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Gente de Opinião

Dom Moacyr

Justiça: caminho da caridade e direitos humanos!


 
     Nesta Quaresma, estamos refazendo a caminhada de Jesus, cujo “ministério é de libertação de qualquer tipo de exploração e injustiça” (Mt 5,1-12; Mc 10, 21-25;Lc 6,20): “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me ungiu; e enviou-me para anunciar a boa nova aos pobres, para sarar os contritos de coração, para anunciar aos cativos a redenção, aos cegos a restauração da vista, para pôr em liberdade os cativos, para publicar o ano da graça do Senhor” (Lc 4,18-19;Is 61,1-2;TB 306)
 
     O sofrimento, a injustiça e a cruz nos desafiam a viver como Igreja samaritana (Lc 10,25-37), a solidariedade característica de nosso povo mantém viva nossa esperança em meio às injustiças e adversidades (DAp 27).
 
     A liturgia nos proporciona um itinerário de fé e de adesão à proposta de Jesus: iniciamos a caminhada da 1ª semana da quaresma, com o espírito de conversão, assumindo a vontade de Deus e fortalecendo-nos pela força da Palavra, a fim de vencer as tentações.
 
     Na 2ª semana quaresmal, percebemos que o caminho dos seguidores de Jesus exige que desçamos da montanha (Mt 17,1-9), deixemos para trás a acomodação, o rancor e o egoísmo, e nos entreguemos à causa da vida digna sem exclusão, alicerçada na justiça e na igualdade.
 
     Hoje, de modo especial, somos convidados, “em qualquer lugar e situação que nos encontremos, a renovar nosso encontro pessoal com Jesus Cristo ou tomar a decisão de nos deixarmos encontrar por Ele” (EG 3). Ao convidar Deus para entrar e conduzir a nossa vida, Ele, fonte de toda vida, passa a habitar profundamente em nós. O que Deus nos pede é um mínimo de abertura e acolhida de sua graça: “Se escutais hoje sua voz, não endureçais vosso coração”.
 
     Paulo Apóstolo encoraja-nos a assumir nossa missão de evangelizar (2Tm 1,8b-10), estimula-nos a ser uma “comunidade de discípulos missionários que tomam a iniciativa” de evangelizar, pois “a comunidade missionária experimenta que o Senhor tomou a iniciativa, precedeu-a no amor (1Jo 4,10) e, por isso, ela sabe ir à frente, sabe tomar a iniciativa sem medo, ir ao encontro, procurar os afastados; com obras e gestos, a comunidade missionária encurta as distâncias, abaixa-se, se for necessário, até à humilhação e assume a vida humana, tocando a carne sofredora de Cristo no povo; acompanha (nossa gente) em todos os seus processos, por mais duros e demorados que sejam” (EG 24).
 
     Acompanhamos a missão de Dom Esmeraldo frente à Igreja samaritana de Porto Velho, defensora da vida e a missão de tantos padres e irmãs, leigos missionários que estão acolhendo em suas comunidades as famílias ribeirinhas, vítimas das enchentes do Rio Madeira. Acompanhamos com apreensão os relatos dos padres e irmãs combonianos junto às comunidades de Calama e São Carlos, o testemunho dos missionários da Igreja-irmã de Niterói (Alto Madeira) e de todos aqueles que “dão a vida por amor” e com o papa Francisco reforçamos que o seu “testemunho” nos ajuda a “superar o egoísmo para uma dedicação maior” (EG 76). Com suas vidas, queridos missionários, vocês demonstram o quanto Deus é próximo daqueles que sofrem (Dap 7).
 
     A Igreja tem a obrigação de acompanhá-los no seu caminho, trabalhar para acabar com a marginalidade que muitas vezes sofrem nas comunidades de trânsito e desenvolver a “cultura do encontro”, pede-nos o papa Francisco em sua ultima mensagem aos migrantes.
 
     Em Abraão, na liturgia de hoje, vamos encontrar o modelo de resistência e de mobilização em vista de uma nova sociedade.  Homem de fé, Abraão encontra Deus, sabe ler seus sinais e responde aos desafios com uma obediência total (Gn 12,1-4a). Ao colocar-se a caminho, recebe a bênção e a promessa de se tornar uma grande nação.
 
     Estamos em plena Campanha da Fraternidade, trabalhando em favor das vitimas do Tráfico Humano contra os “mercadores de carne humana”, denominação de João Batista Scalabrini para os traficantes do século XIX e podemos reafirmar, para os traficantes atuais. A rede mundial do crime organizado não poupa particularmente mulheres e crianças, quando o objetivo é a exploração ao máximo de sua energia.
 
     A cada 11 minutos uma pessoa desaparece no Brasil. Essa tortuosa realidade ainda faz vítimas outras 40 mil famílias, porque desaparecem anualmente no Brasil 40 mil crianças. Os motivos: tráfico de crianças por quadrilhas que atuam em todo o território nacional e também internacional, com objetivo de vender seus órgãos ou para trabalho escravo, prostituição e adoção ilegal. O número de refugiados e deslocados por guerras no mundo supera os 45 milhões de pessoas, segundo as Nações Unidas, no “Relatório Tendências Globais” de 2012 (Carta Maior).
 
     A Justiça é a primeira condição para o reconhecimento dos direitos humanos. “Tantos irmãos necessitados estão à espera de ajuda, tantos oprimidos esperam por justiça, tantos desempregados à espera de trabalho, tantos povos esperam por respeito: Como é possível que ainda haja, no nosso tempo, quem morra de fome, quem esteja condenado ao analfabetismo, quem vivam privados dos cuidados médicos mais elementares, quem não tenha uma casa onde abrigar-se? E como ficar indiferentes frente ao vilipêndio dos direitos humanos fundamentaisde tantas pessoas, especialmente das crianças?” (NMI 50-51).
 
     Da exigência de promover a identidade integral da pessoa humana nasce a proposta dos grandes valores que presidem uma convivência ordenada e fecunda: verdade, justiça, amor e liberdade.
 
     Ao descobrir-se amada por Deus, a pessoa compreende a própria dignidade e aprende a não se contentar de si e a encontrar o outro, em uma rede de relações cada vez mais autenticamente humanas. A vida em Cristo faz vir à tona de modo pleno e novo a identidade e a sociabilidade da pessoa humana, com as suas concretas consequências no plano histórico e social.
 
     A justiça mostra-se particularmente importante no contexto atual, em que o valor da pessoa, da sua dignidade e dos seus direitos é seriamente ameaçado pela generalizada tendência a recorrer exclusivamente aos critérios da utilidade e do ter.
 
     O amor nunca existe sem a justiça. Não posso “dar” ao outro do que é meu, sem antes lhe ter dado aquilo que lhe compete por justiça. A justiça consiste em “dar ao outro o que é dele”, o que lhe pertence em razão do seu ser e do seu agir. Amar o próximo é ser justo para com ele. Portanto, a justiça é o primeiro caminho para o reconhecimento e o respeito dos legítimos direitos dos indivíduos e povos.
 
     A justiça se traduz na atitude determinada pela vontade de reconhecer o outro como pessoa. Ou seja, não é uma simples convenção humana, porque o que é justo não é originariamente determinado pela lei, mas pela identidade profunda da pessoa humana. Portanto, a justiça é o primeiro caminho da caridade, a medida mínima dela, parte integrante daquele amor por ações e em verdade (1Jo 3,18). A caridade supera a justiça e manifesta sempre, mesmo nas relações humanas, o amor de Deus; dá valor teologal e salvífico a todo o empenho de justiça no mundo.
 
     Amar o próximo é querer o seu bem e trabalhar pelo mesmo. Nesse sentido, a solidariedade se coloca na dimensão da justiça e na aplicação em prol do bem do próximo, com a disponibilidade, em sentido evangélico, para “perder-se” em benefício do próximo em vez de explorá-lo, e para “servi-lo” em vez de oprimi-lo para proveito próprio (Mt 10,40-42; 20,25; Mc 10,42-45; Lc 22,25-27). Logo, a solidariedade não é um sentimento de compaixão vaga ou de enternecimento superficial pelos males sofridos por tantas pessoas próximas ou distantes. Pelo contrário, é a determinação firme e perseverante de se empenhar pelo bem comum; ou seja, pelo bem de todos e de cada um, porque todos nós somos verdadeiramente responsáveis por todos (TB/CF 340-348).
 
     A solidariedade confere particular relevo à igualdade de todos em dignidade e direitos. É princípio social ordenador das instituições, em base ao qual devem ser superadas as estruturas de pecado. Somos chamados a lutar em defesa dapessoa humana e na tutela da sua dignidade.
 
     A Igreja é chamada a contribuir com a dignificação de todos os seres humanos, juntamente com as outras pessoas e instituições que trabalham pela mesma causa.

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