Encerrando o Ano Litúrgico com a Solenidade de Cristo, Rei do Universo, “alfa e ômega, princípio, fim” (Ap 22,13) e realização de toda humanidade, elevamos a Deus, neste Dia Nacional dos Leigos, ação de graças pela vocação e missão dos cristãos leigos, homens e mulheres de fé “que formam a imensa maioria do Povo de Deus e são a esperança da Igreja”.
Como sujeitos eclesiais, participam ativamente da vida da Igreja, sendo testemunhas fiéis de Cristo Rei, cumprindo a missão no Mundo, como construtores do Reino (mensagem CNLB). Estão presentes e atuantes em nossas comunidades, na defesa e promoção da vida, através das pastorais, serviços, associações, movimentos, organizações. Anunciam o evangelho e vivem sua vocação missionária tornando-se fermento na massa e somando “com todos os cidadãos de boa vontade, na construção da cidadania para todos” (CNBB 107, 58).
Cristo deixou claro que seu reinado é diferente dos reinados da terra, por isso cada cristão, “nesta novaetapa evangelizadora” (EG 17) vai percebendo “qual é o caminho que o Senhor lhe pede, mas todos são convidados a aceitar esta chamada: sair da própria comodidade e ter a coragem de alcançar todas as periferias que precisam da luz do Evangelho” (EG 20).
Celebrar a festa de Cristo Rei é revisitar a vida de Jesus, pois esta solenidade resume o mistério de Cristo, “primogênito dos mortos e dominador de todos os poderosos da terra”, ampliando o nosso olhar para o pleno cumprimento do Reino de Deus, “quando Deus for tudo em todos” (1Cor 15,28).
Hoje, de todos os lugares do mundo, ecoa a nossa oração: Venha a nós o vosso reino de justiça, Senhor! A busca da verdadeira justiça e a coerência do amor levam inúmeros cristãos ao martírio, à morte semelhante à de Cristo. Na celebração de Cristo Rei tornamos presente, de algum modo, o sofrimento e a esperança de tantos povos e a memória de tantos irmãos mártires. Possa cada um de nós, nas horas mais difíceis da caminhada, dizer com Santo Agostinho: “Nós somos Cristo”.
Paulo Apostolo convida-nos a fortalecer nossa fé na ressurreição (1Cor 15,20-26.28). Cristo Ressuscitado é a certeza de que o reinado de Deus alcança a humanidade inteira. Nascemos para a esperança, para a fé da herança incorruptível na ressurreição (Oração do dia). Como os primeiros cristãos que testemunhavam a fé do batismo recebido, devemos ser persistentes na oração, fieis à palavra e aos “ensinamentos dos apóstolos”, testemunhando a comunhão fraterna e a partilha solidária.
O profeta Ezequiel fala do reinado de Deus (Ez 34,11-12.15-17). É o reinado do Rei-Pastor, aquele que cuida de suas ovelhas, aquele que vê a dor do povo exilado e age em seu favor: cuida, recolhe, dá repouso, busca e reconduz quem está perdido. A soberania de Deus está no amor, seu pastoreio é para a felicidade de suas ovelhas. O Senhor é o meu pastor! Ele me guia por bons caminhos (Sl 22).
O Evangelho de Mateus nos ajuda a entender o julgamento final(Mt 25,31-46). Jesus, rei do universo, age com justiça. Identifica-se com as pessoas excluídas. O amor concreto aos que sofrem é o caminho garantido de encontro com Deus e de salvação eterna. Somos chamados “a responder a Deus que nos ama e salva, reconhecendo-O nos outros e saindo de nós mesmos para procurar o bem de todos” (EG 39). Nesse Reino, a vida de todos é um bem valioso, principalmente a vida dos mais pobres, a quem são resguardadas a dignidade e a justiça.
Ao reafirmar que “nenhum país prospera com corrupção”, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em sua Nota “Brasil pós-eleições: compromissos e desafios”, divulgada no dia 20 de novembro, insiste na importância da participação da Igreja na Política como auxílio na construção de “uma sociedade justa e fraterna”.
Neste sentido, a nota também destaca a urgência da reforma política, como arma contra a corrupção, e o empenho de cada cristão na coleta de assinaturas para o Projeto de Lei de Iniciativa Popular proposto pela Coalizão pela Reforma Política Democrática e Eleições Limpas. À reforma política, entretanto, é necessário unir outras reformas igualmente urgentes como a tributária e a agrária. O Brasil não pode mais conviver com tanta omissão em relação a estas e outras matérias que lhe são vitais.
A Campanha para a Evangelização, que estamos iniciando hoje e tem como lema “Cristo é nossa paz” (Ef 2,14), chega num momento oportuno, marcado por crises que exercem grande influência na vida de todos e contribuem para a ressentida ausência de paz difundida pela sociedade brasileira. O Papa Francisco nos diz que Cristo é a nossa paz, porque venceu o mundo e os conflitos pacificando-os pelo sangue da sua cruz (Cl 1,20).
Precisamos enfrentar as crises e os conflitos com a força e a novidade do Evangelho. No contexto econômico, o ser humano é visto a partir do consumo e não na sua totalidade (EG 55). Este sistema de produção gera desigualdades, porta de entrada de inúmeros males sociais que atentam contra a dignidade humana. Este desrespeito traz consigo violência, sofrimento, dor e morte.
A crise da família encontra suas raízes no individualismo, a outra face do pluralismo cultural globalizado (DAp 479). O problema se agrava ao considerarmos que as famílias não contam com políticas públicas adequadas e respeitadoras dos valores que devem estruturá-la (EG 66).
Outra realidade geradora de conflitos e violência decorre da situação dos jovens em nossa sociedade. Além de sofrerem diretamente com a situação familiar, também sofrem com a pobreza, o despreparo para o mercado de trabalho, a ameaça das drogas e o extermínio que os atinge.
A crise na democracia representativa dificulta a efetivação dos direitos e de convivência pacífica na nossa sociedade. A dimensão religiosa já convive com ataques à sua liberdade, aos cristãos em particular (EG 61); e surge uma espiritualidade que privilegia momentos religiosos, descompromissada com o outro, com a justiça social ou com a evangelização (EG 78).
Estas crises expressam as ambiguidades e conflitos de nosso tempo e interferem no alcance da paz. Para Pe. Manfredo de Oliveira, o fundamento normativo deste mundo de paz é a dignidade de toda realidade e de modo supremo a dignidade do ser humano enquanto ser pessoal, inteligente e livre e enquanto tal portador de direitos inalienáveis decorrentes como exigências da constituição do seu ser. Não é uma massa arrastada por forças dominantes que pode ser o artífice deste mundo novo, mas uma nação toda construída pelos habitantes de um povo em paz, justiça e fraternidade agindo como cidadãos responsáveis pela configuração de sua vida coletiva.
Nesta nossa reflexão, as palavras do papa Francisco são iluminadoras: “A política, tão desacreditada, é uma sublime vocação, é uma das formas mais preciosas da caridade, porque busca o bem comum” (EG 205). Ninguém pode exigir-nos que releguemos a religião para a intimidade secreta das pessoas, sem qualquer influência na vida social e nacional, sem nos preocupar com a saúde das instituições da sociedade civil, sem nos pronunciar sobre os acontecimentos que interessam aos cidadãos. Uma fé autêntica comporta sempre um profundo desejo de mudar o mundo, transmitir valores, deixar a terra um pouco melhor depois da nossa passagem por ela (EG 183).
Assim, a fé passa a ter valor existencial, com incidência na vida pessoal, comunitária e social. Todos devem procurar o Reino de Deus em primeiro lugar (Mt 6,33; EG 180), ser profetas da esperança cristã e apóstolos “d'Aquele que é, que era e que vem, o Onipotente” (Ap 1,4).
A vida e a morte de Jesus elucidam o sentido da vida e a tornam fecunda para si e para outras pessoas, a exemplo de como foi a vida de Jesus para o mundo. Jesus salvou a todos por meio do seu Mistério Pascal, dom gratuito do Deus que salva (DAp 143).
Advento está chegando; tempo forte carregado de sentido, que nos faz ter acesso àquilo que é mais humano em nós. Hora de alargar o coração e “lançar-se para frente”, como o apóstolo Paulo. Entramos na “intimidade da Igreja com Jesus” que “é uma intimidade itinerante”; fiéis “ao modelo do Mestre” somos chamados a “anunciar o Evangelho”. Com a “comunidade missionária”, devemos “encurtar as distâncias, assumir a vida humana, tocando a carne sofredora de Cristo no povo, pois a alegria do Evangelho é para todos, não podemos excluir ninguém” (EG 23-25).