Domingo, 24 de novembro de 2024 | Porto Velho (RO)

×
Gente de Opinião

Dom Moacyr

O desenvolvimento tem necessidade de cristãos


 
Neste domingo da Epifania do Senhor celebramos o dia dos Reis: o nascimento de Jesus em Belém foi anunciado por uma estrela no distante Oriente, e alguns magos, vendo a estrela, vieram a Jerusalém à sua procura: “Onde está o recém-nascido rei dos judeus? Nós vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-lo” (Mt 2, 1-12). 

Sabemos que os magos vieram de longe representando todos os povos que esperavam ardentemente pelo rei justo, pelo governante que os libertaria dos inimigos e os ensinaria a viver na justiça e no direito. O encontro dos magos com Jesus é muito significativo: Jesus está com sua mãe, um modo de Israel representar o rei. A homenagem que lhe prestam representa a sua submissão. Os presentes que lhe dão mostram a submissão a um rei (ouro), o reconhecimento de que esse rei é divino (incenso) e, por outro lado, de que esse rei é morto (a mirra era usada no sepultamento). 

Ano 2010: nossos tempos aguardam palavras de verdade e paz que alimentem a esperança de um mundo diferente, capaz de reconciliação, respeito e solidariedade. O empenho coletivo pela paz é indispensável, mas não bastam as forças humanas. Temos que recorrer a Deus, pois só Ele pode nos ajudar a vencer os ressentimentos e a abrir o coração ao perdão e à alegria de fazer o bem. 

A nova encíclica do papa Bento XVI “Caritas in veritate”, publicada no último dia 07 de julho de 2009, trata sobretudo do desenvolvimento humano integral na verdade e na caridade. Desenvolvimento segundo Paulo VI, é o novo nome da paz. A encíclica é dedicada também aos temas da economia, das finanças, do dinheiro e do trabalho. 

Segundo o jesuíta Jean-Yves-Calvez, o papa revaloriza a grande encíclica do desenvolvimento, a Populorum progressio, e seu autor, o Papa Paulo VI e trata de outros assuntos: o meio ambiente, a solidariedade internacional (a colaboração na família humana), a situação demográfica do mundo, as migrações, a necessidade de ética na economia, a necessidade de uma nova gestão dos recursos raros em benefício de todos, dos mais pobres em particular. A relação entre mercado e "dom" (cap. III) é um tema que chama a atenção, associado à questão da fraternidade que pode e deve se desdobrar na sociedade civil, na qual o papa tem confiança, apoiando a revalorização do papel do Estado (cuja função parece destinada a crescer). Tudo isto é, poder-se-ia dizer, consequência da "crise": e o é, indiscutivelmente, embora seja preciso observar que a crise não é o tema central, como esperavam muitos; é antes, por alusão, que isso entra em questão. De outra parte, "o amor (a caridade) é tudo", diz o papa, "na e segundo a verdade", ou seja, segundo a estrutura das coisas e a natureza do homem; além da estrutura, o amor não é senão a lancinante dor "emocional". 

Passados mais de 40 da publicação da Populorum progressio, o seu tema de fundo (o progresso) permanece ainda um problema em aberto, que se tornou mais agudo e premente com a crise econômico-financeira em curso. Se algumas áreas do globo, outrora oprimidas pela pobreza, registraram mudanças notáveis em termos de crescimento econômico e de participação na produção mundial, há outras zonas que vivem ainda numa situação de miséria comparável à existente nos tempos de Paulo VI; antes, em qualquer caso pode-se mesmo falar de agravamento. A novidade principal foi a explosão da interdependência mundial, já conhecida comumente por globalização. Paulo VI tinha-a em parte previsto, mas os termos e a impetuosidade com que aquela evoluiu são surpreendentes. Nascido no âmbito dos países economicamente desenvolvidos, este processo por sua própria natureza causou um envolvimento de todas as economias. Foi o motor principal para a saída do subdesenvolvimento de regiões inteiras e, por si mesmo, constitui uma grande oportunidade. Contudo, sem a guia da caridade na verdade, este ímpeto mundial pode concorrer para criar riscos de danos até agora desconhecidos e de novas divisões na família humana. Por isso, a caridade e a verdade colocam diante de nós um compromisso inédito e criativo, sem dúvida muito vasto e complexo. Trata-se de dilatar a razão e torná-la capaz de conhecer e orientar estas novas e imponentes dinâmicas, animando-as na perspectiva daquela “civilização do amor”, cuja semente Deus colocou em todo o povo e cultura (CV 33-34). 

Ao tratar no capítulo 3 da Fraternidade, desenvolvimento econômico e sociedade civil, o papa diz que “a caridade na verdade coloca o homem perante a admirável experiência do dom. A gratuidade está presente na sua vida sob múltiplas formas, que freqüentemente lhe passam despercebidas por causa duma visão meramente produtiva e utilarista da existência. O ser humano está feito para o dom, que exprime e realiza a sua dimensão de transcendência”(CV 34). 

Enquanto dom recebido por todos, a caridade na verdade é uma força que constitui a comunidade, unifica os homens segundo modalidades que não conhecem barreiras nem confins. A comunidade dos homens pode ser constituída por nós mesmos; mas, com as nossas simples forças, nunca poderá ser uma comunidade plenamente fraterna nem alargada para além de qualquer fronteira, ou seja, não poderá tornar-se uma comunidade verdadeiramente universal: a unidade do gênero humano, uma comunhão fraterna para além de qualquer divisão, nasce da convocação da palavra de Deus-Amor. Ao enfrentar esta questão decisiva, devemos especificar, por um lado, que a lógica do dom não exclui a justiça nem se justapõe a ela num segundo tempo e de fora; e, por outro, que o desenvolvimento econômico, social e político precisa, se quiser ser autenticamente humano, de dar espaço ao princípio da gratuidade como expressão de fraternidade(CV 34). O tema do desenvolvimento coincide com o da inclusão relacional de todas as pessoas e de todos os povos na única comunidade da família humana, que se constrói na solidariedade tendo por base os valores fundamentais da justiça e da paz. CV54) 

O papa afirma que “perante os enormes problemas do desenvolvimento dos povos que quase nos levam ao desânimo e à rendição, vem em nosso auxílio a palavra do Senhor Jesus Cristo que nos torna cientes deste dado fundamental: “Sem Mim, nada podeis fazer”(Jo 15, 5), e encoraja: “Eu estarei sempre convosco, até ao fim do mundo” (Mt 28, 20). Diante da vastidão do trabalho a realizar, somos apoiados pela fé na presença de Deus junto daqueles que se unem no seu nome e trabalham pela justiça. A maior força ao serviço do desenvolvimento é um humanismo cristão que reavive a caridade e que se deixe guiar pela verdade, acolhendo uma e outra como dom permanente de Deus. 

O desenvolvimento tem necessidade de cristãos com os braços levantados para Deus em atitude de oração, cristãos movidos pela consciência de que o amor cheio de verdade (caritas in veritate), do qual procede o autêntico desenvolvimento, não o produzimos nós, mas é-nos dado. Por isso, inclusive nos momentos mais difíceis e complexos, além de reagir conscientemente devemos sobretudo referir-nos ao seu amor. O desenvolvimento implica atenção à vida espiritual, uma séria consideração das experiências de confiança em Deus, de fraternidade espiritual em Cristo, de entrega à providência e à misericórdia divina, de amor e de perdão, de renúncia a si mesmo, de acolhimento do próximo, de justiça e de paz. 

A ânsia do cristão é que toda a família humana possa invocar a Deus como o “Pai nosso”. Que a Virgem Maria, proclamada por Paulo VI Mater Ecclesiæ e honrada pelo povo cristão como Speculum Iustitiæ e Regina Pacis, nos proteja e obtenha, com a sua intercessão celeste, a força, a esperança e a alegria necessárias para continuarmos a dedicar-nos com generosidade ao compromisso de realizar o desenvolvimento integral do homem todo e de todos os homens (CV 78-79).

Fonte: Pascom

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

Gente de OpiniãoDomingo, 24 de novembro de 2024 | Porto Velho (RO)

VOCÊ PODE GOSTAR

Pentecostes: Comunidades de rosto humano!

Pentecostes: Comunidades de rosto humano!

Palavra de Dom Moacyr Grechi – Arcebispo Emérito de Porto Velho

Páscoa do povo brasileiro - Por Dom Moacyr Grechi

Páscoa do povo brasileiro - Por Dom Moacyr Grechi

Hoje reafirmamos a nossa fé na ressurreição de Cristo; somos uma Igreja Pascal. Na oração do Credo, proclamamos a ressurreição dos mortos e a vida ete

Verdade libertadora! Por Dom Moacyr Grechi

Verdade libertadora! Por Dom Moacyr Grechi

  A Igreja, convocada a fortalecer o povo de Deus na atual conjuntura, é chamada a estar ao lado daqueles “que perderam a esperança e a confiança no B

Lugar seguro para viver! - Por Dom Moacyr Grechi

Lugar seguro para viver! - Por Dom Moacyr Grechi

  Diante do aumento da violência agrária que atinge trabalhadores rurais, indígenas, ribeirinhos, quilombolas, pescadores artesanais, defensores de di

Gente de Opinião Domingo, 24 de novembro de 2024 | Porto Velho (RO)