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Dom Moacyr

Restaurar a vida do povo! Por Dom Moacyr Grechi



A última semana da quaresma, que antecede a Semana Santa, é um apelo para que saiamos de nossos túmulos “e do grande túmulo da iniquidade que devora nossas esperanças como povo, gerando desigualdades e escandalosa divisão entre cidadãos, sobrantes e descartáveis” (VP).

Na sociedade globalizada, existe um estilo de olhar para o outro lado, que se pratica de maneira recorrente: sob as aparências do politicamente correto, olhamos para aquele que sofre, mas não o tocamos, proferimos um discurso aparentemente tolerante, mas nada fazemos para debelar as feridas sociais, nem para enfrentar as estruturas que deixam tantas pessoas na rua.

     Esta atitude hipócrita, tão diferente daquela do samaritano, manifesta a ausência de uma conversão autêntica e de um verdadeiro compromisso em prol da humanidade. Trata-se de uma fraude moral, afirmou papa Francisco em sua Mensagem aos participantes do Encontro dos Movimentos Populares na Califórnia.

Os feridos estão aqui, constituem uma realidade. O desemprego é real, a corrupção é concreta, a crise de identidade é real, o esvaziamento das democracias é concreto. A gangrena de um sistema não pode ser disfarçada para sempre, pois mais cedo ou mais tarde sente-se o seu fedor, e quando já não se pode negá-la, do próprio poder que gerou tal situação nasce a manipulação do medo, da insegurança, do protesto, até da justa indignação das pessoas, que transferem a responsabilidade de todos os males para um “não próximo”.

No Brasil, uma Reforma Política que mais parece um ataque à democracia; reformas da Previdência e do Trabalho que sinalizam retrocesso aos direitos sociais; a reforma do ensino médio contém falhas gritantes. Uma MP (a 759) que rompe com diversos regimes jurídicos de acesso à terra,  construídos com participação popular, que coloca em risco a Floresta Amazônica e é o fim do licenciamento ambiental diferenciado para áreas de interesse social. Com essas medidas, quilombolas, ribeirinhos, indígenas e sem terra tem seus direitos ainda mais vulneráveis.

O aprimoramento das políticas é bem-vindo, desde que aperfeiçoe as instituições democráticas, destaca o Manifesto das dioceses da Província Eclesiástica de Belo Horizonte sobre a proposta de Reforma da Previdência. Nenhuma reforma, contudo, pode operar em sentido contrário, trazendo o risco de aumentar as desigualdades que historicamente já caracterizam a sociedade brasileira. 

Num momento de intensa crise de representatividade e de legitimidade das instituições, pela ausência de autoridade moral que agrava a falta de credibilidade dos legisladores e governantes, é contraditório e perigoso impor mudanças constitucionais, quanto mais no que tange aos direitos sociais.

É inaceitável uma reforma que se assenta na redução dos direitos dos mais pobres, assim como é inadmissível estabelecer benefícios abaixo do salário mínimo, com valores insuficientes para garantir as condições básicas de sobrevivência, enquanto certos grupos continuam sendo privilegiados.

Não é possível deixar desprotegidos aqueles que, por uma questão de justiça social, mais necessitam do amparo do poder público. Com efeito, não há justiça em tratar de forma igual situações que são eminentemente desiguais.

Estamos encerrando o tempo abençoado da Quaresma, sob o signo da ressurreição. Quem move a história é o Espírito de Deus. Como foi revelado ao profeta Ezequiel, não existe situação que não interesse a Deus. Ele intervém na história humana para transformá-la em história da salvação. Concede seu Espírito para libertar o ser humano de toda espécie de escravidão e conduzi-lo à liberdade (VP).

É o Espírito de Deus nos faz sair dos “túmulos” da desesperança, do medo, da acomodação. Deus não se conforma com o abandono e a morte de ninguém. Ele é o Deus da vida em plenitude. As crises e dificuldades de nosso tempo são desafios que podem ser enfrentados como fez o povo exilado na Babilônia: na confiança em Deus e na esperança ativa.

     Em nosso retiro quaresmal, domingo após domingo fomos acompanhando os passos do Mestre rumo a Jerusalém. Cristo, Água viva, Luz e Vida, não quer que a nossa vida fique no sepulcro do nosso pecado e se apodreça.

     A Quaresma termina com um chamado à vida. Não qualquer vida, mas a Vida verdadeira, a Vida que deseja ser despertada para romper com tudo aquilo que a limita (IHu). Portanto, nesta semana que antecede a Semana Santa, não fechemos nossos ouvidos, nem nos tornemos surdos à Palavra de Deus.

Quando um povo, uma comunidade, uma paróquia, fecha os ouvidos e se torna surda, não ouve a Palavra de Deus, se distancia do Deus vivo. Quando nos distanciamos do Senhor, o nosso coração se endurece. Esquecer Deus que nos criou, que nos fez crescer, que nos acompanhou na vida: esta é a desilusão de Deus. Creio que hoje nos fará bem pensar: Diga-me, Senhor, está desiludido comigo? Com certeza sim, por algum motivo. Lembremos que “Deus tem um coração terno, um coração de pai”. Por isso, devemos nos perguntar: “Deus chora por mim?”, “está desiludido comigo?”, “me afastei do Senhor?” (papa Francisco). 

     Nesta 5ª semana da quaresma, Jesus intercede ao Pai por nós e nos chama à vida. Cristo comunica-nos a Vida de Deus que Ele mesmo possui pelo Espírito e da qual pode dispor. Experimentar a misericórdia infinita de Deus, através da Confissão; receber o perdão de Deus, através de seus ministros, você poderá fazê-lo amanhã, segunda-feira (dia 3/4) às 19h na Catedral Sagrado Coração de Jesus, durante o Mutirão das Confissões.

     A liturgia de hoje abre uma perspectiva tanto sobre nossa ressurreição quanto sobre a de Cristo, perspectiva que sustenta nossa conversão pascal. O profeta Ezequiel anuncia a restauração de Israel e a vida nova para os que se encontram sem esperança, no túmulo do exílio da Babilônia.

Deus ama prioritariamente o povo em situação de sofrimento. Está junto aos exilados e promete-lhes a volta à terra de Israel, devolvendo-lhes a liberdade. O dom do Espírito de Deus revigora o coração do povo e lhe suscita vida (Ez 37,12-14). Mais do que restauração, trata-se de uma nova criação: o Espírito que vem do alto anima um coração novo, todo dirigido a Deus e à sua aliança.

     Paulo Apóstolo fala do espírito que vivifica, mesmo se o corpo está morto; o espírito daquele que ressuscitou Jesus dos mortos fará viver até os nossos corpos mortais (Rm 8,8-11).

A leitura pascal do evan­gelho de hoje é profética e atual. Pelo relato da ressurreição de Lázaro, a comunidade cristã afirma que Jesus é a ressurreição (Jo 11,1-45). Ressuscitar ou renascer não é somente sair da morte; é sair livre; Jesus não é um restaurador de quadros; ele faz nascer, cria um novo dia, inventa uma nova vida.

     O Senhor mostra seu poder não para intimidar o ser humano, mas para salvá-lo, para trazê-lo à vida e devolver a alegria à sua família. Prestando atenção nos gestos de Jesus, ele não restringe sua ação aos momentos limites como a morte, mas age trazendo a saúde, recuperando pessoas envolvidas com situações de morte, enfim perdoando o pecados. Ele, a Vida, recupera o que estava perdido.

Por isso, supliquemos ao Senhor da Vida que traga harmonia aquele casal que está com dificuldades no relacionamento conjugal, aos jovens que perderam suas vidas nas drogas e no álcool, aquele pai de família que gasta o dinheiro do sustento familiar nos jogos, à jovem que destrói sua vida na prostituição.

Apresentemos ao Senhor aquelas mães que pensam em abortar a vida que Deus colaborou para que gerassem, aqueles médicos que desejam aliviar o sofrimento de seus pacientes agindo diretamente contra o dom divino da vida, e tantos outros casos que conhecemos (Pe. Cesar A.Santos).

     O Senhor quer nos libertar de todas essas mortes e sinalizar que pode nos libertar da morte definitiva. Ele disse: “Quem crê em mim, ainda que morra viverá, e quem vive e crê em mim, não morrerá para sempre”.

     No próximo domingo, Domingo de Ramos e da Paixão (Coleta da CF/2017), iremos iniciar, com toda a Igreja, a Semana Santa, recordando a entrada de Cristo em Jerusalém para realizar a entrega de sua vida pela morte de cruz, fiel ao projeto do Reino. Deixemos, portanto, que o mistério pascal da paixão, morte e ressurreição de Jesus se realize mais intensamente em nossa vida.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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