Brasil, “pastores a quem Deus confiou o seu rebanho”, ele disse: “Nas ruas do Rio, jovens de todo o mundo e muitas outras multidões estão esperando por nós, necessitados de serem envolvidos pelo olhar misericordioso de Cristo Bom Pastor, que nós somos chamados a tornar presente”. E mais uma vez questionou e esclareceu: “O que Deus pede a nós nesta mudança de época”?
 
     Precisamos de uma Igreja capaz de encontrar seus discípulos em sua caminhada (como os discípulos de Emaús); capaz de inserir-se na sua conversa; que saiba dialogar com aqueles discípulos, que, fugindo de Jerusalém, vagam sem meta, sozinhos, com o seu próprio desencanto, com a desilusão de um cristianismo considerado hoje um terreno estéril, infecundo, incapaz de gerar sentido.
 
     Uma Igreja capaz de fazer companhia, de ir para além da simples escuta; uma Igreja, que acompanha o caminho pondo-se em viagem com as pessoas; uma Igreja capaz de decifrar a noite contida na fuga de tantos irmãos e irmãs de Jerusalém; uma Igreja que se dê conta de como as razões, pelas quais há pessoas que se afastam, contém já em si mesmas também as razões para um possível retorno, mas é necessário saber ler a totalidade com coragem. Jesus deu calor ao coração dos discípulos de Emaús. Precisamos de uma Igreja capaz ainda de devolver a cidadania a muitos de seus filhos que caminham como em um êxodo.
 
Para a Igreja no Brasil, não basta um líder nacional; precisa de uma rede de “testemunhos”, que, falando a mesma linguagem, assegurem em todos os lugares, não a unanimidade, mas a verdadeira unidade na riqueza da diversidade. A comunhão é uma teia que deve ser tecida com paciência e perseverança, que vai gradualmente aproximando os pontos para permitir uma cobertura cada vez mais ampla e densa. Um cobertor só com poucos fios de lã não aquece.
 
     Os discípulos de Emaús voltaram para Jerusalém, contando a experiência que tinham feito no encontro com o Cristo Ressuscitado (Lc 24,33-35). E lá tomaram conhecimento das outras manifestações do Senhor e das experiências dos seus irmãos. Aparecida falou de estado permanente de missão e da necessidade de uma conversão pastoral. 
 
     Quanto à missão, lembremos que a urgência deriva de sua motivação interna, isto é, trata-se de transmitir uma herança, e, quanto ao método, é decisivo lembrar que uma herança sucede como na passagem do testemunho, do bastão, na corrida de estafeta: não se joga ao ar e quem consegue apanhá-lo tem sorte, e quem não consegue fica sem nada. Para transmitir a herança é preciso entregá-la pessoalmente, tocar a pessoa para quem você quer doar, transmitir essa herança.
 
     Quanto à conversão pastoral, lembremos que pastoral nada mais é que o exercício da maternidade da Igreja. Ela gera, amamenta, faz crescer, corrige, alimenta, conduz pela mão; por isso, faz falta uma Igreja capaz de redescobrir as entranhas maternas da misericórdia. Sem a misericórdia, temos poucas possibilidades de inserir-nos em um mundo de “feridos”, que têm necessidade de compreensão, de perdão, de amor. Ignora-se a “revolução da ternura”, que provocou a encarnação do Verbo. Há pastorais posicionadas com tal dose de distância que são incapazes de conseguir o encontro: encontro com Jesus Cristo, encontro com os irmãos. A proximidade cria comunhão e pertença, dá lugar ao encontro. A proximidade toma forma de diálogo e cria uma cultura do encontro.
 
Nesta nossa missão de seguidores de Jesus, “é muito importante reforçar a família, que permanece célula essencial para a sociedade e para a Igreja; os jovens, que são o rosto futuro da Igreja; as mulheres, que têm um papel fundamental na transmissão da fé e constituem uma força cotidiana que faz evoluir uma sociedade e a renova. Não reduzamos o empenho das mulheres na Igreja; antes, pelo contrário, promovamos o seu papel ativo na comunidade eclesial. Se a Igreja perde as mulheres, na sua dimensão global e real, ela corre o risco da esterilidade”. Aparecida põe em evidência também a vocação e a missão do homem na família, na Igreja e na sociedade, como pais, trabalhadores e cidadãos. 
 
A Igreja Esposa, Mãe, Servidora, deve ser facilitadora da fé e não controladora da fé; a proposta dos grupos bíblicos, das comunidades eclesiais de base e dos Conselhos pastorais está na linha de superação do clericalismo e de um crescimento da responsabilidade laical. A Igreja não é uniformidade, mas diversidades que se harmonizam na unidade.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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