Embora cada pessoa pertença à humanidade e partilhe a esperança de um futuro melhor com toda a família dos povos, otráfico de pessoas representa a escravidão de nossa época e a mercantilização da vida.
Ao tratar do tráfico de seres humanos (12/12/2013), o papa Francisco afirma “que se trata de uma verdadeira forma de escravidão e que tem a ver com todos os países, mesmo os mais desenvolvidos, e que atinge as pessoas mais vulneráveis da sociedade: as mulheres e as jovens, os meninos e as meninas, os deficientes, os mais pobres, quem provém de situações de desagregação familiar e social”.
Nossas comunidades se preparam para a Campanha da Fraternidade, cujo tema em 2014 é “Fraternidade e Tráfico Humano” e o lema “É para a liberdade que Cristo nos libertou” (Gl 5,1), pois não podemos ser insensíveis às situações que atentam contra a dignidade da pessoa humana e seus direitos fundamentais, como o tráfico humano.
Os criminosos deste tráfico exploram pessoas em várias atividades: construção, confecção, entretenimento, sexo, serviços agrícolas e domésticos, adoções ilegais, remoção de órgãos e outras. As vítimas normalmente são aliciadas com falsas promessas de melhores condições de vida em outras cidades ou países. Por isso, o tráfico humanoéfrequentemente vinculado à migração, sobretudo quando o migrante está sob alguma forma de ilegalidade dentro ou fora do país.
Assim, trata-se de um crime multifacetado, altamente lucrativo, silencioso, de baixíssimo custo e de poucos riscos aos traficantes, em que a vítima tem a sua dignidade aniquilada, sem ter como enfrentar e lidar com a situação em que foi submetida, podendo ser vendida e revendida várias vezes, como se fosse mercadoria, objeto.
Apesar da crueldade que se comete contra as pessoas no tráfico humano, só recentemente a sociedade em geral começou a conhecer a gravidade e dimensão deste problema social e a mobilizar-se para seu enfrentamento. O Estado Brasileiro, após a assinatura do Protocolo de Palermo, lançou, em 2006, a Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e, em 2008, o I Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. Agora, está em vigor o II Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, elaborado para o período de 2013 a 2016. Além disso, várias iniciativas de organizações da sociedade brasileira cooperam no enfrentamento ao tráfico humano. A Igreja já conta com pastorais para esse trabalho (TB/CF).
Com esta Campanha da Fraternidade, a Igreja Católica se une a essas iniciativas, no intuito de potencializá-las e suscitar, em suas comunidades, reflexões e ações de combate a esta chaga social, de superação de situações de vulnerabilidade ao tráfico, de prevenção, proteção e inserção, observando-se o respeito à dignidade da pessoa humana e o implemento dos direitos humanos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais no convívio familiar, comunitário e social. No entanto, a superação dos silêncios das pessoas em situação de tráfico requer a valorização da palavra, da voz e da experiência vivenciada pelas vítimas, da nossa escuta qualificada e ativa, enquanto irmãos e irmãs em Cristo.
Ao apresentar um panorama do tráfico humano no mundo, Gabriella Bottani da Rede Grito Pela Vida, em entrevista ao Instituto Humanitas, demonstra como o tráfico de pessoas desvela a ambiguidade e a violência de um modelo econômico de desenvolvimento que, em nome do lucro, considera tudo mercadoria: terra, água, mata, animais e até pessoas.
Mundialmente o tráfico de pessoas movimenta grandes quantidades de dinheiro, sendo, junto com tráfico de drogas e armas, um dos três negócios ilícitos mais rentáveis. As principais vítimas pertencem aos grupos mais vulneráveis e discriminados: mulheres, crianças e adolescentes. As estatísticas publicadas no Relatório 2012(UNODC) confirmam que as mulheres continuam sendo as principais vítimas do tráfico de pessoas representando 76% do total. Outro dado preocupante é o aumento significativo de crianças e adolescentes, principalmente meninas, que caem nas armadilhas dos traficantes de pessoas.
O tráfico de pessoas é uma denúncia e uma inquietação que deveria chegar a todos, e que traz para discussão e reflexão questionamentos antigos e novos: a questão de gênero, o racismo, a escravidão e a liberdade, a desigualdade econômica e social, o modelo de desenvolvimento e seu consequente impacto socioambiental, modelos culturais e religiosos, enfim tudo o que nos leva a desvendar as causas que sustentam esta grave violação dos direitos humanos. Se olharmos para o tráfico de pessoas e escutássemos o grito de dor de tantas vítimas, teríamos a possibilidade de tomar cada vez mais consciência de situações e atitudes que tornam corpos e vida mercadoria, objeto de lucro e de prazer.
Reconhecemos neles, com o papa Francisco, o rosto de Jesus Cristo, que Se identificou com os pequenos e necessitados. Outros, que não fazem referencia sequer a uma fé religiosa, em nome da humanidade comum partilham a compaixão pelos seus sofrimentos e esforçam-se por libertá-los e curar as suas feridas. Juntos, podemos e devemos empenhar-nos para que sejam libertados e se possa pôr fim a este comércio horrível. São milhões de vítimas do trabalho forçado, do tráfico de pessoas para fins de mão de obra e de exploração sexual. Tudo isto não pode continuar. Constitui uma grave violação dos direitos humanos das vítimas e uma ofensa à sua dignidade, para além de ser uma derrota para a comunidade mundial. Todas as pessoas de boa vontade, não podem permitir que estas mulheres, homens, crianças sejam tratados como objetos, enganados, violentados, frequentemente vendidos várias vezes para variados fins, acabando assassinados ou pelo menos arruinados no corpo e na mente e são descartados e abandonados.
“Convém que cumpramos toda justiça” (Mt 3,15). Nossa missão é trabalhar em prol da justiça e do direito. Jesus quer ser solidário com o povo que ele vem libertar; embora ele mesmo não tenha pecado, pede a João para ser batizado em meio aos pecadores. Assim ele quer “cumprir toda a justiça”, isto é, o plano de salvação de Deus (Mt 3,13-17).
A liturgia de hoje motiva-nos a assumir nossa identidade cristã através do batismo, a participar da missão do Servo e do Filho amado, a testemunhar a graça de Deus para todos. O batismo cristão significa participação no batismo de Cristo e na sua missão; deve levar-nos ao serviço de nossos irmãos, pois, qualificados como filhos, embora, com a graça de Deus, ainda devamos “tornar-nos plenamente o que somos chamados a ser” (oração final).
A vivência do batismo cristão se efetiva principalmente na luta pela implantação da fraternidade universal (At 10,34-38) em que todos são filhos do mesmo Pai. Mas a luta do cristão será baseada na não violência: sem “esmagar a cana quebrada” nem “apagar a mecha que ainda fumega” (Is 42,1-4.6-7). Essa luta se dará pela proclamação das exigências de implantação da justiça e do direito. Agindo assim, o cristão estará ajustado à missão do Filho muito amado no qual o Pai se compraz (VP).
Do Nordeste ecoaram os gritos das comunidades eclesiais de base do Brasil e de outros países (13º Intereclesial das CEBs de Juazeiro, diocese de Crato/ CE: 7-11/01)e a luta pela justiça a serviço da vida foi reafirmada.
As CEBs devem continuar sendo essa voz profética, que denuncia as injustiças que matam e exploram a vida. A justiça e a profecia estão voltadas para a vida, para que todos tenham vida e vida em abundância. As CEBs não querem perder esse foco de serem comunidades missionárias, mas também proféticas e que lutam pela justiça.
Em nosso país, as pequenas comunidades não estão mortas, pelo contrário, estão muito vivas e atuantes. Diante de questões como a fundiária, ecológica, indígena, dos quilombolas, violências, tráfico, direitos humanos, as CEBs não perdem de vista essa inserção na sociedade e querem enfrentar com discussões proféticas essas grandes questões. Um dos temas, por exemplo, que as CEBs contribuíram muito e continuam contribuindo é com o Movimento Ficha Limpa.
Sejamos comunidades em que todos possam se relacionar como irmãos e irmãs, exemplos de animação de práticas de cidadania ativa e fonte de esperança.