Nesta jornada quaresmal rumo à Páscoa, somos convidados a contemplar o rosto transfigurado “daqueles que sofrem” (DAp 65) todo tipo de violência, sobretudo, os povos indígenas, cujos direitos estão sendo ameaçados e negados. (povo Terena, Guarani-Kaiowá, Canela-Apãniekra e outros).
A votação da PEC 215, que submete ao Congresso Nacional a decisão final sobre a demarcação das terras indígenas voltou a ser prioridade para determinada bancada da Câmara dos Deputados. Estas terras são visadas para empreendimentos do agronegócio, mineração e hidrelétricas. A Pec 215 está sendo desarquivada na Câmara pelos atores políticos que atuam contra os indígenas com um único interesse: suas terras; essa é a questão fundamental.
Lideranças de povos indígenas e diversas entidades ligadas a eles foram a Brasília para mais um ato contra a Proposta de Emenda à Constituição 215/00 que quer transferir do Executivo para o Congresso a decisão final sobre a criação e modificação de terras indígenas, quilombolas e áreas de proteção ambiental.
Presentes, os povos indígenas Suruí, Cinta Larga, Arara, Puruburá, Wajonô, Karitiana, Guarassungue, Oro Waram Xijein, Oro Mon e Oro Waram do Estado de Rondônia que se mobilizaram contra a PEC 215, cuja aprovação seria um retrocesso nos direitos constitucionais dos povos indígenas emarcaria o início da extinção de suas reservas, cuja população aproxima-se de 900 mil indígenas.
“Guardei a minha fé, mesmo dizendo: É demais o sofrimento em minha vida!” (Sl 115). As palavras do salmista, na liturgia de hoje, iluminam nosso compromisso nesse itinerário quaresmal. Comprometemo-nos, junto ao Cristo, a atravessar o deserto, mantendo viva nossa fé no que o Pai promete ao seu povo, como celebramos no último domingo. Para os seguidores de Jesus, precede o caminho do Calvário a subida ao monte Tabor; hoje, o rosto transfigurado de Cristo antecipa seu rosto desfigurado. Somente numa atitude de escuta é possível “desvendar a realidade e reconhecer nela um alicerce de esperança”. “Este é o meu Filho muito amado, no qual pus todo o meu amor: escutai-o!”.
No relato da Transfiguração(Mc 9,2-10), Jesus anuncia que deve dirigir-se a Jerusalém, para ser rejeitado, crucificado e ressuscitar. No momento em que colocam o pé na estrada, rumo à crucifixão, os discípulos deverão ser confirmados em sua fé em Jesus. Estão a caminho da “cidade que mata os profetas”, mas alguns são conduzidos para uma alta montanha onde acontece o ápice da revelação do plano de Deus.
O convite que Jesus nos faz para ouvir sua Palavra e nos converter ao Reino, é estendido hoje, no chamado à fé, aos modos de Abraão, aquele que confiou profundamente nos desígnios divinos (Gn 22,1-2.9a.10-13.15-18). Abraão compreende que a vida precisa ser protegida a qualquer custo. Deus é, necessariamente, o Deus da vida, e não da morte. Sua vocação é ser um construtor de vida, não um artífice da morte (VP). Em sua jornada em defesa da vida, cada passo significa a construção de um itinerário de fé.
Esse chamado à fé é ratificado pelo próprio Deus, quando nos pede que escutemos o seu Filho, pois ele cumpre o querer do Pai. Para ouvir o que o Senhor nos diz, devemos valorizar o silêncio como momento forte para a escuta do Filho amado do Pai. Para tornar possível nossa adesão a esse chamado, o Pai nos alimenta com sua Palavra, que purifica o olhar de nossa fé, possibilitando-nos contemplar a sua glória, manifestada em Jesus (Lit./Bh).
Para o apostolo Paulo, essa glória manifesta-se como amor sem limites, que chega à entrega total de si, como sinal de que, verdadeiramente, Deus nos assumiu, isto é, que “Ele é por nós” (Rm 8,31b-34). A conversão é chamado à fé naquele em quem podemos confiar plenamente, pois não poupa a vida do próprio Filho: é preciso que trilhemos seu caminho, a fim de nos alegrarmos com a ressurreição, da qual participamos antecipadamente, ao celebrarmos o mistério da fé. “Orientados pelo Espírito, iremos descobrir oportunidades preciosas para conduzir (nossos irmãos) rumo ao Rosto resplandecente do Senhor” (papa Francisco).
A Campanha da Fraternidade é um meio eficaz para trabalharmos em defesa e promoção da vida nesta Jornada quaresmal. O tema: “Fraternidade, Igreja e Sociedade” e o lema: “Eu vim para servir” (Mc 10,45) apontam para atuarmos, a fim de que as estruturas, as normas, a organização da sociedade estejam a serviço de todos.
Cada “pessoa é, em sua própria essência, aquele lugar da natureza para onde converge a variedade dos significados em uma única vocação de sentido”. Ela “sempre procura a verdade de seu ser, visto que é esta verdade que ilumina a realidade de tal modo que possa se desenvolver nela com liberdade, alegria e esperança (DAp 42).
A Cf 2015 pede que promovamos a globalização da solidariedade, pela justiça e respeito aos direitos humanos (DAp 64). Uma globalização sem solidariedade afeta negativamente os setores mais pobres. Já não se trata simplesmente do fenômeno da exploração, mas de algo novo: da exclusão social. Com ela a pertença à sociedade na qual se vive fica afetada, pois já não se está abaixo, na periferia ou sem poder, mas se está de fora. Os excluídos não são somente “explorados”, mas “supérfluos” e “descartáveis” (DAp 65).
O Texto-Base da Campanha da Fraternidade, ao tratar da cultura do descartável afirma que esta forma de cultura moderna e materialista distancia as pessoas dos valores éticos e espirituais. Impulsionada por estruturas sociais e econômicas, ela tende a transformar as pessoas em puros consumidores, estimulando-as a uma busca constante de satisfações de demandas que o próprio mercado propõe. Na sociedade de mercado, tudo é passível de ser instrumentalizado, tornado objeto de satisfação do sujeito. Uma vez usado, o objeto é descartado, não tem mais nenhum valor. O ser humano é considerado, em si mesmo, como um bem de consumo que se pode usar e depois lançar fora. Assim teve início a cultura do “descartável”, que, aliás, chega a ser promovida. Já não se trata simplesmente do fenômeno de exploração e opressão, mas duma realidade nova: com a exclusão, fere-se, na própria raiz, a pertença à sociedade onde se vive, pois quem vive nas favelas, na periferia ou sem poder já não está nela, mas fora. Os excluídos não são explorados, mas resíduos, sobras (EG 53).
Em contraposição à cultura do descartável, do relativismo e materialismo, encontram-se também os sinais da formação de uma nova cultura. Esta cultura é marcada pelo respeito à consciência de cada um, pela tolerância e abertura à diferença, pela solidariedade com todo o criado, pela rejeição das injustiças e por uma nova sensibilidade para com os pobres. Os desafios ambientais e sociais suscitam a busca de soluções concretas para a construção de uma sociedade mais harmônica e sustentável, também a responsabilidade em relação a todas as formas de vida se faz presente, traduzindo-se na criação dos mais diversos movimentos sociais e associações em defesa dos direitos da terra e dos seres vivos (TB/CF/2015, 102-108).
A reforma do Estado com participação democrática é um compromisso assumido pela Igreja e reforçado nesta Campanha (CF). A Igreja insiste na necessidade de ampliação de sujeitos políticos, com vez e voz, no processo de construção da sociedade e do Estado. Assim, será possível que se estabeleça a própria sociedade organizada, como princípio de coordenação da vida societária, para além dos mecanismos anteriores de coordenação das sociedades modernas: o mercado (capitalismo) ou o estado burocratizado (socialismo). A CNBB propõe a democracia participativa, como um necessário complemento à democracia representativa. Assim, será possível ultrapassar o individualismo e tomar o rumo da solidariedade, conscientizando os cidadãos, respeitando sua autonomia e chamando-os a contribuir para a construção do bem comum.
O lançamento do “Manifesto em defesa da democracia” pela CNBB e OAB, apoiadas por mais 106 entidades (25/2), em Brasília, expressa o anseio da sociedade civil organizada por uma reforma política democrática.
O Manifesto reafirma a importância da ordem constitucional e a normalidade democrática para o Brasil.
Para o aprofundamento democrático e popular do país, é fundamental a união em torno de objetivos capazes de abrir um novo futuro em que haja mais democracia, justiça social participação popular e menos desigualdade.