Sábado, 24 de setembro de 2016 - 20h25
Celebramos, no último domingo de setembro, o Dia Nacional da Bíblia. A liturgia fala da insensibilidade humana e da desigualdade social.
O alto grau de concentração de renda entre os mais ricos é a característica marcante da desigualdade brasileira. Segundo o pesquisador do IPEA, Pedro F.de Souza, o que não mudou no Brasil foi a desigualdade, considerando dados históricos do imposto de renda, quando éramos ainda um país rural. A concentração de renda no 1% mais rico da população adulta manteve-se em patamar alto, sem nenhuma tendência clara de longo prazo. Ou seja, o bolo cresceu, mas não foi dividido.
O Evangelho de Lucas mostra a insensibilidade de quem vendeu a sua alma em troca de riqueza, alguém que é tão pobre que só possui dinheiro! Trata-se da parábola do rico e do pobre Lázaro (Lc 16,19-31); uma descrição do pobre e sua contrapartida, a vida de luxo e insensibilidade do rico; há entre os dois um abismo intransponível, antes e depois da morte do rico e do pobre. Na realidade, esse abismo já existia antes da morte: o abismo entre ricos e pobres, mas com a morte tornou-se intransponível, definitivo (VP).
Lázaro significa hoje as minorias, para muitos, descartáveis, ignoradas, sem direitos e privilégios. Minorias que vivem “em extrema necessidade, famintas, enfermas, excluídas por aqueles que lhes podiam ajudar; sua única esperança é Deus” (Ihu). Cristo desmascara a cruel injustiça daquela sociedade.
As classes mais poderosas e os estratos mais oprimidos parecem pertencer à mesma sociedade, mas estão separados por uma barreira invisível: essa porta que o rico não atravessa nunca para aproximar-se de Lázaro. Deus, que é Pai de todos, não pode aceitar essa cruel separação entre seus filhos.
Na “Comunicação Pastoral ao Povo de Deus” (doc.08/CNBB, 1976), ocasião em que “fatos abalavam o povo e a Igreja”, os bispos alertavam “só os grandes e poderosos é que tem direito” e “o pequeno deve ter só o estritamente necessário para continuar vivendo e servindo ao poder” e “no momento em que ele se recusar a servir ou começar a ser uma pedra no sapato do grande ele deve desaparecer, sua terra ser invadida sua choupana ser desapropriada ou destruída”. Contudo, “a exemplo de Cristo, o grande defensor dos direitos humanos”, a Igreja “não pode fechar os olhos ante a grave situação de insegurança que vivem os pequenos, não pode ficar indiferente à espoliação dos povos indígenas expulsos de suas terras, não pode ignorar os desenraizados”, pois, “Cristo se faz presente e visível nestas pessoas”.
Ao ser entrevistado no programa Roda Viva da TV Cultura (1989), reafirmei a posição da Igreja, “se a Igreja não denunciar fatos tais, se não alertar a opinião pública dos seus fiéis, inclusive exigindo uma definição, ela está traindo sua missão, porque ela também tem uma missão profética”. Temos assassinatos, nomes, sobrenomes, local, possíveis mandantes. Há um assassinato, e ele é seletivo: se assassinam lideranças, advogados que lutam pelos povos indígenas, pelos trabalhadores posseiros; se assassinam políticos. A coisa é planejada, se quer acabar com a organização.
Eu era da convicção que eu não deveria me envolver com a problemática social, que não tocava a mim. No máximo eu devia cuidar de pobres. Nós temos lá um hospital para hansenianos; temos hospitais para pobres; escolas ao longo dos rios para alfabetizar; mas esse compromisso mais direto com a problemática social eu não o sentia. E foi diante de fatos lamentáveis... prisões arbitrárias, espancamentos; e o povo cobrando de mim; o povo confiava no bispo. Em certo momento, eu senti o que um velho de mais de 80 anos me disse: “Se eu tivesse a sua idade, eu já estaria lá”. Eu senti uma profunda vergonha, e foi aí que eu comecei entrar em contato com essa realidade dos seringais, dos fazendeiros, e percebi quanta corrupção, quanta violência, quanta mentira estava nessa situação. Eu comecei a acordar ali; houve uma mudança muito grande, principalmente na dimensão social estrutural. Não tanto o pobre, os pobres em si, mas a fábrica de pobres que essa nossa organização de sociedade produz, e percebi que o caminho não era só tentar fazer hospital, ou creche; era apoiar o povo na sua organização para mudar essa situação.
Dessa forma, hoje, não podemos nos conformar com a situação vergonhosa do país quando “medidas antissociais e antinacionais” são elaboradas; “direitos da classe trabalhadora e dos aposentados” estão sendo feridos; “programas sociais, sorrateiramente vão sendo esvaziados, apesar de enganosas declarações de que o social não será tocado, mas inclusive incrementado”. É hora, aponta o amigo e sociólogo Luiz Alberto Gomez de Souza, desde já, de mobilização e de não ceder ao pessimismo, hora de olhar adiante, com criatividade e numa grande aliança na solidariedade com o Brasil e seu povo.
Cada dia os ventos da política sopram numa direção, analisa o sociólogo Pedro Ribeiro de Oliveira, do ISER, que sempre acompanhou nossas Comunidades Eclesiais de Base no Brasil e a Coordenação Nac. do Movimento Fé e Política. Vivemos um momento “de pressão externa” que age no sentido de tornar a economia brasileira mais subserviente aos interesses das grandes corporações e tem peso maior do que os atores políticos que aparecem nos noticiários, embora não seja fácil detectar exatamente onde e como influem. Tudo indica que estamos vivendo a segunda tentativa de encerrar o projeto desenvolvimentista brasileiro e reforçar a dependência neocolonial. Esperamos e lutamos, “para abortar essa tentativa antipopular e antinacional, porque ainda estamos no primeiro tempo do jogo e nada está definido”.
Apesar do silencio da CNBB, a Igreja da base, para Pedro Ribeiro, não deixou de ser protagonista, porque os leigos atuam em muitos movimentos sociais e políticos, embora esse setor não tenha a mesma relevância de outros tempos.
Aos que não se importam pela situação de gritante desigualdade do povo brasileiro, “Puebla, após reconhecer a brecha crescente entre ricos e pobres como um pecado social e compreender que no rosto do pobre reconhecemos o rosto do Cristo sofredor, nos interpela, afirmando a necessidade de conversão de toda a Igreja para a opção preferencial pelos pobres”.
O papa Bento XVI, no discurso inaugural da Conferência de Aparecida, retomando a opção pelos pobres, indica nova etapa no aprofundamento dessa opção, afirmando que o Deus revelado em Jesus de Nazaré é “o Deus de rosto humano; é o Deus-Conosco, o Deus do amor até a cruz”. Somos chamados a contemplar nos rostos sofredores de tantos Lázaros, nossos irmãos, o rosto de Cristo que nos chama a servi-lo neles: ‘Os rostos sofredores dos pobres são os rostos sofredores de Cristo’. Eles interpelam o núcleo do agir da Igreja, da pastoral e de nossas atitudes cristãs. Tudo o que tem a ver com Cristo tem a ver com os pobres e tudo o que estiver relacionado com os pobres está relacionado com Jesus Cristo: ‘Todas as vezes que vocês fizeram isso a um dos menores de meus irmãos, foi a mim que o fizeram’ (Mt 25,40; DAp 393).
Para Pe. Benedito Ferraro, da PUC de Campinas, a vida de Jesus de Nazaré foi inteiramente voltada para a libertação dos pobres de seu tempo e pode ser resumida na expressão do Bom Pastor: “Eu vim para que todos tenham vida e tenham vida em abundância” (Jo 10,10). A opção pelos pobres e excluídos de nosso continente é a marca de nossa Igreja latino-americana e tem o selo dos nossos mártires que, por amor aos irmãos e irmãs, deram seu sangue como Jesus o fez em favor da vida de todos.
Em defesa da ordem constitucional e contra mais um golpe às instituições democráticas, renomados professores da Unicamp, USP e outras (dentre eles, pe. Ferraro), emitiram uma Nota pública em defesa da ordem constitucional, em desagravo ao professor e economista Guido Mantega, no momento em que a ordem pública brasileira vem sendo ameaçada sistematicamente por aqueles que deveriam protegê-la.
A Nota diz que o episódio da prisão do professor levou o arbítrio a novos limites e que o direito ao protesto coletivo vem sendo coibido por intervenções provocativas, abusivas e desproporcionais por parte da Polícia, como se a velha política das ditaduras estivesse de novo às soltas. Ano a ano, cidadãos brasileiros invisíveis são conduzidos coercitivamente a depoimentos, ou algo pior, sem serem intimados pela justiça. O combate à corrupção não pode ser um pretexto para corromper a Constituição, autorizar a perseguição política e inflar vaidades de juízes, procuradores e policiais.
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