Domingo, 24 de novembro de 2024 | Porto Velho (RO)

×
Gente de Opinião

Dom Moacyr

O JUSTO CRITÉRIO DO BEM E DO MAL!



Neste tempo de renovação espiritual e revisão das nossas estruturas, somos convidados, na primeira etapa de nosso itinerário quaresmal, a abrir o coração para a ação de Deus, questionar nossas opções e refazer nossos passos, reconhecendo nossa fragilidade e nos confiando à misericórdia divina, que nos chama à mudança de rumo e nos abre a sua graça.

A Quaresma nos remete ao nosso batismo, ao nosso compromisso cristão, a nossa escolha, para que a Igreja que somos possa realmente testemunhar esse mundo novo iniciado pelo Cristo da Páscoa, o novo Adão, a nova humanidade em Cristo (R. Gravel).

A vida, para nós que fomos batizados e temos fé, é uma caminhada pascal; é conversão; é recolocar Deus no centro da nossa existência; é aceitar a comunhão com Ele e escutar as suas propostas, concretizando no mundo os seus projetos.

A Ressurreição é uma grande experiência filial, afirma padre Libânio. Assim como a mãe cuida do seu filho pequenino e cria uma condição básica de confiança, saber que o Senhor Jesus, que nos amou e se entregou por nós, venceu a morte e todos os males nos dá uma confiança muito profunda, de que também nós, com a força dele, temos condições de ir vencendo e trabalhando contra o mal que impera na sociedade.

Mal que se expressa nas “manifestações diárias da grave e profunda crise que nos atinge no cotidiano” e na “deterioração tão rápida na qualidade de vida da maioria”. Os Estados, praticamente todos eles, que tem com as Prefeituras a grande responsabilidade de garantir os serviços provedores de direitos de cidadania no dia a dia, estão simplesmente falidos. Cadê a saúde, a educação, a segurança pública? A isto se junta algo mais grave: o desemprego em níveis recordes, que afeta de forma radical as condições de milhões de jovens e de famílias inteiras (Ibase).

O papa Paulo VI, na homilia do 1º domingo da quaresma de 1965, reflete o duelo entre o bem e o mal, dizendo que “estamos como que rodeados por algo de funesto, malvado, perverso, que excita as nossas paixões, aproveita-se das nossas fraquezas, insinua-se nos nossos hábitos, vem por trás dos nossos passos e nos sugere o mal. A tentação, portanto, é o encontro entre a boa consciência e a atração do mal; o mal não se apresenta a nós com o seu rosto real.

A tentação é a simulação do bem; é o engano pelo qual o mal assume a máscara do bem; é a confusão entre o bem e o mal. O homem moderno perdeu o justo critério do bem e do mal; perdeu o senso do pecado, como explicam os mestres de vida espiritual. É capaz de se fazer advogado das coisas más, a fim de sustentar a liberdade do próprio prazer, e que tudo pode e deve se manifestar, sem nenhum impedimento em relação ao mal.

A vida cristã é combate, conclui o papa. Fica claro, então, que a grande lição de vida cristã com que se inicia a Quaresma exige de nós, acima de tudo, que sejamos sábios, dispostos a um bom juízo, isto é, prontos para refletir e manter a lâmpada da nossa consciência e do nosso pensamento sempre acesa diante de nós. Não devemos caminhar no escuro, mas portando alto esse esplendor que Deus depositou nas nossas almas e que se chama nossa consciência. Não enganemos a nós mesmos, não apaguemos a voz da consciência, não deformemos a sua retidão de juízo.

A segunda exigência é que sejamos fortes. Se quisermos ser cristãos, hoje especialmente, devemos ser fortes. É preciso viver o Cristianismo com fortaleza, com consciência militante; é necessário suportar também alguns sacrifícios, para conservar intacta a própria fé e para manter o empenho assumido com Cristo, com a comunidade cristã, com a Igreja (Paulo VI).

A liturgia destaca, através do Evangelho, o diálogo de Jesus com o mal. Ele foi conduzido ao deserto, pelo Espírito, para ser tentado (Mt 4,1-11). Os quarentas dias vividos por Jesus no deserto sinalizam o poder de persuasão do mal: Jesus foi tentado até a hora da cruz, mas per­maneceu firme em sua livre opção pela sua condição de Filho de Deus, isto é, ele não negou a sua relação com o Pai.

Na 1ª tentação (poder do consumo), o diabo sugere a Jesus que transforme as pedras em pão se é Filho do Deus. E Jesus responde que o ser humano não vive somente de pão, “mas de toda a palavra que sai da boca de Deus”.

A 2ª tentação (poder religioso) está ligada à fome de glória. O diabo sugere a Jesus que se jogue do ponto mais alto do templo diante de todo o povo como espetáculo e prova que é Filho de Deus; certamente nada lhe aconteceria, pois os anjos viriam em seu socorro. Jesus responde com a Escritura: “Não tentarás o Senhor teu Deus”.

A 3ª tentação (poder político) está ligada à fome do dinheiro e do poder. O diabo leva Jesus ao alto de um monte e lhe mostra todas as riquezas do mundo e diz: “Tudo isso eu te darei, se te ajoelhares diante de mim, para me adorar”. Jesus expulsa Satanás e diz: “Adorarás ao Senhor teu Deus e somente a ele servirás”.

No deserto Jesus define as linhas orientadoras de sua missão. As tentações no deserto acompanharam Jesus durante toda a vida pública. Nelas, Jesus é tentado de falsificar a própria missão, realizando uma atividade que só busque satisfazer às necessidades imediatas, buscar o prestígio e ambicionar o poder e as riquezas. Jesus, porém, resiste a essas tentações.

Seu projeto de justiça é transformar as estruturas segundo a vontade de Deus, não pondo Deus a seu próprio serviço ou interesse, e não absolutizando coisas que geram opressão e exploração sobre os homens, criando ídolos (BP).

Para resolver o problema da fome de pão Jesus vai propor a partilha do pão e anunciar a conversão para o Evangelho do Reino de Deus. Para a tentação da glória, Jesus propõe o amor ao próximo, no serviço humilde. 

A 3ªtentação é a de querer ser igual a Deus, tentação sugerida pela serpente a Adão e Eva. Obedecendo a Deus, Jesus  repara o pecado de Adão desobediente. A missão de Jesus se caracteriza pela luta constante contra o pretenso reinado do diabo neste mundo, ao anunciar o evangelho do Reino de Deus. Jesus exige de seus discípulos, de ontem e de hoje, uma opção básica: ceder às tentações do diabo ou seguir firmemente a Jesus Cristo no caminho do Reino de Deus (L.Garmus).

O Livro Gênesis confirma que Deus é a nossa origem e o nosso destino último; somos seres que Deus criou com amor, a quem Ele deu o seu próprio “sopro”, a quem animou com a sua própria vida. O fim último da nossa existência não é o fracasso, a dissolução no nada, mas a vida definitiva, a felicidade sem fim, a comunhão plena com Deus (Gn 2,7-9;3,1-7).

Na descendência de sangue de Adão, que representa nossa humanidade, somos pecadores e solidários a essa natureza adâmica, pecadora (Konings). Jesus nos mostra outra realidade: a conversão e a mudança.

Para o Apostolo Paulo, a mudança da humanidade, para uma situação de justiça, faz-se em Cristo (Rm 5,12-19) e na aceitação da proposta que ele nos faz hoje: viver da Palavra que sai da boca de Deus, do próprio Cristo. Da solidariedade adâmica, passamos à solidarie­dade, à adesão à palavra de salvação, de mudança de vida, de conhecimento de Jesus Cristo, correspondendo, com a nossa vida, ao seu amor.

Papa Francisco sugere que nos questionemos, neste período quaresmal: Que seria de nós se Deus nos tivesse fechado as portas? Que seria de nós sem a sua misericórdia, que não se cansou de nos perdoar e sempre nos deu uma oportunidade para começar de novo?

Onde estaríamos nós sem a ajuda de tantos rostos silenciosos que nos estenderam a mão de mil modos e, com ações muito concretas, nos devolveram a esperança e nos ajudaram a recomeçar?

Que a Campanha da Fraternidade nos ajude a superar as tentações e pessimismos e faça nossa fé progredir, buscando sempre o bem do outro, vendo sempre Cristo presente no mais pobre, no menor, na ovelha perdida, no amigo insistente, pois, “crer que aí está Cristo, discernir a melhor maneira para dar um pequeno passo até Ele, pelo bem dessa pessoa, é progresso na fé”.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

Gente de OpiniãoDomingo, 24 de novembro de 2024 | Porto Velho (RO)

VOCÊ PODE GOSTAR

Pentecostes: Comunidades de rosto humano!

Pentecostes: Comunidades de rosto humano!

Palavra de Dom Moacyr Grechi – Arcebispo Emérito de Porto Velho

Páscoa do povo brasileiro - Por Dom Moacyr Grechi

Páscoa do povo brasileiro - Por Dom Moacyr Grechi

Hoje reafirmamos a nossa fé na ressurreição de Cristo; somos uma Igreja Pascal. Na oração do Credo, proclamamos a ressurreição dos mortos e a vida ete

Verdade libertadora! Por Dom Moacyr Grechi

Verdade libertadora! Por Dom Moacyr Grechi

  A Igreja, convocada a fortalecer o povo de Deus na atual conjuntura, é chamada a estar ao lado daqueles “que perderam a esperança e a confiança no B

Lugar seguro para viver! - Por Dom Moacyr Grechi

Lugar seguro para viver! - Por Dom Moacyr Grechi

  Diante do aumento da violência agrária que atinge trabalhadores rurais, indígenas, ribeirinhos, quilombolas, pescadores artesanais, defensores de di

Gente de Opinião Domingo, 24 de novembro de 2024 | Porto Velho (RO)