Durante a noite santa, na celebração da Vigília Pascal, voltamos “a percorrer o caminho da humanidade, desde a criação até o acontecimento culminante da salvação, que é a morte e a ressurreição de Cristo” (J.Paulo II).
Com toda a Igreja, inclusive as pequeninas Cebs, tornamos “a percorrer, meditando através da Palavra de Deus, as etapas significativas da intervenção salvífica de Deus no universo”, vislumbrando, “nesta noite pascal, o amanhecer do dia que não tem mais ocaso, o dia de Cristo ressuscitado, que inaugura a vida nova, “os novos céus e a nova terra” (2Pd 3,13; Is65,17; 66,22; Ap 21,1).
Esta Vigília que nos faz reviver o acontecimento decisivo e sempre atual da Ressurreição, mistério central da fé cristã, introduz-nos num dia que não conhece ocaso. Dia da Páscoa de Cristo, que inaugura para a humanidade uma nova primavera de esperança. Desta noite, o papa João Paulo II destacou em sua homilia (2001): Ó Vigília recheada de esperança, que exprimes em plenitude o sentido do mistério! Nesta noite, tudo se resume prodigiosamente num nome: o nome de Cristo ressuscitado.
Quando na Sexta feira Santa contemplávamos o mundo calado diante da dor extrema e a Mãe envolvida pelo silêncio com o filho morto no colo, refletíamos que “o caminho para a glória é o caminho da cruz”. Hoje, “a Cruz, de símbolo do sofrimento, transforma-se em escada para a glória”. O sofrimento, vivido na fé, torna-se fecundo e criativo. É que a vida, como caminho e força de expansão e ascensão para o mais alto, pede sempre o seu preço. Para aceder à unidade, é preciso atravessar a dilaceração (estância junto à Cruz). Para chegar à síntese, é mister passar pela antítese. A cruz é cadinho que purifica e ao mesmo tempo conjuga (Clodovis Boff).
Maria com e como o Filho é a vencida-vencedora: a mãe de Jesus, de pé junto da Cruz, mostra que a derrota das causas justas é o reverso moral de sua vitória futura, bem como fase e condição espirituais de seu triunfo definitivo. Per crucem ad lucem. Ela é a imagem-guia de todos os que permanecem firmes junto das infinitas cruzes que se levantam ao longo dos tempos. Esta resistência interior é semente de ressurreição, tanto dentro como depois da história.
As primeiras palavras do evangelho de hoje: “No primeiro dia da semana” (Jo 20,1-9), nos remetem ao relato da criação do livro do Gênesis. Dessa maneira, São João nos quer situar diante de uma nova criação: a ressurreição. Ela foi o ato supremo da criação, a maior obra de Deus.
A Páscoa é um novo dia para a Igreja que é um sinal da presença do Ressuscitado através dos seus discípulos, os cristãos de todos os tempos. Um dia novo que não termina, continua na Igreja de hoje, e que ainda dura... Nós estamos sempre no domingo de Páscoa!
A ressurreição de Jesus é o dado primordial sobre o qual se apoia a fé cristã (1Cor 15,14): estupenda realidade, captada plenamente à luz da fé, mas comprovada historicamente por aqueles que tiveram o privilégio de ver o Senhor ressuscitado ... A Cristo “pertence o tempo e a eternidade” (liturgia da vigília pascal). A Igreja, ao comemorar, não só uma vez ao ano, mas em cada domingo, o dia da ressurreição de Cristo, deseja indicar a cada geração aquilo que constitui o eixo fundamental da história, ao qual fazem referência o mistério das origens e o do destino final do mundo (DD 2).
Os discípulos da primeira hora conheceram a Jesus de Nazaré; eles lhe viram morrer, eles o reencontraram na Igreja do século I e eles puderam verificar a autenticidade do Ressuscitado como a continuidade de Jesus de Nazaré que eles conheceram, amaram e seguiram. Então, eles se tornam testemunhas privilegiadas, e as experiências ulteriores do Ressuscitado se fundam necessariamente nos seus testemunhos.
A experiência deles do Ressuscitado é única, no sentido que eles podem verificar a sua autenticidade, em relação a esse Jesus que eles conheceram, seguiram, amaram e acompanharam até a morte. De certo modo, eles são testemunhas privilegiadas, e é sobre esse testemunho deles que se funda a fé de todos nós, discípulos dele hoje (R.Gravel).
No século IV, Santo Agostinho tinha uma forma bem característica dele de expressar essa realidade. No seu sermão 116 escreve: “O Cristo total se deu a conhecer a eles (seus discípulos) e se deu a conhecer a nós. Eles viram a cabeça (Jesus) e eles acreditaram no corpo (Igreja). Nós vimos o corpo (Igreja) e acreditamos na cabeça (Jesus). Porém, o Cristo não se oculta para ninguém: ele é e está completamente inteiro em nós e, portanto, seu corpo permanece unido a ele”.
Passam os anos e os séculos, estamos celebrando a Páscoa de 2013. O Cordeiro Pascal continua a ser como a videira enxertada no terreno da humanidade. Na Páscoa de 1982, o papa João Paulo II questionava sobre “o rumo para o qual se vai dirigindo o mundo contemporâneo: tendo lançado raízes profundamente na humanidade dos nossos tempos, as estruturas do pecado parecem querer ofuscar o horizonte do Bem”.
Também para nós, neste dia do Sacrifício Pascal não nos é permitido esquecer nenhum daqueles que sofrem e que se encontram no próprio coração do Cordeiro Pascal: os povos indígenas e migrantes; os jovens excluídos do mundo do trabalho e vitimas da violência e das drogas; as famílias atingidas pelas enchentes; milhares de crianças que morrem pelo flagelo da fome; nossos irmãos e irmãs, “vítimas da injustiça, da crueldade humana e da exploração”; nossos doentes, idosos abandonados, pessoas com deficiência; as pequeninas comunidades eclesiais da Amazônia, muitas vezes esquecidas pelo poder público. “América Ameríndia, ainda na Paixão: um dia tua Morte terá Ressurreição!”
Que, através das chagas de Cristo ressuscitado, possamos ver com olhos de esperança estes males que afligem a humanidade. Ao ressuscitar, “o Senhor não tirou o sofrimento e o mal que aflige a humanidade, mas venceu-os pela raiz com a superabundância da sua Graça” (Bento XVI). À prepotência do mal opôs a onipotência do seu Amor. Como via para a paz e a alegria deixou-nos o Amor que não teme a morte. “Como eu vos tenho amado, disse aos Apóstolos antes de morrer, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros” (Jo 13,34).
Também, não podemos deixar de apontar os sinais dos tempos que tornam visível para os dias de hoje a Ressurreição de Jesus: o aumento da consciência ecológica; as experiências de democracia participativa e expressões de soberania popular; a criatividade nas experiências de economia solidária e comércio justo; a multiplicação e o fortalecimento de muitos movimentos sociais. Expressão importante desse movimento de resistência e ressurreição de nossos povos tem sido a realização dos sucessivos fóruns sociais, regionais e mundiais (Carta ao povo cristão da América Latina e do Caribe, 2007).
Que oEspírito do Ressuscitado conceda-nos a sua força de vida, de paz e de liberdade e suscite em nós um renovado dinamismo, pois Cristo está vivo e caminha conosco.
Tenhamos, portanto, coragem e confiança, pois “éo dom interior que nos une ao Ressuscitado e aos irmãos na intimidade de um único corpo, reavivando a nossa fé, infundindo no nosso coração a caridade, reanimando a nossa esperança. O Espírito está presente ininterruptamente em cada dia da Igreja, irrompendo, imprevisível e generoso, com a riqueza dos seus dons; mas, na assembleia dominical congregada para a celebração semanal da Páscoa, a Igreja coloca-se especialmente à escuta d'Ele e com Ele tende para Cristo, no desejo ardente do seu regresso glorioso” (Ap 22,17/DD 85).
Perfazendo seu próprio caminho pascal, possa você, meu irmão, minha irmã, participar e colaborar na páscoa de todo o tecido social, de toda a realidade cósmica (Rm 8,18-25), até à plena comunhão, quando Deus será tudo em todos (1 Cor 15,28). Feliz Páscoa a todos.