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Dom Moacyr

Paz e terra para os povos indígenas


  
A Semana dos povos indígenas 2009 tem como tema "Paz e terra para os povos indígenas" e o lema "A paz é fruto da justiça" (Is 32,17).

No dia 19 de março o Supremo Tribunal Federal confirmou a homologação da terra indígena Raposa Serra do Sol, nos limites e na forma determinada por atos do ministro da Justiça e do presidente da República e consagrou o entendimento de que a demarcação de terras indígenas deve ser feita de forma contínua, que a demarcação de terras indígenas na faixa de fronteira não atenta contra a soberania do país e de que a demarcação de terras indígenas não compromete o desenvolvimento de qualquer unidade da federação.
  
Esta foi sem dúvida mais uma vitória histórica no processo de consolidação dos direitos territoriais indígenas. O Conselho Missionário Indigenista reconhece que tal êxito se deu pela luta incansável dos povos daquela terra, que por mais três décadas vêm lutando por seus direitos com o apoio de uma grande rede de aliados e simpatizantes da causa indígena.
  
Contudo, apesar das garantias constitucionais, a realidade brasileira revela a negação desses direitos, na medida em que a maioria das terras indígenas está sendo invadida por diversos grupos econômicos. Esse fato tem sido a principal causa da violência praticada contra os povos indígenas. Atualmente, em todos os estados brasileiros existem conflitos decorrentes da invasão de terras.
 
O governo do Mato Grosso do Sul está pedindo junto ao Ministério da Justiça a suspensão do processo de demarcação de terras indígenas alegando que o Estado não será terra de índios e propondo levar os Kaiowá Guarani para outras regiões do estado e do país. Nos últimos 20 anos foram mortos centenas de indios Kaiowá Guarani; em 2008 foram 40 assassinatos (mais de 300 só nesse início do século 21).

Irmã Emilia Altini, coordenadora do CIMI de Rondônia, por ocasião da abertura da Campanha da Fraternidade, questionou a segurança publica para os povos indígenas. Ao afirmar que para os indígenas Segurança Pública é ter a terra demarcada, possibilidade de recriar diariamente sua cultura, políticas públicas que atendam a saúde, educação e auto-sustentação dos povos, sem que estes sejam expulsos de suas terras e marginalizados nas periferias das cidades, ela apresentou o quadro de violência contra os povos indígenas que tem se agravado nos últimos anos, com a criminalização e assassinato de lideranças e membros das comunidades, particularmente no exercício de seu direito territorial.

"Há casos graves de confinamento de comunidades em suas próprias terras, como o caso do Povo Cinta Larga, em nosso Estado, caracterizado na mídia local e regional como os índios maus", disse Ir. Emília. E concluiu: "Ninguém, no entanto aponta a pressão das mineradoras, dos garimpeiros, dos políticos e inclusive, de autoridades do Estado". 

No quadro de violência indígena apresentado aparecem as práticas de discriminação e preconceito e de violência física como o caso do índio Xacriabá assassinado recentemente em Minas Gerais. Faltam políticas públicas integrais, permanentes e de qualidade, situação que se reflete nas mortes por desnutrição e doenças endêmicas e epidêmicas como a malária e hepatite, que vitimam parentes, especialmente crianças e idosos, no Acre, no Vale do Javari e na Terra Indígena Yanomami.  A construção de hidrelétricas como a de Cotingo na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, Jirau e Santo Antônio no Rio Madeira-RO, e Estreito, no rio Tocantins, ameaçam gravemente os direitos humanos dos povos indígenas pelos impactos ambientais e socioculturais que elas implicarão. O governo e os setores interessados esqueceram que os povos indígenas defendem seus rios e cachoeiras como locais sagrados, onde suas margens abrigam animais e rica biodiversidade, além de ser fonte de sua auto-sustentação, conforme os seus usos e costumes tradicionais. Nesta ofensiva, serão também impactados os povos tradicionais (ribeirinhos, pescadores, entre outros).
  
Acompanhamos o CIMI em sua trajetória junto aos povos indígenas de Rondônia e vemos com preocupação sua atual situação: há mais de um ano os povos indígenas da região de Guajará Mirim solicitam uma auditoria na Funai de Guajará; as dragas bolivianas retiram cascalho do leito do rio Guaporé, barcos pesqueiros, constantemente invadem as terras do povo Sagarana e madeireiros e seus maquinários estão dentro das terras indígenas Laje no município de Nova Mamoré e do povo Karipuna  no município de Jaci Paraná.
  
A população indígena no Brasil é de aproximadamente 700 mil pessoas que somam mais de 240 povos; destes, 180 estão na região amazônica; 55 povos estão no Estado de Rondônia. Ainda existem na região Amazônica 70 povos em situação de isolamento e riscos ou isolados; destes 15 estão em Rondônia. Destes povos 05 estão ameaçados pelo Complexo Hidrelétrico do Madeira, já denunciados antes mesmos do início das obras. Dos 55 povos indígenas de Rondônia, 15 foram expulsos de seus territórios tradicionais e estão espalhados nas periferias das cidades e outros vivendo confinados nas terras Indígenas de outros povos. Na Terra Indígena Guaporé, em Guajará convivem 11 povos com língua, costumes, tradições e crenças diferentes; na terra Indígena Rio Branco, no município de Alta Floresta são 09 povos; na terra Indígena Tubarão Latundê ,município de Chupinguaia vivem 05 povos.
  
No Estado de Rondônia tem 48 Terras Indígenas; 20 estão homologadas, registradas; uma terra está interditada; 15 são dos povos indígenas expulsos e 12 dos povos em situação de isolamento e risco. A maioria destas terras indígenas sofre a invasão de madeireiros, garimpeiros, pescadores, fazendeiros, hidrelétricas, biopirataria e todo tipo de pressão do agronegócio.
  
O governo federal tem a obrigação constitucional de demarcar as terras indígenas e protegê-las, garantindo o respeito à diversidade étnica e cultural. Têm sido muitos e graves os ataques aos direitos indígenas no Brasil ao longo das últimas décadas, incluindo estes 20 anos de nova Constituição. De modo especial, destacam-se aqueles que atentam diretamente contra os direitos constitucionais que, em síntese, determinam que o governo demarque, fiscalize e proteja as terras e estruture uma política indigenista com participação efetiva dos povos indígenas.
  
A política indigenista deve, em essência, garantir o protagonismo indígena, o respeito à diversidade étnica e cultural, a assistência diversificada, atendendo as realidades de cada povo e assegurando a todos os povos a possibilidade de vida futura. De acordo com a Constituição, a União é proprietária das terras indígenas e é reconhecido aos índios os direitos originários sobre "as terras que tradicionalmente ocupam". Esse conceito é definido com base em quatro aspectos – considerados em conjunto – de acordo com os usos, costumes e tradições de cada grupo indígena.

São eles: as terras habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias à sua reprodução física e cultural. "São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens." (Art.231 da Constituição)

Outra garantia constitucional importante é a que proíbe a ocupação, o domínio e a comercialização dessas terras e a exploração de suas riquezas. Só há uma exceção permitida pela Constituição: quando se tratar de relevante interesse público da União.

Continuaremos apoiando a luta indígena pela demarcação de suas terras e a participação ativa nos programas de cidadania, superando o paradigma de incapacidade, fazendo prevalecer os preceitos constitucionais que incorporam os povos indígenas à comunhão nacional, como sujeitos de direitos e cidadãos brasileiros.

Fonte: Pascom

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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