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Dom Moacyr

Quaresma e responsabilidade pelo irmão



O evangelho desse domingo mostra Jesus curando todas as paralisias (Mc 2,1-12). Cura as pessoas por dentro e por fora.

Na eucaristia, Jesus nos restaura plenamente, curando-nos e ensinando-nos a compadecer e ser solidários com quem sofre.

O papa em sua mensagem para a Quaresma 2012 pede aos católicos de todo o mundo que neste período tenhamos uma maior atenção com o outro, nosso irmão e irmã, preocupando-nos concretamente pelos que são mais pobres e necessitados. Trata-se, na verdade, de um apelo à “responsabilidade pelo irmão”. Isto é, que estejamos atentos “aos sofrimentos físicos, quer às exigências espirituais e morais da vida”.

A Quaresma oferece-nos a oportunidade de refletir mais uma vez sobre o cerne da vida cristã: o amor. Este é um tempo propício para renovarmos, com a ajuda da Palavra de Deus e dos Sacramentos, o nosso caminho pessoal e comunitário de fé. Trata-se de um percurso marcado pela oração e a partilha, pelo silêncio e o jejum, com a esperança de viver a alegria pascal.

O papa, em sua mensagem, propõe alguns pensamentos inspirados num texto bíblico da Carta aos Hebreus: “Prestemos atenção uns aos outros, para nos estimularmos ao amor e às boas obras” (10, 24). Esta frase aparece inserida numa passagem onde o escritor sagrado exorta a ter confiança em Jesus Cristo como Sumo Sacerdote, que nos obteve o perdão e o acesso a Deus. O fruto do acolhimento de Cristo é uma vida edificada segundo as três virtudes teologais: trata-se de nos aproximarmos do Senhor “com um coração sincero, com a plena segurança da fé” (v.22), de conservarmos firmemente “a profissão da nossa esperança” (v.23), numa solicitude constante por praticar, juntamente com os irmãos, “o amor e as boas obras” (v. 24). Para apoiar esta conduta evangélica, participar nos encontros litúrgicos e na oração da comunidade, com os olhos fixos na meta escatológica: a plena comunhão em Deus (v.25). O versículo 24 oferece um ensinamento precioso e sempre atual sobre três aspectos da vida cristã: prestar atenção ao outro, a reciprocidade e a santidade pessoal.

A responsabilidade pelo irmão: o primeiro elemento é o convite a “prestar atenção”: o verbo grego usado é katanoein, que significa observar bem, estar atento, olhar conscienciosamente, dar-se conta de uma realidade. Encontramo-lo no Evangelho, quando Jesus convida os discípulos a observar as aves do céu, que não se preocupam com o alimento e todavia são objeto de solícita e cuidadosa Providência divina (Lc 12,24), e a dar-se conta da trave que têm na própria vista antes de reparar no argueiro que está na vista do irmão (Lc 6, 41).

Encontramos o referido verbo também noutro trecho da mesma Carta aos Hebreus, quando convida a “considerar Jesus” (3,1) como o Apóstolo e o Sumo Sacerdote da nossa fé. Por conseguinte o verbo, que aparece na abertura da nossa exortação, convida a fixar o olhar no outro, a começar por Jesus, e a estar atentos uns aos outros, a não se mostrar alheio e indiferente ao destino dos irmãos. Mas, com frequência, prevalece a atitude contrária: a indiferença, o desinteresse, que nascem do egoísmo, mascarado por uma aparência de respeito pela esfera privada. Também hoje ressoa, com vigor, a voz do Senhor que chama cada um de nós a cuidar do outro.

Também hoje Deus nos pede para sermos o “guarda” dos nossos irmãos (Gn 4,9), para estabelecermos relações caracterizadas por recíproca solicitude, pela atenção ao bem do outro e a todo o seu bem. O grande mandamento do amor ao próximo exige e incita a consciência a sentir-se responsável por quem é criatura e filho de Deus: o fato de sermos irmãos em humanidade e, em muitos casos, também na fé deve levar-nos a ver no outro um verdadeiro alter ego, infinitamente amado pelo Senhor. Se cultivarmos este olhar de fraternidade, brotarão naturalmente do nosso coração a solidariedade, a justiça, bem como a misericórdia e a compaixão. O Servo de Deus Paulo VI afirmava que o mundo atual sofre sobretudo de falta de fraternidade: “O mundo está doente. O seu mal reside mais na crise de fraternidade entre os homens e entre os povos, do que na esterilização ou no monopólio, que alguns fazem, dos recursos do universo” (Populorum progressio 66).

O dom da reciprocidade: O fato de sermos o “guarda” dos outros contrasta com uma mentalidade que, reduzindo a vida unicamente à dimensão terrena, deixa de a considerar na sua perspectiva escatológica e aceita qualquer opção moral em nome da liberdade individual. Uma sociedade como a atual pode tornar-se surda quer aos sofrimentos físicos, quer às exigências espirituais e morais da vida. Não deve ser assim na comunidade cristã! O apóstolo Paulo convida a procurar o que “leva à paz e à edificação mútua” (Rm 14,19), favorecendo o “próximo no bem, em ordem à construção da comunidade” (Rm 15,2), sem buscar “o próprio interesse, mas o do maior número, a fim de que eles sejam salvos” (1Cor 10,33). Esta recíproca correção e exortação, em espírito de humildade e de amor, deve fazer parte da vida da comunidade cristã.

Os discípulos do Senhor, unidos a Cristo através da Eucaristia, vivem numa comunhão que os liga uns aos outros como membros de um só corpo. Isto significa que o outro me pertence: a sua vida, a sua salvação têm a ver com a minha vida e a minha salvação. Tocamos aqui um elemento muito profundo da comunhão: a nossa existência está ligada com a dos outros, quer no bem quer no mal; tanto o pecado como as obras de amor possuem também uma dimensão social. Na Igreja, corpo místico de Cristo, verifica-se esta reciprocidade: a comunidade não cessa de fazer penitência e implorar perdão para os pecados dos seus filhos, mas alegra-se contínua e jubilosamente também com os testemunhos de virtude e de amor que nela se manifestam. Que “os membros tenham a mesma solicitude uns para com os outros” (1Cor 12,25), afirma São Paulo, porque somos um e o mesmo corpo. O amor pelos irmãos, do qual é expressão a esmola, típica prática quaresmal, juntamente com a oração e o jejum, radica-se nesta pertença comum. Também com a preocupação concreta pelos mais pobres, pode cada cristão expressar a sua participação no único corpo que é a Igreja. E é também atenção aos outros na reciprocidade saber reconhecer o bem que o Senhor faz neles e agradecer com eles pelos prodígios da graça que Deus, bom e onipotente, continua a realizar nos seus filhos. Quando um cristão vislumbra no outro a ação do Espírito Santo, não pode deixar de se alegrar e dar glória ao Pai celeste (Mt 5,16).

Caminhar juntos na santidade: Esta afirmação da Carta aos Hebreus (10,24) impele-nos a considerar a vocação universal à santidade como o caminho constante na vida espiritual, a aspirar aos carismas mais elevados e a um amor cada vez mais alto e fecundo (1Cor 12,31;13,13). A atenção recíproca tem como finalidade estimular-se, mutuamente, a um amor efetivo sempre maior, “como a luz da aurora, que cresce até ao romper do dia” (Prov 4, 18), à espera de viver o dia sem ocaso em Deus. O tempo, que nos é concedido na nossa vida, é precioso para descobrir e realizar as boas obras, no amor de Deus. Assim a própria Igreja cresce e se desenvolve para chegar à plena maturidade de Cristo (Ef 4,13).

Que todos, à vista de um mundo que exige dos cristãos um renovado testemunho de amor e fidelidade ao Senhor, sintam a urgência de esforçar-se por adiantar no amor, no serviço e nas obras boas (Heb 6,10).

Este apelo ressoa particularmente forte neste tempo santo de preparação para a Páscoa.

Fonte: Arquidiocese
 

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