Estamos iniciando a Semana dos Povos indígenas (14-20/04/2013), com o tema “O grito dos povos indígenas pela garantia dos direitos constitucionais” e com uma boa notícia: adevolução integral da Terra Indígena Marãiwatsédéao povo Xavante, após 20 anos de conflito entre produtores rurais, índios e União.
“A ação desenvolvida pelo governo federal foi um reconhecimento do direito e da luta de vocês, que durante décadas sonharam em retornar ao seu território tradicional, do qual foram indevidamente retirados”,afirmou o ministro Gilberto Carvalho, da Secretaria-Geral da Presidência da República, durante solenidade realizada no dia 05 de abril na aldeia xavante Marãiwatsédé, no norte de Mato Grosso.
Para Dom Pedro Casaldáliga, que sofreu perseguições e ameaças de morte durante o processo de desintrusão desta área da etnia xavante, “a justiça valeu” e espera (disse numa entrevista ao G1), como nós também esperamos, “que este ato se torne modelo, exemplo para demais casos de atuação da política indigenista nacional”.
O Conselho Indigenista Missionário -CIMI ao completar 40 anos de missão, luta e caminhada, lançou uma publicação: “Povos indígenas: aqueles que devem viver. Manifesto contra os decretos de extermínio”(2012). O livro é dedicado a Antonio Brand, que aos povos indígenas entregou sua vida antes mesmo que ela fosse ceifada de forma prematura; ao Nisio Gomes e Zezinho (Guarani Kaiowá) e a todos os mártires indígenas que seguem caindo em defesa de seus povos, terras e vidas nestes 512 anos de invasão. Também aos mártires do Cimi e suas caminhadas junto aos povos desta terra, resistentes e vivos.
Segundo Egon Heck e Güenter Loebens (Posfácio), o decreto de extermínio dos povos indígenas, que passou a vigorar desde a chegada dos primeiros conquistadores, há cinco séculos, nunca foi revogado.
Somos testemunhas e que sirva de reflexão nesta Semana dos Povos, nossos irmãos e irmãs Indígenas, de que o projeto invasor não deu trégua aos povos nativos dessa terra. Invadiram, saquearam, destruíram e ocuparam as terras sagradas desses povos, impiedosamente. Milhões de vidas foram ceifadas. “Reduzidos sim, vencidos nunca”. Prova disso são os processos de recuperação e retomada de suas terras.
Contra esse decreto de extermínio os povos indígenas usaram diferentes estratégias luta, como a guerra, a guerrilha, a fuga, o isolamento e mesmo a resistência passiva e a ocultação da identidade étnica. O certo é que esses povos, submetidos à secular dominação, nunca deixaram de lutar, resistir e reconstruir seus projetos de futuro, mesmo em meio às ruínas e sofrimentos de toda ordem.
Em consequência dessas lutas e resistência, os povos indígenas chegam a ao século XXI não apenas como sobreviventes, mas como povos com ricas culturas e sabedoria milenar. É a partir daí que se constituem em importantes atores sociais, políticos e étnicos, trazendo importantes contribuições na construção de novos projetos de vida nos distintos países.
O principal campo da luta tem sido a defesa, garantia e recuperação de seus territórios. Graças a essa tenaz resistência, hoje reivindicam diferentes fases de regularização mais de mil terras indígenas, perfazendo mais de 12% do território que originariamente lhes pertencia.
A bandeira de luta pela recuperação, demarcação e garantia das terras une os povos indígenas de norte a sul do país. Formas próprias de organizações indígenas começam a ser ensaiadas e ganham corpo no processo de luta pela garantia de direitos. Povos inteiros renascem das cinzas. “Passamos muito tempo com a voz escondida, mas não morremos e estamos muito vivos. Somos resistentes nesta luta”, diz cacique Pequena do povo Genipapo-Kanindé. A expulsão dos posseiros da terra indígena Nonoai, no Rio Grande do Sul, pelos indígenas Kaingang e Guarani, em 1978, anima as lutas indígenas.
Pelo Estatuto do Índio (Lei 6001 de dezembro de 1973), o Estado brasileiro era obrigado a demarcar todas as terras indígenas até o final de 1978. Decidido a não demarcar as terras, os governos militares propuseram alternativa para resolver o problema – um Projeto de Emancipação dos Índios.
Com esse projeto, 80% dos índios brasileiros deixariam a condição de indígenas, pois se emancipariam. A retomada das terras indígenas, no entanto, é uma luta gigantesca. Marçal de Souza retrata bem essa realidade, num pronunciamento dirigido ao papa João Paulo II, em Manaus, em 1980:
“Nossas terras são invadidas, nossas terras são tomadas, os nossos territórios são diminuídos, e não temos mais condições de sobrevivência.
Queremos dizer a Vossa Santidade a nossa miséria, a nossa tristeza pela morte de nossos líderes assassinados friamente por aqueles que tomam nosso chão, aquilo que para nós representa a própria vida e nossa sobrevivência neste grande Brasil”.
Três anos após essa denúncia, Marçal é assassinado em Campestre, onde era enfermeiro e apoiava as lutas de retomada dos Kaiowá Guarani.
Graças às lutas incansáveis, com a morte de dezenas de lideranças, desde
Simão Bororo, Marçal de Souza Guarani, Xikão Xucuru, Ângelo Kretã Kaingang,
Ângelo Pankararu, Aldo Makuxi, Galdino Pataxó Hã-hã-hae, Nisio Gomes Guarani-Kaiowá, dentre outros, e movimentos nacionais como o Acampamento Terra Livre (ATL), foram conquistados definitivamente a Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima e a Terra Indígena Caramuru Catarina-Paraguaçu, dos Pataxó Hã-hã-hãe, no sul da Bahia.
Na solidariedade e apoio efetivo dos missionários à luta pela terra, também vários mártires tombaram por essa causa: padre Rodolfo Lukenbein, padre João Bosco Burnier, irmão Vicente Cañas, irmã Cleusa Rody, entre outros.
A vitória mais expressiva dos povos indígenas nas últimas décadas tem sido a conquista de seus direitos na Constituição Federal de 1988. Os povos indígenas participaram ativa e eficazmente na luta por seus direitos na Constituição. Tiveram apoio de movimentos e instituições aliadas, particularmente o Cimi. Foi também nessa ocasião que tiveram os mais fortes ataques contra os seus direitos, capitaneados pelas mineradoras e setores militares, madeireiros e latifundiários. Uma sórdida campanha contra seus direitos resultou numa Comissão Mista Parlamentar de Inquérito, em agosto de 1988, cujo objetivo único era impedir o reconhecimento dos direitos indígenas na Constituição. Felizmente a farsa e mentira foram desmontadas e os direitos indígenas conquistados.
Outro fator importante a destacar é a extraordinária capacidade e vontade de resistir e viver dos povos indígenas. Isso fez com que de menos de 100 mil pessoas, na década de 60, cheguem ao início do século 21 com quase um milhão de pessoas. Com isso demonstraram aos arautos do fim dos índios até o ano 2000, de que não apenas sobreviveram e aumentaram sua população, mas que viverão muito mais do que os projetos de morte e continuarão construindo seus projetos de vida e futuro, contribuindo dessa forma para uma humanidade mais justa, plural e igualitária.
Povos inteiros renascem das cinzas. Em varias regiões do país dezenas de povos indígenas que constavam na listagem oficial dos povos extintos, voltam ao cenário nacional, exigindo do Estado brasileiro o reconhecimento de sua identidade indígena e a demarcação de suas terras. Apesar de expulsos para espaços estranhos, especialmente as periferias das cidades, os povos indígenas têm demonstrado uma enorme capacidade de reconstruir e resignificar nesses espaços a própria vida, a partir de seus valores e crenças.
Hoje quase a metade da população indígena no Brasil se encontra expulsa de suas terras originárias engrossando os sem terra e as periferias de centenas de cidades brasileiras. Ali procuram reconstruir suas vidas, sem perder a raiz e o contato com seus parentes nas aldeias( CIMI, Povos indígenas...).
No Estado de Rondônia a maior parte das terras indígenas continua sofrendo a invasão de madeireiros, garimpeiros, pescadores, fazendeiros, hidrelétricas, biopirataria e todo tipo de pressão do agronegócio.
A Igreja continua apoiando a luta indígena pela demarcação de suas terras para que prevaleça a Constituição e os povos indígenas vivam a comunhão nacional, como sujeitos de direitos e cidadãos brasileiros.