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Dom Moacyr

Pátria sempre abençoada!


Pátria sempre abençoada! - Gente de Opinião 

Celebramos nesta segunda a Solenidade de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, padroeira do Brasil. Neste dia, somos convidados “a lançar as redes ao mundo, para tirar do anonimato aqueles que estão submersos no esquecimento e aproximá-los da luz da fé”, pois, Maria, “reunindo os filhos, integra nossos povos ao redor de Jesus Cristo” (DAp 265).

Em Aparecida, Deus ofereceu ao Brasil a sua própria Mãe. Mas, em Aparecida, Deus deu também uma lição sobre Si mesmo, sobre o seu modo de ser e agir. Uma lição sobre a humildade que pertence a Deus como traço essencial e que está no DNA de Deus. Há algo de perene para aprender sobre Deus e sobre a Igreja, em Aparecida; um ensinamento, que nem a Igreja no Brasil nem o próprio Brasil devem esquecer.

Estas palavras, dirigidas pelo papa Francisco ao episcopado brasileiro, por ocasião de sua visita ao Brasil em 2013, no encontro de 27 de julho no Rio de Janeiro, ajudam-nos a refletir o significado da padroeira de nossa pátria.

No início do evento que é Aparecida, está a busca dos pescadores pobres. Tanta fome e poucos recursos. As pessoas sempre precisam de pão (854 milhões de pessoas sofrem com fome em todo o planeta). Os homens partem sempre das suas carências, mesmo hoje. Possuem um barco frágil, inadequado; têm redes decadentes, talvez mesmo danificadas, insuficientes. Primeiro, há a labuta, talvez o cansaço, pela pesca, mas o resultado é escasso: um insucesso. Apesar dos esforços, as redes estão vazias (Em outra rede, o patrimônio de 160 bilionários brasileiros da Lista Forbes/2015 atinge cerca de R$ 806,6 bilhões, o equivalente a 14,66% do PIB brasileiro; entende-se como e porque poucos mas muito poderosos, fogem de uma reforma tributária pra valer, do imposto sobre grandes fortunas, de uma maior taxação de heranças como o diabo foge da cruz (S.Heck); estes não estão em crise).

Depois, quando foi da vontade de Deus, comparece Ele mesmo no seu Mistério. As águas são profundas e, todavia, encerram sempre a possibilidade de Deus; e Ele chegou de surpresa, quem sabe quando já não o esperávamos. A paciência dos que esperam por Ele é sempre posta à prova. E Deus chegou de uma maneira nova, porque Deus é surpresa: uma imagem de barro frágil, escurecida pelas águas do rio, envelhecida também pelo tempo. Deus entra sempre nas vestes da pequenez. Veem então a imagem da Imaculada Conceição. Primeiro o corpo, depois a cabeça, em seguida a unificação de corpo e cabeça: a unidade. Aquilo que estava quebrado retoma a unidade.

O Brasil colonial estava dividido pelo muro vergonhoso da escravatura. Nossa Senhora Aparecida se apresenta com a face negra, primeiro, dividida, mas depois unida, nas mãos dos pescadores. Há aqui um ensinamento que Deus quer nos oferecer. Sua beleza refletida na Mãe, concebida sem pecado original, emerge da obscuridade do rio. Em Aparecida, logo desde o início, Deus dá uma mensagem de recomposição do que está fraturado, de compactação do que está dividido. Muros, abismos, distâncias ainda hoje existentes estão destinados a desaparecer. A Igreja não pode descurar esta lição: ser instrumento de reconciliação.

Os pescadores não desprezam o mistério encontrado no rio, embora seja um mistério que aparece incompleto. Não jogam fora os pedaços do mistério. Esperam a plenitude. E esta não demora a chegar. Há aqui algo de sabedoria que devemos aprender. Há pedaços de um mistério, como partes de um mosaico, que vamos encontrando. Nós queremos ver muito rápido a totalidade; e Deus, pelo contrário, Se faz ver pouco a pouco. Também a Igreja deve aprender esta expectativa. Depois, os pescadores trazem para casa o mistério. O povo simples tem sempre espaço para albergar o mistério. Talvez nós tenhamos reduzido a nossa exposição do mistério a uma explicação racional; no povo, pelo contrário, o mistério entra pelo coração.

Na casa dos pobres, Deus encontra sempre lugar. Os pescadores agasalham: revestem o mistério da Virgem pescada, como se Ela tivesse frio e precisasse ser aquecida. Deus pede para ficar abrigado na parte mais quente de nós mesmos: o coração. Depois é Deus que irradia o calor de que precisamos, mas primeiro entra com o subterfúgio de quem mendiga. Os pescadores cobrem o mistério da Virgem com o manto pobre da sua fé. Chamam os vizinhos para verem a beleza encontrada; eles se reúnem à volta dela; contam as suas penas em sua presença e lhe confiam as suas causas. Permitem assim que possam implementar-se as intenções de Deus: uma graça, depois a outra; uma graça que abre para outra; uma graça que prepara outra. Gradualmente Deus vai desdobrando a humildade misteriosa de sua força.

Há muito para aprender nessa atitude dos pescadores. Uma Igreja que dá espaço ao mistério de Deus; uma Igreja que alberga de tal modo em si mesma esse mistério, que ele possa encantar as pessoas, atraí-las. Somente a beleza de Deus pode atrair. O caminho de Deus é o encanto que atrai. Deus faz-se levar para casa. Ele desperta no homem o desejo de guardá-lo em sua própria vida, na própria casa, em seu coração. Ele desperta em nós o desejo de chamar os vizinhos, para dar-lhes a conhecer a sua beleza. A missão nasce precisamente dessa fascinação divina, dessa maravilha do encontro. Falamos de missão, de Igreja missionária (estamos vivendo o mês missionário). Penso nos pescadores que chamam seus vizinhos para verem o mistério da Virgem. Sem a simplicidade do seu comportamento, a nossa missão está fadada ao fracasso.

A Igreja tem sempre a necessidade urgente de não desaprender a lição de Aparecida; não pode esquecê-la. As redes da Igreja são frágeis, talvez remendadas; a barca da Igreja não tem a força dos grandes transatlânticos que cruzam os oceanos. E, contudo, Deus quer se manifestar justamente através dos nossos meios, meios pobres, porque é sempre Ele que está agindo. O resultado do trabalho pastoral não assenta na riqueza dos recursos, mas na criatividade do amor. A força da Igreja não reside nela própria, mas se esconde nas águas profundas de Deus, nas quais ela é chamada a lançar as redes.

Outra lição que a Igreja deve sempre lembrar é que não pode afastar-se da simplicidade; caso contrário, desaprende a linguagem do Mistério. E não só ela fica fora da porta do Mistério, mas, obviamente, não consegue entrar naqueles que pretendem da Igreja aquilo que não podem dar-se por si mesmos: Deus. Sem a gramática da simplicidade, a Igreja se priva das condições que tornam possível pescar Deus nas águas profundas do seu Mistério.

Aparecida surgiu em um lugar de cruzamento. A estrada que ligava Rio, a capital, com São Paulo, a província empreendedora que estava nascendo, e Minas Gerais, as minas muito cobiçadas pelas cortes europeias: uma encruzilhada do Brasil colonial. Deus aparece nos cruzamentos. A Igreja no Brasil não pode esquecer esta vocação inscrita em si mesma desde a sua primeira respiração.

Dia 12 de outubro é também o dia especial das crianças. Padre Marcelo Barros lembra-nos que nesta data fazemos memória da conquista da América pelos espanhóis e portugueses; e, ao invés de destacar a colonização, o calendário prefere chamar 12 de “o dia da raça”, dia da resistência dos povos indígenas. Essa resistência foi heroica e admirável, mas, atualmente, temos a celebrar um passo a mais: a construção de algo novo que une todos os países da América Latina em uma única pátria grande, no respeito às autonomias locais de cada nação, que cria uma irmandade solidária entre todos.

A liturgia de hoje está centrada na verdadeira sabedoria que significa investir tudo no reino. O livro da Sabedoria nos ensina que devemos aprender as lições do passado para ser um povo livre (Sb 7,7-11).
Nosso país oscila entre a insensatez do capital e o escândalo da miséria. Será que os ricos se salvam? A exigência de Jesus se baseia na venda de tudo em vista da partilha (Mc 10,17-30). Onde estão as sementes da nova sociedade dos que seguem Jesus? Quais os sinais de que já está chegando? Quem absolutiza falsas seguranças (poder, riqueza, posses) não aprendeu a lição da eucaristia como celebração da mesma fé e da mesma vida, como comunhão com Deus e as pessoas (VP).

Hoje a palavra de Deus põe a nu e a descoberto nossas opções. É a ela que deveremos prestar contas (Hb 4,1.2-13). A Palavra de Deus, o próprio Jesus, promessa de vitória e garantia de descanso, está junto dos que lutam pelo mundo novo. Ele e sua palavra têm força para demolir, desnudar, desarmar e destruir as sementes de injustiça que tornam nossa sociedade cada dia mais opressora.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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