Domingo, 21 de dezembro de 2014 - 10h04
A celebração do Natal é uma ocasião propícia para viver em profundidade o valor e o significado do grande acontecimento do nascimento de Jesus.
Pela Encarnação, Deus se faz presente na nossa história: “E a Palavra se fez homem e habitou entre nós” (Jo 1,14). Cristo nos traz a verdade: somos plenamente amados por um Deus que tudo quer perdoar-nos, porque ele deseja restaurar-nos em nossa original bondade e beleza.
Quando confessamos nossa fé na divindade de Cristo, reconhecemos sua humanidade. É por isso que Deus se fez carne em Jesus de Nazaré. “Para que nós possamos, a partir do núcleo de nossa humanidade, encontrá-lo e relacionarmo-nos com ele” (M.C. Bingemer). Em cada um a presença do Deus que assumiu nossas feições e tornou-se um de nós.
O Papa Leão Magno dizia: “Jesus foi tão humano, que somente Deus poderia ser humano assim”. Diante das lições da Encarnação, proclamamos com Santo Agostinho: Eu estaria morto para a eternidade se tu não tivesses nascido no tempo. Nunca teria eu sido libertado da carne do pecado, se não tivesses tomado a semelhança do pecado. Seria vítima de miséria sem fim, se não tivesses manifestado na misericórdia. Eu não teria recobrado a vida se tivesses deparado com a morte. Eu teria sucumbido, se não me tivesses socorrido. Estaria morto se não tivesses vindo (Homilia, Natal do ano 420).
Nestes dias que antecedem a celebração do Natal, as famílias se reúnem para a Novena (16-24/12), renovando a certeza de que Deus sempre está conosco e anima a nossa caminhada. Somos chamados a formar lugares concretos de paz que irradiem a justiça e a fraternidade. Menos consumismo, mais solidariedade. Menos egoísmo e mais partilha e convivência. Não sejamos indiferentes diante do grito da terra: conflitos agrários, famílias que sofrem despejos, enchentes, abandono, desemprego, fome. A vida ameaçada e o sofrimento dos povos indígenas, quilombolas, assentados, ribeirinhos, migrantes nos atingem. Tempos difíceis para as comunidades indígenas e rurais, tempos difíceis para Maria e José, pois “não havia lugar eles” (Lc 2,7).
Precisamos, como pedia Joao Paulo II, “converter-nos à paz; converter-nos a Cristo, nossa paz, certos de que o seu amor sereno no presépio vence qualquer obscura ameaça e projeto de violência”. Que a energia prodigiosa da sua paz afugente o ódio e a vingança que se escondem no ânimo dos homens. Que o mal seja derrotado pelo bem e pela força do amor.
A comemoração do Natal se expressa em gestos de solidariedade, amor desinteressado, perdão e acolhida simples e fraterna. Somos todos parte de uma única família de povos, raças, culturas, irmãos uns dos outros, de filhos amados por Deus. Esta é a grande mensagem do Natal para a humanidade.
O presépio exposto nos lares é uma das formas mais belas que a tradição católica preserva em família para lembrar que Deus se fez carne e habitou entre nós. A representação do presépio ajuda-nos a refletir melhor sobre a mensagem que de Belém continua a irradiar para a humanidade inteira. Assim oramos com a Igreja do Oriente: “Belém, prepara-te; canta cidade de Sião: a estrela avança para indicar Cristo que está para nascer em Belém; uma gruta acolhe aquele que absolutamente nenhuma outra pode conter e está preparada uma manjedoura para receber a eterna vida”.
Este 4º domingo do Advento centraliza o mistério de Deus que se revela à humanidade em Jesus encarnado. Através do “sim” de Maria Deus veio habitar entre nós na pessoa de Jesus.
Esse Filho que nascerá é da estirpe de Davi. Esta questão é fundamental no anúncio do anjo: o menino que vai nascer será aquele que receberá, em plenitude, a promessa feita por Deus a Davi. Essa promessa é expressa no 2º livro de Samuel (7,1-5.8b-12.14a. 16): Deus vem a Davi, por meio do profeta Natã, recordando-lhe sobre o que havia feito por ele, desde que o chamara para ser chefe do povo. O Senhor esteve ao lado de Davi nas alegrias e nas adversidades, consolidando seu nome entre os mais importantes da terra. Mas Deus manda Natã dizer a Davi que ele não é de viver em templo: acompanhou o povo de Israel pelo deserto numa tenda, a Tenda da Aliança. E mais: ele, Deus, vai construir uma casa para Davi, casa no sentido de família, descendência. E então, Deus será como um pai para a descendência de Davi; Ele preside a história humana, vem continuamente ao encontro dos homens, faz com eles uma Aliança, oferece-lhes a paz e a justiça e aponta-lhes o caminho para a verdadeira vida, a verdadeira liberdade, a verdadeira salvação.
O evangelho de Lucas (1,26-38) traz pleno cumprimento de todos os sinais que anunciam a vinda do Salvador. Mil anos depois, Deus se mostra fiel à sua promessa. A obra de Deus através da História, assinalada pelos referidos sinais, anunciada na alegre saudação do Anjo que proclama a plenitude da graça de Deus em Maria só se toma fecunda para o homem se este o quiser. Daí, a importância de dizer: “Sim”. Maria, respondendo ao Anjo: “Faça-se em mim segundo a tua palavra”, colocando-se como serva a serviço do Senhor, é a primeira de todos os que, pela adesão da fé, “dão chances” à obra definitiva de Deus em Jesus Cristo (J. Konings).
João Paulo II, durante sua viagem ao México (1979), ao tratar da fé, fala do “sim” de Maria: “Coerência é a terceira dimensão da fidelidade; viver de acordo com o que se crê; ajustar a própria vida ao objeto da própria adesão. Aceitar incompreensões, perseguições antes que permitir rupturas entre o que se vive e o que se crê: esta é a coerência. Aqui se encontra, talvez, o núcleo mais íntimo da fidelidade. E só pode chamar-se fidelidade uma coerência que dura ao longo de toda a vida. O fiat de Maria na Anunciação encontra a sua plenitude no fiat silencioso que repete ao pé da cruz. Ser fiel é não trair nas trevas o que se aceitou publicamente”.
Paulo Apóstolo fala dos sinais de fidelidade de Deus (Rom 16,25-27), que tem um plano de salvação para oferecer aos homens. O fato desse projeto existir “desde os tempos eternos” mostra que a preocupação e o amor de Deus pelos seus filhos é algo que faz parte do ser de Deus e está eternamente em seu projeto.
Na conclusão da Carta encíclica Lumen Fidei, escrita pelos papas Bento XVI e Francisco, temos um retrato da fé da Virgem Maria no contexto do Evangelho de Lucas, que nos ajuda a entender a dimensão de seu “sim” a Deus: Em Maria, Filha de Sião, tem cumprimento a longa história de fé do Antigo Testamento, com a narração de tantas mulheres fiéis a começar por Sara; mulheres que eram, juntamente com os Patriarcas, o lugar onde a promessa de Deus se cumpria e a vida nova desabrochava.
Na plenitude dos tempos, a Palavra de Deus dirigiu-se a Maria, e Ela acolheu-a com todo o seu ser, no seu coração, para que nela tomasse carne e nascesse como luz para os homens. O mártir São Justino, na obra Diálogo com Trifão, tem uma expressão significativa ao dizer que Maria, quando aceitou a mensagem do Anjo, concebeu “fé e alegria”. De fato, na Mãe de Jesus, a fé mostrou-se cheia de fruto e, quando a nossa vida espiritual dá fruto, enchemo-nos de alegria, que é o sinal mais claro da grandeza da fé.
Na sua vida, Maria realizou a peregrinação da fé seguindo o seu Filho (LG 58). Assim, em Maria, o caminho de fé do Antigo Testamento foi assumido no seguimento de Jesus e deixa-se transformar por Ele, entrando no olhar próprio do Filho de Deus encarnado. Pelo seu vínculo com Jesus, Maria está intimamente associada com o que acreditamos. Na concepção virginal de Maria, temos um sinal claro da filiação divina de Cristo: a origem eterna de Cristo está no Pai, Ele é o Filho em sentido total e único, e por isso nasce, no tempo, sem intervenção do homem.
Sendo Filho, Jesus pode trazer ao mundo um novo início e uma nova luz, a plenitude do amor fiel de Deus que Se entrega aos homens. Por outro lado, a verdadeira maternidade de Maria garantiu, ao Filho de Deus, uma verdadeira história humana, uma verdadeira carne na qual morrerá na cruz e ressuscitará dos mortos. Maria acompanhá-lo-á até à cruz (Jo 19,25), donde a sua maternidade se estenderá a todo o discípulo de seu Filho (Jo 19,26-27). O movimento de amor entre o Pai e o Filho no Espírito percorreu a nossa história; Cristo atrai-nos a Si para nos poder salvar (Jo 12,32). No centro da fé, encontra-se a confissão de Jesus, Filho de Deus, nascido de mulher, que nos introduz, pelo dom do Espírito Santo, na filiação adotiva (Gl 4,4-6; LF 58-60).
A todos, votos de um abençoado Natal com renovada esperança!
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