Domingo, 24 de novembro de 2024 | Porto Velho (RO)

×
Gente de Opinião

Dom Moacyr

O Natal de Chico Mendes!



     Nesta quarta e última etapa que antecede a solenidade do Natal surpreende-nos o caminho que Deus escolheu para se encontrar conosco.A leitura dos sinais que Deus semeia na estrada da nossa vida permite-nos enxergar o caminho a seguir. E em Maria, como nos iluminaa encíclica Lumen Fidei,o caminho de fé do Antigo Testamento foi assumido no seguimento de Jesus e deixa-se transformar por Ele, entrando no olhar próprio do Filho de Deus encarnado.
 
     Na plenitude dos tempos, a Palavra de Deus dirigiu-se a Maria, e Ela acolheu-a com todo o seu ser, no seu coração, para que n’Ela tomasse carne e nascesse como luz para os homens. O mártir São Justino, na obra Diálogo com Trifão, tem uma expressão significativa ao dizer que Maria, quando aceitou a mensagem do Anjo, concebeu “fé e alegria”.De fato, na Mãe de Jesus, a fé mostrou-se cheia de fruto e, quando a nossa vida espiritual dá fruto, enchemo-nos de alegria, que é o sinal mais claro da grandeza da fé. Na sua vida, Maria realizou a peregrinação da fé seguindo o seu Filho(LF 58).
 
     Estamos encerrando a Novena de Natal em Família, em ritmo de espera da vinda do Senhor. O Natal aproxima-se e neste período em que as relações familiares se fortalecem, não excluímos ninguém de nosso convívio e fraternidade. Por isso, pedimos: Conceda-nos, Senhor, a coragem de teu Espírito para preparar novos caminhos de partilha e solidariedade neste Natal.
 
     A liturgia de hoje conduz-nos a viver a experiência do encontro com Deus. O Deus conosco, o Emanuel “ao assumir a nossa fraqueza, a natureza humana recebe uma incomparável dignidade: ao tornar-se ele um de nós, nós nos tornamos eternos” (prefacio do Natal). “O verbo se fez carne e armou sua tenda entre nós” (Jo 1,14).
 
     As leituras bíblicas estão todas orientadas para o nascimento de Jesus, o Filho de Deus e para seu papel fundamental na história da salvação, que é o poder de ressuscitar os seres humanos, dando-lhes a vida plena (VP). O profeta Isaías convida-nos a ler os sinais do Emanuel (Is 7,10-14),o Deus que não abandona o seu Povo e quer percorrer, de mãos dadas com ele, o caminho da história.
 
     Através do Evangelho (Mt 1,18-24)refletimos que é o próprio Filho de Deus, o Deus que está conosco, que inicia nova história, em que os homens serão salvos de tudo o que diminui ou destrói a vida e a liberdade. Ele vem ao nosso encontro para apresentar-nos uma proposta de salvação. Acolhamos de braços abertos a proposta que Ele traz e deixemo-nos transformar por ela, a exemplo de Maria e de José.  
 
     O mistério do Natal ensina-nos que, se Deus não quis revelar-Se como Alguém que olha do alto e domina o Universo, mas antes se humilha e desce à terra, pequenino e pobre, então, para nos parecermos com Ele, não devemos colocar-nos acima dos outros, mas humilhar-nos, pôr-nos ao seu serviço, fazer-nos pequenos com os pequenos e pobres com os pobres. Assim eles não se sentirão sozinhos! O Natal ensina-nos também que se Deus, por meio de Jesus Cristo, se envolveu com o homem até Se tornar um de nós, então tudo o que fizermos a um irmão, é a Ele que o fazemos, como o próprio Jesus nos ensinou: “Sempre que alimentastes, acolhestes, visitastes um destes meus irmãos mais pequeninos a Mim mesmo o fizestes” (Papa Francisco).
 
O Apóstolo Paulo, consciente de que foi “escolhido para o Evangelho” (Rm 1,1-7) afirma “que nasceu para anunciar o Evangelho e ser testemunha do projeto de salvação que Deus quer oferecer aos homens” (J. Garrido). É do encontro com Jesus que resulta o testemunho: tendo recebido a Boa Nova da salvação, os seguidores de Jesus devem levá-la a todos os homens e fazer com que ela se torne uma realidade libertadora em todos os tempos e lugares.
 
     Um texto do cardeal Ravasi sobre o “encarnar-se” de Deusajuda-nos a compreender o significado maior do seguimento, anuncio e testemunho. Para ele, a “encarnação” está no próprio coração do anúncio cristão. E citando o escritor Giovanni Testori escreve: “O Natal é o nascimento absoluto que reflete e assume, ilumina e redime, abençoa e consagrada todos os nascimentos de antes e todos os nascimentos de depois. Todo ser humano que vem à luz repete o milagre do Natal de Cristo, porque é Deus que decide esse nascimento. É Ele que quer essa vida. É justamente cada um desses nascimentos, cada uma dessas vidas, sem excluir nenhuma, que O levou a encarnar-se desde sempre”. Dessa forma, o Natal do Filho de Deus “reflete e assume, ilumina e redime, abençoa e consagrada todos os nascimentos”.
 
     Portanto, é no contexto do Natal que celebro hoje com o povo acreano e toda a Amazônia, a memória de Chico Mendes, assassinado nanoite de 22 de dezembro de 1988. O pai, amigo, filho de Xapuri, participante das CEBs e defensor dos povos da floresta, que se preparava para passar o Natal em família, apesar de ter sido aconselhado a não retornar para o Acre devido às ameaças, fez sua opção de celebrar seu nascimento (havia completado 44 anos no dia 15 de dezembro) e o nascimento de Jesus junto aos seus, mas até esse direito lhe tiraram.
 
     Por que morreu o ecologista e líder sindical Chico Mendes? Perguntou-me o jornalista Augusto Nunes, um mês após seu assassinato, no programa Roda Viva da TV Cultura. Respondi prontamente: Eu creio que Chico Mendes era uma liderança que incomodava. Incomodava de maneira especial os latifundiários, e também pessoas que no fundo são latifundiários. O Chico foi eliminado porque era uma pessoa que perturbava, e era uma pessoa que, nas suas exigências, se baseava sempre na justiça, no interesse dos seringueiros, no interesse de seus concidadãos ou dos povos da floresta.
 
     No primeiro momento o Chico foi uma liderança autêntica que não se deixava corromper, o que não é comum, muitas vezes as lideranças pressionadas podem ceder, por uma razão ou outra. O Chico, como eu disse antes, era uma liderança autêntica. Antes dele, Wilson Pinheiro já foi eliminado [presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasiléia (AC), assassinado na sede do próprio sindicato em 1980], não sei se os senhores se lembram, mas ele também era um sindicalista que incomodava por causa especialmente dos empates [ações coletivas que visam impedir a ação dos peões encarregados da derrubada da mata. Um grupo de cem a duzentas pessoas dirige-se pacificamente aos acampamentos e convence os peões a abandonar as motosserras]. Eles descobriram um caminho, porque pelo caminho da lei perceberam que não conseguiam nada, pelo caminho do diálogo nada se conseguia. Então eles perceberam que com esse modo do empate - que cercava a área em que ia ser derrubada, e exigia um afastamento dos peões e um compromisso do patrão ou do gerente. Os proprietários perceberam que ele estava sendo eficaz, estava conseguindo vitórias, então Wilson Pinheiro foi eliminado. E o Chico continuava na mesma linha, só que nesses últimos anos ele tinha amadurecido. Além de lutar pela posse e pela permanência do povo na terra, ele começava a acordar, inclusive nos ajudava a descobrir a importância da mata, da floresta, suas castanheiras, suas seringueiras, como fonte de vida para seu povo que na prática não tinha alternativa.
 
     E ao jornalista José Antônio Alves (Toinho) disse no dia da morte de Chico: Todos sabiam que ele estava ameaçado porque abraçava a causa dos seringueiros. Fez muitos inimigos e sua morte foi uma consequência necessária. O certo é que sua morte vai acordar a opinião pública.
 
     Chico Mendes acreditava que só seria útil à Amazônia vivo, para articular as ações necessárias para o movimento (havia dito em sua última entrevista ao The New York Times e ao Jornal do Brasil). No entanto, sua morte que parecia o triunfo do poder e da violência, demonstrou que o amor e a perseverança na luta pela causa dospovos da floresta, pelacriação de reservas extrativistas, pela vida e desenvolvimento das famílias dos seringueiros, valeram a pena, pois fez renascer a esperança de um mundo melhor em todos nós, seus companheiros de luta. E hoje cremos que nem o fracasso ou a perseguição nos farão desistir; seu martírio e testemunho não foram em vão; nada nos pode separar do amor das pessoas que, como Chico Mendes, sofreram o martírio.
 
     Agucemos nossa sensibilidade para ouvir os gritos que continuam ecoando na Amazônia, alarguemos nossa tenda, acolhendo, visitando e escutando as pequenas Comunidades Eclesiais de Base e tantas famílias, nossas famílias do beiradão, linhas, travessões, nos bairros distantes e tão inseguros de nossas cidades. Acolhamos os sinais de Deus aí presente. Feliz Natal a todos!
 

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

Gente de OpiniãoDomingo, 24 de novembro de 2024 | Porto Velho (RO)

VOCÊ PODE GOSTAR

Pentecostes: Comunidades de rosto humano!

Pentecostes: Comunidades de rosto humano!

Palavra de Dom Moacyr Grechi – Arcebispo Emérito de Porto Velho

Páscoa do povo brasileiro - Por Dom Moacyr Grechi

Páscoa do povo brasileiro - Por Dom Moacyr Grechi

Hoje reafirmamos a nossa fé na ressurreição de Cristo; somos uma Igreja Pascal. Na oração do Credo, proclamamos a ressurreição dos mortos e a vida ete

Verdade libertadora! Por Dom Moacyr Grechi

Verdade libertadora! Por Dom Moacyr Grechi

  A Igreja, convocada a fortalecer o povo de Deus na atual conjuntura, é chamada a estar ao lado daqueles “que perderam a esperança e a confiança no B

Lugar seguro para viver! - Por Dom Moacyr Grechi

Lugar seguro para viver! - Por Dom Moacyr Grechi

  Diante do aumento da violência agrária que atinge trabalhadores rurais, indígenas, ribeirinhos, quilombolas, pescadores artesanais, defensores de di

Gente de Opinião Domingo, 24 de novembro de 2024 | Porto Velho (RO)