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Dom Moacyr

O presépio do encontro e da inclusão!


 
A terra de Jesus e todo o Oriente Médio continuam vivendo situações dramáticas e sérios conflitos. O rosto migrante do Brasil mostra famílias, trabalhadores desempregados, idosos e crianças perambulando em busca de sobrevivência, fugindo de situações insustentáveis, perseguindo um sonho, uma terra prometida.

Segundo as Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) somente neste ano mais de 60 milhões de pessoas se viram forçadas a abandonar seus lares. Para Irmã Rosita Milesi, os seres humanos sempre migraram no decorrer da história. No entanto, no começo do século XXI, as migrações são motivadas, como diria Bauman, sobretudo pela busca de inclusão biológica – a sobrevivência – e da inclusão social – a plena cidadania.

O mundo moderno universalizou os direitos humanos, mas os negou a grande parte da população mundial. A migração representa uma forma de resistência e, ao mesmo tempo, de denúncia das contradições da globalização neoliberal. Além disso, ela aponta a utopia da “família humana”, da “cidadania universal”, de uma sociedade em que ninguém seja subestimado em sua dignidade. Hoje, mais do que nunca, precisamos desta utopia, talvez não para realizá-la, mas para orientar nosso caminho e garantir o futuro da espécie humana no planeta terra.

Os povos indígenas têm feito de Brasília um de seus principais campos de luta; mais de 20 delegações de povos originários de todo o país na guerra contra a PEC da morte e do genocídio, a 215, e outras ações que visam tirar direitos indígenas. Cada vez mais cresce a construção de união, alianças e articulações entre os povos, formação política na luta e exigência de seus direitos.

Para Manfredo Oliveira, da Adital, o cenário de nossas vidas nos mostra que o mundo foi transformado no pasto destinado ao crescimento da riqueza e do poder dos poderosos.

Experimentamos “a necessidade de uma nova ordem que seja capaz de dar soluções adequadas aos problemas de hoje, fundadas na dignidade da pessoa humana, em um desenvolvimento integral da sociedade, na solidariedade entre os países ricos e pobres, na capacidade de compartilhar os recursos e os extraordinários resultados do progresso científico e técnico” (J.Paulo II).

Neste último domingo do Advento, a liturgia nos convida a voltar à fonte da nossa vida de cristãos e a olhar para o Presépio, contemplando novamente a Igreja de Belém. Só seremos verdadeira Igreja se estivermos inclinados, prostrados diante do Menino, nosso irmão e Salvador que está sempre “com Maria sua mãe” (Mt 2,11).

Lucas nos apresenta em tão poucos versículos: pobreza, marginalização, humildade, paz e uma grande alegria. É bom que por longo tempo meditemos diante de um presépio: Ele me amou e nasceu e morreu por mim, ele é meu irmão (e devo isso a Maria) e Ele nunca se envergonha de nos chamar irmãos (Hb 1,11).

Ouçamos “o grito que vem da Amazônia” e, como Maria, visitemos as nossas pequenas comunidades, nossas CEBS nas linhas e travessões, no beiradão e nos bairros distantes e tão inseguros de nossa Capital; comunidades atingidas pelas inundações e barragens, comunidades indígenas confinadas ou acampadas nas beiras de rodovia.

Elas são a maioria de nossas “igrejas”: no amor fraterno no perdão e na partilha (1Jo 3,14), na escuta da Palavra (Jo 5,24), na oração e canto (Mt 18,20) ali está o Cristo, não só o irmão nosso, recém-nascido, Jesus, mas torna-se presente e eficaz o seu mistério pascal, com sua força de salvação e renovação: sairemos da celebração renascidos em Cristo, cheios de vida nova(DAp 253 e DGAEI,72).

O Documento de Aparecida reforça ainda: Nas pequenas comunidades eclesiais temos um meio privilegiado de evangelização; elas são um ambiente propício para se escutar a Palavra de Deus, para viver a fraternidade, para animar na oração, para aprofundar processos de formação na fé e para fortalecer o exigente compromisso de ser apóstolos na sociedade de hoje. São lugares de experiência cristã e evangelização (DAp 307-308).

A proximidade do Natal do Senhor redobra a nossa esperança. A criação inteira faz ressoar o grito para que dos céus chovam o justo e que da terra aberta brote o Salvador. O Evangelho de Lucas, que hoje proclamamos, diz-nos que o Salvador que espera­mos é revelado, já desde sua gestação. É na visita de Maria, a Bem-aventurada, à sua prima grávida, que Isabel reconhece e professa a proximidade do Senhor ao seio da história humana (Lc 1,39-45). Maria é a serva que adere ao plano salvífico do Senhor. Sua adesão à obra da salvação torna possível o acontecimento definitivo da vinda de Deus ao mundo e a cada pessoa, como haviam anun­ciado os profetas.

Na Encíclica Lumen Fidei (58-60), o texto final oferece-nos uma belíssima e profunda reflexão sobre a Mãe do Salvador, Maria, figura da humanidade perfeita, que coroa a Aliança de Deus com o seu povo e inaugura o povo novo.

A Mãe do Senhor é ícone perfeito da fé, como dirá Santa Isabel: “Bem-aventurada aquela que acreditou, porque vai acontecer o que o Senhor lhe prometeu” (Lc 1,45).

Em Maria, Filha de Sião, tem cumprimen­to a longa história de fé do Antigo Testamento, com a narração de tantas mulheres fiéis a co­meçar por Sara; mulheres que eram, juntamen­te com os Patriarcas, o lugar onde a promessa de Deus se cumpria e a vida nova desabrocha­va. Na plenitude dos tempos, a Palavra de Deus dirigiu-se a Maria, e Ela acolheu-a com todo o seu ser, no seu coração, para que nela tomasse carne e nascesse como luz para os homens.

Na sua vida, Maria realizou a peregrinação da fé seguindo o seu Filho. Assim, em Maria, o caminho de fé do Antigo Testamento foi assumido no seguimento de Jesus e deixa-se transformar por Ele, entrando no olhar próprio do Filho de Deus encarnado.

Sendo Filho, Jesus pode trazer ao mundo um novo iní­cio e uma nova luz, a plenitude do amor fiel de Deus que Se entrega aos homens. Por outro lado, a verdadeira maternidade de Maria garantiu, ao Filho de Deus, uma verdadeira história humana, uma verdadeira carne na qual morrerá na cruz e ressuscitará dos mortos. Maria acompanhá-Lo-á até à cruz, donde a sua maternidade se estenderá a todo o discípulo de seu Filho (Jo 19,25-27). Estará presente também no Cenáculo, depois da ressurreição e ascensão de Jesus, para implorar com os Apóstolos o dom do Espírito (At 1,14). O movimento de amor entre o Pai e o Filho no Espírito percorreu a nossa história; Cristo atrai-nos a Si para nos poder salvar (Jo 12,32). No centro da fé, encontra-se a confissão de Jesus, Filho de Deus, nascido de mulher, que nos introduz, pelo dom do Espírito Santo, na fi­liação adotiva (Gl 4,4-6).

A Profecia de Miquéias, em continuidade aos anúncios messiânicos, afirma que de Belém de Éfrata, da descendência de Davi, virá o Messias, aquele que apascentará Israel, pois “ele mes­mo será a paz” (Mq 5,1-4a). O Messias esperado vem de Deus, “sua origem é de tempos remotos, desde os dias da eternidade”. Jesus é aquele que diz: “Eu vim, ó Deus, para fazer a tua vontade” (Hb 10,5-10). A encarnação do Filho, que nos é anunciada pelo Anjo é o cumprimento da vontade de Deus de estar cada vez mais próximo de suas criaturas; e a vida do Filho, feita sacrifício uma vez por todas, é a plenitude da salvação que Deus destinou ao seu povo.

Na noite abençoada do Natal nos encontraremos junto ao presépio, com a família de Jesus, com nossas famílias, as famílias de Mariana, nossas famílias ribeirinhas, povos da floresta, povos indígenas e migrantes; vamos lembrar que o presépio do nascimento é da mesma madeira que a cruz da Sexta-feira Santa.

Como Maria, “a nossa fé nos faz acolher a Deus e, por meio dela, O colocamos no mundo; damos-Lhe acesso ao nosso universo, assim, pois, Deus se põe nas mãos dos homens, e sabemos bem até onde irá chegar” (M.Domergue).

Que a Mãe de Deus, deste Deus que se fez pequenininho, nos ensine a viver a humildade da fé. Ela que é a humanidade perfeita, nos ajude a acolher Deus no irmão, naquele que está tão próximo de nós, que precisa do abraço e da ternura da misericórdia, do perdão e da partilha. Feliz Natal, meu irmão! Minha irmã! Seja abençoada sua gente, sua família neste iluminado Natal de Jesus!

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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